Dicas do que fazer, por um desocupado.
Quando me vi nesta última segunda-feira fora do meu emprego full time, tive uma preocupação em preencher minha agenda da semana. Hábito ou necessidade de me sentir útil; logro de seriedade. Pensei então em criar uma lista de atividades. Não iria encarar uma total ociosidade, sem falsa modéstia. Primeiro, surgiram as atividades das necessidades mais básicas: uma vez que estou desocupado, vou cuidar da casa e obviamente, preciso procurar uma nova ocupação.
Neste ponto me detive ao perceber que estou desocupado, não desempregado. Explico: tenho um emprego de professor part time, duas vezes à noite por semana. Portanto, tecnicamente não estou desempregado. Porém, durante a maior parte do dia, estou um desocupado. Já nesta altura penso no que um novo emprego full time traria ocupação de talvez novamente voltar a não ter tempo para nada. Como este tempo ainda não chegou, decidi me dedicar entusiasticamente na ocupação do meu tempo, a ponto de já neste momento não ter mais tempo livre. Curioso o caso.
Curioso ainda o fato de me perceber feliz e criativo: um mar de possibilidades de ocupações está aberto. Falo de ocupações para o meu tempo, não de empregos. Vi que estava certo mesmo o Domenico de Masi com seu “ócio criativo”. Uma pena que tantos ambientes corporativos exijam a criatividade, o “pensar fora da caixa”, mas não ofereçam ócio para isso. Ócio mesmo, não apenas tempo. Ócio compreende despreocupação, ocupar-se da atividade sem medo, e descansado. Como se mais trabalho e pressão aumentasse a produtividade. Falácia. Mais interessante, perceber que tais possibilidades de ocupação para um desocupado, sejam elas do pensar, ou do fazer, trazem consigo um elixir de felicidade. Talvez pelo simples fato de não serem obrigações, mas escolhas livres desta ocupação do tempo. Se a hipótese é verdadeira, então as pessoas são mais felizes no trabalho voluntário do que no remunerado. Não vou me meter a validar esta hipótese, mas que também é um caso curioso, isso é.
Interessante que o próprio dicionário traz “desocupado” como aquele que não tem trabalho, que está ocioso, inativo. Sem trabalho, ok. Ocioso, também ok até eu ter minha lista de atividades pronta. Isto ainda com o ponto positivo já destacado que é do ócio que sai a criatividade. Agora, “inativo” não! Pera lá um pouquinho: eu me preocupei em encontrar atividades para meu tempo, estou usando o ócio para pensar, mesmo que seja em montar uma lista atividades. Ora, estou na ativa. Sugestão de melhoria para o dicionário.
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Enfim, neste ócio pensei que muitas outras pessoas, que talvez já estejam há mais tempo desocupadas, e não desde a última segunda-feira apenas, estejam precisando de uma lista pronta do que fazer. Se elas tiverem acesso à minha lista, podem pular a etapa do ócio e partir para ação! Não condenemos tais pessoas, são resquícios da formação corporativa: são orientados para ação. “Aqui o foco é no resultado”, “não quero saber como você vai fazer, mas preciso disso ainda hoje”. Não julguemos, portanto. Há ainda o célebre PDCA, sempre orientado à ação: “Põe e Depois Corre Atrás”. Para que planejamento da agenda da semana, não é? Estes cidadãos então podem se beneficiar da minha sugestão de lista. Segue abaixo:
Lista de atividades: ler as notícias do dia e ficar boquiaberto com os desgovernos, mas não perder o humor; limpar a casa enquanto pensa que quanto maior a responsabilidade, maior a pressão; melhorar o texto do seu currículo (acredite, a cada leitura surge algo para alterar); montar um diário do desocupado, reler o que fez pode ser divertido no futuro; ler um bom livro, sugestão: Saramago; assistir um bom filme, sugestão: Tarantino; cair a ficha de que você não tem obrigação de ir onde não se sente bem ou infeliz; ouvir inteira a 9ª sinfonia deitado no sofá; fazer um chá que você ainda não tomou, só cuidado se for ayahuasca; ouvir de novo a 9ª sinfonia, mas agora apenas o 4º movimento; disparar mensagens para velhos conhecidos, mas jamais falar que não teve tempo antes para isso; ligar para os velhos conhecidos que te responderam com animação a mensagem; lembrar do desgoverno que você leu nas notícias, cair na real de que pior do que está pode ficar ainda, mas novamente não perder o humor; pensar em fazer a barba mas não fazer; decidir não plantar uma árvore, seria muito clichê; plantar uma flor; lembrar do tempo que sua principal ocupação era cuidar de um bichinho virtual; fazer exercícios físicos, mas sem exagerar; assistir a uma entrevista do Pepe Mujica; ficar impressionado com a entrevista e imediatamente assisti-la de novo; perceber que sua casa poderia ser mais aberta apenas para poder ver melhor o céu; projetar a casa nova; lembrar da entrevista do Mujica e rasgar o projeto; tomar um bom banho, com a atenção integral ao banho, sem divagar os pensamentos; comer um pão com manteiga e ver que isso é uma das coisas mais deleitáveis que existem; pensar em fazer uma lista das coisas deleitáveis para poder fruir continuamente da sua vidinha; pensar em também fazer uma lista das coisas abomináveis, mas caramba, é muita lista, e o que não tem remédio, remediado está; deitar-se do outro lado da cama e dormir um sono profundo e sem sobressaltos.
Acaba que a lista ficou ótima; aplicação possível até para alguém ocupado. Logo, passa a ser uma lista feita por um desocupado, não para desocupados, mas sim para quem quiser usufruir. Desfrute.
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