Disk Vô.
Bodas de Prata de Papai e Mamãe em 2009

Disk Vô.

Meu avô era tipo um twitter do telefone. Ele tinha a informação (o furo!) antes de qualquer pessoa no mundo. Na época pré-smartphone, quando os celulares pareciam uns interfones, vovô já tinha uns 3 aparelhos. Até o fim da vida, ele tinha pelo menos 2 ou 3 números diferentes. Se você saía da casa dele, ele cronometrava o tempo da sua chegada em casa. Caso você não ligasse dentro do tempo por ele cronometrado, ele se comunicava COM A ONU! até que você desse sinal de vida. Foram muitas vezes que eu cheguei em casa, e a primeira coisa que fazia era ligar pra ele. O telefone tocava por 2 min uma música da Anitta ou da Ludmilla seguida de 3 Alôs.

Alô, Doutor?!

Não, Vô. Sou eu Natolinha. (era assim que me chamava)

Minha filha, apareceu "cardiologista" aqui no telefone.

Você deve ter salvo errado, Vô.

Liga pro outro número então. LIGA!

Vô, só pra dizer que eu cheguei e tá tudo bem.

Depois do "cheguei", ele já podia desligar a qualquer momento, inclusive, na sua cara (neste caso, NÓS do outro lado da linha que começávamos a ficar preocupados). Mas, em geral, era só o outro número paralelo tocando e ele PRE-CI-SA-VA atender.

Vovô certamente contribuiu para a expansão das telecomunicações no Brasil. A agenda de telefone dele tinha tudo! até profissões já quase extintas. Estofador, pintor, técnico de computador, frete, diarista, telefonista, cardiologista e uma longa lista. Se você precisasse de alguns desses serviços, bastava contratar meu avô pra ele mediar o serviço pra você.

Outro dia, eu precisei de uma pessoa pra fazer faxina às pressas em casa e ele conseguiu IMEDIATAMENTE.

Conseguiu, Vô?

Sim, negócio fechado com a Miriam.

Não era Solange?

OOOORA, minha filha, a Miriam é irmã da Solange. Você não lembra dela???!!!

Ele não só tinha o número de telefone dessas pessoas como ele conhecia todas essas pessoas AND AS FAMÍLIAS dessas pessoas. "Disk Vô" - o facilitador - que a sua vida ia mudar!

Vovô (assim como minha avó) tinha um perfil totalmente peculiar. Ele era o cara que perguntava o nome e sobrenome de todo mundo pra tentar fazer um "link" de árvore genealógica com a nossa família.

Bernardino de Souza? Eu acho que ele é primo do cunhado daquele meu tio-avó de Vassouras. Esse nome é familiar.

Vovô decorava e cantava os hinos de todas as nações. Ele gostava, em particular, da La Marseillaise, porque sempre cultivou, como um valor, o tripé da Revolução Francesa.

Ele queria comprar um castelo pra família, foi lá e comprou uma fazenda, no estilo de palacete rural. Queria que todos morassem próximos dele. Gostava de mesa farta e casa cheia, principalmente, de determinar ONDE cada um deveria sentar. Quando ele chegava na mesa de café da manhã, todos os cachorros dos apartamentos no rio ou da fazenda disputavam um espaço ao redor da cadeira, porque ele dividia o miolo do pão francês com manteiga ou o mamão com as lambidas dos bichinhos.

Vovô era um verdadeiro reduto de integridade, generosidade e alto senso de justiça. Honrou o Direito, mas foi como empresário que se destacou entre os grandes, porque ele tinha a habilidade de articular e conquistar qualquer um, de qualquer tipo ou personalidade. Querido entre jornaleiros, garçons e lojistas, gostava de acenar para todos com um chapéu e de andar cercado de muito gente.

Na penúltima temporada da minha peça, ele, com 90, foi me assistir no Solar de Botafogo. Fiquei aflita com essa confirmação de presença, porque ele não era, digamos, o perfil de espectador de um espetáculo inspirado em poesias eróticas femininas. Suei frio, morri de vergonha e subi no palco com vovô me aplaudindo.

Ao final, ele fez questão de cumprimentar o diretor, Pedro Nogh, porque achou o trabalho de "ALTO GABARITO E BELEZA POÉTICA", palavras dele.

A terceira temporada da peça só existiu por conta dele. Era incrível ouvir a percepção de um cara de quase 1 século imerso em um universo de questões progressistas do séc.XXI.

Foi MUITO apaixonado por Vovó. 60 anos de um amor tão incondicional que ele era o primeiro fã de suas obras de arte. O primeiro leitor de seus romances e o pra sempre entusiasta de todas as aspirações artísticas e literárias dela.

Os 2 anos e meio sem ela não quiseram mais se estender. Ele queria reencontrá-la, pra cantarem "Felicidade": música que compuseram juntos.

Felicidade sempre custa a chegar

Não vem com pressa e se interessa em demorar

Quando ela vem, toda a tristeza vai embora

Bota pra fora todo pranto do lugar...

Há 2 dias, a felicidade chegou pra ele em um reencontro eterno de Delio & Clair.

Por aqui, os 3 filhos, 5 netos, 1 bis e muitos, muitos amigos digerem a dor da sua ausência. Reconhecem a grandeza dos pequenos momentos vividos com ele e construídos dia a dia em 92 anos.

Do celular que não toca mais só ficou o silêncio. O mesmo da paz de quem soube amar.

Obrigada, Vô! por TANTO e por TUDO.

Viviane Stolk

MBA Gestão Empresarial, FGV

5 a

Que lindo Rê.... Disk VÔ está lindamente eternizado

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