dIAlogos: como a IA está impactando o mundo jurídico e a sociedade.
Realmente o ano de 2023 foi, está sendo e ainda será o ano das experimentações (veja artigo que escrevi no começo do ano aqui). A popularização da inteligência artificial, principalmente a generativa, está proporcionando uma revolução (quase) maior do que da própria internet, talvez pelo fato de que agora, diferente do passado, temos a própria internet para distribuir exponencialmente as mudanças.
O impacto será tão grande que tudo que acreditamos terá uma versão diferente e será feito de uma outra forma. Mudaremos a questão da tecnologia que antes era “como fazer?” para “o queremos fazer?”.
Convidei a Ingrid Soares (잉그리지) , advogada especialista em inteligência artificial, para conversar sobre o assunto. Abordaremos tanto os aspectos jurídicos quanto os impactos que reverberam na sociedade e em nosso cotidiano.
VITOR: Ingrid, qual é a primeira memória que vem à sua mente relacionada à inteligência artificial? E quando e qual a primeira ferramenta que utilizou?
INGRID: Meu primeiro contato com a inteligência artificial surgiu academicamente na área da antropologia ao estudar sobre a antropomorfização das máquinas, por influência de uma professora próxima que atuava no Berkman Klein Center, em Harvard. Na graduação, tive a oportunidade de cursar algumas disciplinas no campus de Harvard, incluindo ciência da computação. A partir daí, comecei a programar e treinar com desafios em grupo propostos pela faculdade, como o Titanic ML Competition e CS Puzzle Day. Aprendi Python e posteriormente Java, por influência de um querido professor da Harvard John A. Paulson School. Acredito que a primeira ferramenta de IA que eu utilizei foi o Tensorflow ou o AutoML.
VITOR: Como a presença da inteligência artificial moldou e transformou sua rotina no último ano?
INGRID: No último ano, a IA entrou na minha rotina de maneira significativa. Para além dos dispositivos de AIoT, eu gosto de utilizar ferramentas de IA como ChatGPT para me auxiliar a montar cronograma de estudos e a localizar referências bibliográficas para estudo. A recente IA do Notion também já é uma queridinha por aqui. Para me divertir e passar o tempo, gosto de brincar com o Midjourney e o Leonardo.ai para criar imagens para meus bancos de imagens, e com o lumen5 para criar vídeos.
VITOR: Na sua perspectiva, de que maneira a capacidade da inteligência artificial de gerar conteúdo de forma generativa pode influenciar tanto o cenário jurídico quanto a sociedade em geral?
INGRID: As ferramentas de IA generativa estão influenciando tanto o cenário jurídico e a sociedade como um todo pelo fato de serem mais acessíveis ao público. Diferente de outras ferramentas de IA em que é necessário um conhecimento mais específico, ferramentas de IA generativa como ChatGPT demandam menos da infraestrutura e capacidade de processamento, além de serem mais "user friendly" e adaptáveis a diferentes contextos e tarefas. Se eu fosse brincar de futuróloga, diria que em breve novas posições no mercado de trabalho vão passar a exigir conhecimento e domínio dessas ferramentas, o que também levanta importantes questões sobre exclusão digital e perpetuação de discriminações na sociedade.
Por outro lado, acho que a maioria dos profissionais do meio jurídico já entende o potencial transformador das ferramentas de IA generativa. Há muito tempo se discute o poder transformador da tecnologia para o Direito. O que é chocante, na realidade, é a velocidade em que novas atualizações e modelos estão surgindo, já que para isso é necessário um alto investimento em infraestrutura, staff qualificado e qualidade dos dados. Mesmo para os profissionais do Direito mais engajados, acompanhar a evolução dessas ferramentas em um setor tão tradicional ainda é um desafio. Como diria Andrew Perlman, "a IA não eliminará a necessidade de advogados, mas pressagia o fim da advocacia como a conhecemos".
VITOR: Sempre acreditei no potencial do blockchain nas operações cotidianas e parece que a popularização da inteligência artificial (que está ocorrendo atualmente) é o complemento necessário para uma colaboração eficaz.
Ingrid, qual é a sua visão sobre a intersecção dessas duas tecnologias? E, dentro do âmbito jurídico, como você prevê que essas convergências tecnológicas impactarão as práticas legais?
INGRID: Para mim, a intersecção da IA com o blockchain é essencial. Ao unirmos a IA com a segurança do blockchain, desenvolvedores de sistemas de IA podem ter mais segurança em suas operações, de forma a torná-las mais confiáveis e invioláveis. No âmbito jurídico, já existem players trabalhando com soluções voltadas para geração de contratos inteligentes em ambientes mais seguros e privados, aproveitando recursos e dados de maneira mais descentralizada e transparente. Apesar das apostas promissoras, a intersecção dessas duas tecnologias trará desafios significativos para áreas específicas do direito, como é o caso da análise de potenciais condutas unilaterais anticompetitivas da perspectiva do direito antitruste.
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VITOR: Em maio deste ano, escrevi um texto levantando indagações filosóficas relacionadas ao assunto (leia aqui). De que maneira você enxerga o papel humano e a essência de/do SER humano como agente de mudança positiva em relação às ferramentas de inteligência artificial?
INGRID: Eu gosto de falar para os meus alunos que a inteligência artificial é um espelho da humanidade. Por meio dos nossos dados - que representam o nosso cenário histórico, político e social - a IA reflete tanto o melhor de nós (e.g., a nossa capacidade para inovação e avanço tecnológico), como o pior de nós (e.g., a potencialização de discriminações de gênero e etnia). Apesar disso, enxergo na IA uma mudança positiva pautada pela oportunidade de impedirmos a perpetuação de tais discriminações e evoluirmos como humanidade. Dito isso, o avanço da IA, nos faz levantar indagações filosóficas, de fato. Isso inclui reflexões como o que é inteligência, ética e transparência - e se tais valores seriam universais e exclusivos dos humanos. Tais reflexões estão ligadas ao debate da área da computação sobre como podemos incorporar esses valores de forma "codificável" no design dos algoritmos para obtermos máquinas éticas e responsáveis desde a concepção.
INGRID: Também gostaria de fazer uma pergunta: Como se sabe, a IA generativa tem um potencial enorme na área do design. Atualmente, já vemos a utilização dessas ferramentas para criação automatizada, exploração de novas ideias, ou design assistido por IA. O uso de ferramentas de IA generativa no design levanta uma preocupação dos profissionais da área em relação à personalização em massa? Você acha que a inserção dessas tecnologias vai redefinir o papel do designer que conhecemos hoje, como aconteceu com a figura do advogado?
VITOR: Com certeza será uma nova era para o todos os tipos de designers/designs. Assim como há duas décadas a revolução digital transformou profundamente a criação de design, estamos agora à beira de uma transformação igualmente impactante com a integração da inteligência artificial nesse processo criativo. Porém, antes de tudo, design é processo e projeto: você pode mudar as ferramentas, mas a essência perpetua. A diferença agora é que mais pessoas terão acesso à essas ferramentas e, com a facilidade de alcançar rapidamente um nível mais refinado de "acabamento" e "arte final", as ideias, insights e a inteligência por trás ganharão um destaque ainda maior.
E, falando tecnicamente, no futuro, os designers treinarão suas ferramentas de IA para resolver problemas criando modelos para se aproximar cada vez mais do que quiserem materializar.
INGRID: O design anda de mãos dadas com a criatividade. Para você, as ferramentas de IA generativa conseguem compreender alguns componentes essenciais do processo criativo no design, como a compreensão de emoção ou diferentes aspectos culturais? Como você vê a interação humano-máquina?
VITOR: O que eu penso é o seguinte: é muito fácil fazer uma imagem linda e impactante, porém AINDA é muito difícil fazer uma imagem específica, mesmo estudando prompt design/engineering e testando diversos modelos. Acredito que para chegarmos num nível próximo à criatividade humana ainda falta muito. Um desafio que estou enfrentando é criar imagens com referências brasileiras: os modelos, que usam bases LLM, só consideram Rio de Janeiro como Brasil, rs!. Esse que já era um problema com banco de imagens internacionais, como o iStock. Para tentar resolver isso, comecei a treinar um modelo com imagens brasileiras de norte a sul.
Em relação ao impacto no mundo artístico acho que a partir de agora, teremos um divisor de águas mais definido (ao contrário do que se pensa). A inteligência artificial é facilidade, velocidade, eficiência. A arte é o entendimento das emoções, o luxo da natureza, da realidade, é (o) SER humano – esse que terá ainda mais desejo e admiração pelo que não é IA.
Alguns artigos para leitura:
★ Digitalização e Gestão para Escritórios de Advocacia ★ Palestrante FENALAW ★ Consultor
1 aótima entrevista, abordou muitos pontos importantes sobre a IA na prática jurídica. Principalmente sobre as novas disciplinas trazidas pelo Direito 4.0 e suas tendências.. Eu não conhecia nenhum dos dois profissionais aqui da conversa, mas já vou começar a segui-los!
Billing, Collection & Formalization Manager | Mattos Filho | MBA Tax Management
1 aParabéns pelo conteúdo! Podemos acompanhar de perto como a IA está e ainda irá impactar todos os setores do mercado e a sociedade. Eu acredito que realmente surgirão novas profissões e algumas acabarão se tornando obsoletas, como já aconteceu em todas as fases da revolução industrial. Achei genial o nome do canal :)
Artificial Intelligence Auditor | 100 Brilliant Women in AI Ethics™ | Harvard Kennedy School | Stanford University | Tech Lawyer @ VLK
1 aObrigada pela troca, Vitor! Foi um bate papo sensacional. Animada para conferir os próximos dIAlogos!