A dia esquecido

A dia esquecido

Foi num 4 de junho que essa história aconteceu. O governo chinês proíbe qualquer menção a essa data nas redes sociais. A vergonha é imensa. O regime teve medo de acabar nesse dia. Esse é um dos maiores tabus da China. A data esquecida. E aqui lembro como aconteceu.

Deng Xiaoping assumiu o poder na China em 1978 e fez uma revolução - abriu o mercado do país: descoletivizou a agricultura, privatizou estatais, abriu a China ao investimento estrangeiro, desburocratizou a abertura de novos negócios.

A China viveu o maior crescimento econômico de sua história a partir dessas reformas. O que significa dizer que se hoje esses caras compram e vendem do mundo inteiro, é graças ao trabalho que Deng Xiaoping realizou lá atrás. Mas ele não fez nada disso sozinho.

Nos anos 1980, Hu Yaobang era Secretário-Geral do Partido Comunista e homem forte de Xiaoping na construção das reformas econômicas. Era ele quem promovia aquilo que as alas mais radicais do partido chamavam de "liberalização burguesa".

Yaobang dizia que as teorias marxistas-leninistas defendidas por Mao não se aplicavam à China moderna. Ele queria mais mercado e menos centralização política. E pagou um preço caro por isso: a destituição do cargo em janeiro de 1987.

Yaobang sofreu um ataque cardíaco em abril de 1989. Ele morreu uma semana depois. Sua morte gerou comoção na China. E rapidamente ganhou as ruas em manifestações que logo se transformariam em protestos por liberdade, democracia e Iluminismo.

Em pouco tempo mais de 100 mil pessoas, nas ruas do centro de Pequim, lamentavam a morte daquele peculiar liberal chinês, pedindo pacificamente pelas reformas políticas e econômicas que ele desejava.

Virou uma febre. Por longas semanas, protestos tomaram as ruas de mais de 400 cidades no país. Em maio, centenas de manifestantes entraram em greve de fome. Mais de 1 milhão de pessoas ocuparam uma praça, no centro de Pequim, em homenagem a eles. Era a Praça da Paz Celestial.

Com medo da dissolução do poder central, o governo chinês decretou Lei Marcial. E na noite do dia 3 de junho de 1989 enviou tanques e a infantaria do exército ao centro da capital.

Foi um massacre: o Massacre da Praça da Paz Celestial. Aconteceu há exatos 31 anos, no dia 4 de junho de 1989. Seres humanos foram assassinados nesse dia por pedirem por democracia. O número de mortes até hoje é segredo de Estado.

Na confusão, um Rebelde Desconhecido ficou em pé em frente a uma coluna de tanques chineses, forçando-os a parar. Essa é uma das imagens mais emblemáticas da história. O herói anônimo chinês entrou pra lista da Time das 100 pessoas mais influentes do século.

Os eventos desse dia foram apagados dos livros de história da China e qualquer discussão sobre o massacre é estritamente censurado e controlado, dentro e fora da internet. Muitos chineses nunca ouviram falar desse 4 de junho.

Todos os anos nessa data, desde então, Hong Kong faz uma vigília em homenagem aos mortos do Massacre da Praça da Paz Celestial. Em 2020, pela primeira vez, essas manifestações estão proibidas.

Que a memória dos heróis que lutaram por democracia no Massacre da Praça da Paz Celestial - e que até hoje são menosprezados por apologistas de Estados autoritários, dentro e fora da China - não seja jamais esquecida.

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