Diagnósticos e Medicações: a Identidade Definida por Rótulos

Diagnósticos e Medicações: a Identidade Definida por Rótulos

A SUPERVALORIZAÇÃO DOS DIAGNÓSTICOS

Hoje é muito prático pesquisar sobre qualquer diagnóstico. Você sabe, é o que fazemos, vamos ao socorro do doutor mais popular desse planeta: o Dr. Google.

Em alguns casos isso até pode se mostrar útil. Mas, da perspectiva da saúde mental, é um fenômeno que tem se revelado negativo, prejudicando a vida de muitas pessoas e desafiando a prática dos(as) profissionais comprometidos(as) com a saúde da população.

Na verdade, o diagnosticar se tornou mais do que uma busca por esclarecimento. Agora, ao que parece, o fenômeno significa definir a própria identidade, bem ao estilo “tenho um diagnóstico, logo existo”.

Como profissional da saúde, sei que definir o problema é o primeiro passo para resolvê-lo. Mas é possível que estejamos passando do ponto. O discurso em torno dos diagnósticos está assumindo uma perspectiva autojustificável, e isso é perigoso.

É como se, ao definir o diagnóstico, tudo ficasse resolvido. Ele esclarece, explica, justifica e soluciona. A sensação que fica é: não há mais nada a se fazer. O diagnóstico é uma absolvição. E pouco se fala sobre as reais soluções. Como no exemplo a seguir:

“Desde a infância, sempre me senti diferente. Aos 10 anos, fui diagnosticado com TDAH, o que explicava minha dificuldade em me concentrar e minha hiperatividade. Na adolescência, comecei a ter episódios de depressão e, aos 17 anos, fui diagnosticado com transtorno de personalidade borderline. As mudanças de humor eram intensas e eu tinha medo constante de ser abandonado. Aos 20 anos, após uma série de crises, fui diagnosticado com transtorno de personalidade narcisista, o que complicou ainda mais meus relacionamentos. Atualmente, estou em acompanhamento avaliando a possibilidade de algum espectro autista, o que explicaria minhas dificuldades sociais.”

*Exemplo adaptado de uma pessoa com múltiplos diagnósticos, criado para fins ilustrativos.

 

DIAGNÓSTICOS COMO MODA

Percebo que, nos últimos anos, tem sido muito mais frequente pessoas com múltiplos diagnósticos. Embora alguns casos sejam reais, para muitos a pluralidade de rótulos nem sempre é legítima.

Não quero dizer que as pessoas estejam mentindo sobre sua própria condição, mas elas estão equivocadas na sua definição. E acabam se ancorando em diagnósticos que, a rigor, não se sustentam.

Então sim, temos um problema! Ironicamente, não são os transtornos, mas a supervalorização deles. Trata-se do viés de se autodiagnosticar e da insistência para confirmar isso.

Também percebo que, CLARAMENTE, existe a temporada dos diagnósticos. Quando a moda pega (aquele salve especial para os influencers), o índice de determinado transtorno, curiosamente, se eleva.

Já pude observar a temporada do TOC, do Borderline, do Estresse Pós-Traumático, do Narcisista, do Antissocial, do TDAH e do Autismo. Ansiedade, Pânico e Depressão nunca saem de moda, mas essas últimas são, de fato, transtornos muito prevalentes.

 

OS (AUTO)DIAGNÓSTICOS MAIS POPULARES

A absoluta maioria da sociedade está constantemente ansiosa, isso é fato. Então podemos dizer que esta é nossa atual linha de base. A partir daí, o cardápio é variado e tudo pode acontecer. No geral, depressão, crises de ansiedade (pânico), dificuldade para dormir e pensamentos sobre suicídio figuram como os pares mais populares.

A condição de sofrimento dessas pessoas é real, são transtornos muito frequentes. Mas, mesmo assim, não podemos descartar uma boa fatia que embarca nessas estatísticas por desinformação, conveniência ou oportunismo.

Em segundo plano brotam (e esta é a palavra) os (auto)diagnósticos cinzentos. Aqueles pouco ou nada compreendidos pelas pessoas, como o bipolar, dificuldade de concentração, autismo, narcisismo e borderline. Aqui eu digo – é minha convicção – no rol dos que alegam o diagnóstico há mais pessoas fora do espectro patológico do que dentro.

Um dos grandes problemas neste cenário é que as pessoas acreditam que possuem conhecimento sobre os critérios diagnósticos. Infelizmente, existem muitos mecanismos reforçando essa falsa compreensão. Mas os transtornos emocionais são complexos na sua identificação. Não se trata de vaidade ou ego profissional, é complicado de verdade. Por isso, é necessário tempo, conhecimento e cuidado para determinar um diagnóstico.

Mas, contrariando tudo que é pertinente, os critérios utilizados para cravar um diagnóstico tem sido bastante simples, vai depender do seu estado de humor, da sua bolha e da moda da vez.


EQUÍVOCOS DA SOCIEDADE E DE PROFISSIONAIS

Não apenas as pessoas se diagnosticam. Os profissionais também o fazem, é claro! Mas, em muitos casos, o fazem mal e rápido.

Afinal, todos estão com pressa de cumprir seus respectivos papéis. Doentes querem confirmar sua doença para se sentirem melhores (?). Os profissionais querem fazer o trabalho deles: dar nome ao problema para então desfazê-lo.

Estamos entrando em uma espiral de patologização absurda, e esse buraco já vai looonnnge. Se dermos um zoom nas figuras que estão na linha de frente dessa tendência, veremos as seguintes evidências de tal fato:

  • Psiquiatras que determinam múltiplos diagnósticos na PRIMEIRA CONSULTA
  • Psicólog@s, pais e os outros profissionais que inflacionam hipóteses diagnósticas (e todo dia surge um novo termo)
  • Pessoas usando diagnósticos para justificarem suas inconsistências diárias: por que não trabalham, por que não namoram, por que não socializam, por que não se esforçam...
  • Pacientes que buscam o atendimento para “confirmar” o autodiagnóstico; para eles não se trata de uma consulta, é meramente protocolar (eu que sou psicólogo vejo o quantos eles sofrem quando não confirmo o cid., quase como uma crise de abstinência)
  • E OS CAMPEÕES, OS INFLUENCERS. Eles lançam a moda sobre temas de saúde e "os mais recentes diagnósticos", de si ou de casos aleatórios, ensinando as pessoas como se faz

 

UMA ENCHENTE DE MEDICAÇÕES COMO CONSEQUÊNCIA

Você perceberá que o problema é ainda mais grave. Estamos nos afogando em medicações.

Entre 2017 e 2021, houve um aumento de cerca de 58% nas vendas de antidepressivos no Brasil. Em unidades vendidas, no ano de 2022 foram aproximadamente 112,8 milhões de antidepressivos e estabilizadores de humor, um aumento significativo em comparação com os 67,6 milhões de unidades vendidas em 2017. Entre 2022 e 2023, as vendas aumentaram 11%.

E crescendo.

Em relação a turma do TDAH:

Segundo um levantamento da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), houve um aumento de quase 800% no consumo de Ritalina entre 2003 e 2012. E de acordo com dados da Anvisa, em 2019 registrou-se a compra de 2,85 milhões de caixas de psicoestimulantes, representando um aumento de 20,9% em relação ao ano anterior.

Eu apenas citei dois exemplos. E nem falamos ainda das toneladas de pílulas para dormir e aquelas para o sexo. Calma, respira... Logo no vagão de trás vem os Ozempics da vida, mais os chips da beleza e as bombas de testosterona.

Tudo isso só é comercializável se houver diagnósticos; muitos deles. Por enquanto o mecanismo tem sido um grande sucesso, dado o número crescente de pessoas que está se ancorando nos diagnósticos com sua natureza autojustificada.

 

O QUE PODEMOS FAZER? REFLITA, ESPALHE, REAJA.

No fim, esta é a realidade porque é mais fácil justificar e combater os problemas com remédios. É quase instintivo, já que a mudança mental é lenta e dolorosa. A sociedade na qual vivemos não permite o que é lento, ainda que seja pela saúde.

Infelizmente, remédios não resolvem e se debruçar em diagnósticos pode não ser o melhor caminho para a saúde mental de nossa sociedade.

SOCIEDADE, muitas vezes tenho a impressão que “sociedade” é um termo frio e vago, o qual não capta sobre o quê ou de quem estamos falando. Eu me refiro as pessoas que amamos, com quem convivemos, aquelas que prestam serviços essenciais para que nossas vidas aconteçam bem, e também aquelas que nos recompensam por nossos serviços e utilidade, formando o ciclo de prosperidade.

Precisamos falar mais de estratégias e das soluções. Definitivamente, precisamos desacelerar. Como disse o rapper: “O bonde tá pesado e você tá achando graça”.

Qual a sua percepção? Você tem a mesma impressão sobre a quantidade desproporcional de diagnósticos? E quanto ao excesso de medicamentação?

Vamos dar o primeiro passo e espalhar essa reflexão. Muito obrigado por sua presença!

Isabella T.

Analista de Marketing | Especialista em comunicação digital | Relações Públicas | SaaS B2B

2 m

A busca pela medicação, muitas vezes chega para tratar consequências e não a causa, como os famosos remédios de indução de sono. Manter a vida em equilíbrio exige esforço, e muitos não estão dispostos. O sucesso dos gurus da internet e jogos de aposta estão aí para provar que as pessoas vivem em busca de fórmulas mágicas para resolver seus problemas. A parte negativa é que os diagnósticos "de moda" ainda podem prejudicar diagnósticos sérios. Além da medicação errada trazer outras consequências negativas para o paciente. Excelente, você trazer esse tema aqui.

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