Leve pro lado pessoal.
Foto: Tony Reid

Leve pro lado pessoal.

Já parou pra pensar quantas vezes, em situações de trabalho, você ouviu um: "Não leve pro lado pessoal?"

Hoje, eu enxergo essa frase como um frankstein do mercado. Até porque se a gente não questionar o clichê e a cartilha habitué do corporativo, estaremos, invariavelmente, fadados ao fracasso profissional.

Pode soar um tanto romântico afirmar que todas as nossas escolhas profissionais passam por uma avaliação estritamente pessoal. Ainda que sejam preponderantes os critérios acadêmicos, as habilidades, a projeção ou o salário em uma tomada de decisão de trabalho, dificilmente uma escolha é resultado de um fator só. Há uma mistura de ingredientes; e a ela atribuem-se também critérios pessoais, como os nossos valores, nossas bandeiras sócio-políticas e nossas crenças.

Ao fim de todo trimestre, a minha agência de comunicação - Artigos Comunica - envia relatórios para os clientes com os resultados conquistados no período. Há pouco tempo, eu fiz uma análise individual do meu desempenho como gestora na prestação do serviço, principalmente, porque há quase 4 meses, enveredei por um novo desafio e, por isso, não posso estar 100% à frente do negócio.

Concluí que as melhores performances (claro, considerem aqui o trabalho de uma equipe e não só minha) estavam diretamente relacionadas aos clientes com os quais eu tinha um envolvimento PESSOAL com o negócio. Aqueles cases que a gente acredita TANTO, que a gente quer pulverizar o produto em todas frentes, na certeza de que ele pode solucionar o problema das pessoas e impactar de forma positiva a sociedade.

Minha análise, então, foi o ponto de partida para escrever esse artigo. Mais que isso: desdobrou-se em novas questões.

Ora, negócios são produto de uma necessidade das pessoas. Empresas são feitas por pessoas. Ideias são criadas por pessoas. Por que insistimos em justificar uma insatisfação profissional, um erro aqui e outro ali, com um: "não leve pro pessoal"? Leve sim! Só com uma dose passional nos processos de trabalho que os resultados podem, de fato, surpreender.

Para corroborar com essa linha de raciocínio, eu rememorei algumas fases da minha trajetória profissional e lembrei de quando estava recém-formada, trabalhando em dois lugares ao mesmo tempo. Um deles, como trainee, no departamento de comunicação de uma rede grande de colégios. O outro era um restaurante high society no leblon. Ao fim de quase 06 meses nessa dupla jornada, e com forte insistência dos meus pais, eu tive que escolher um deles. Minha escolha pesou por um critério pessoal.

Na rede de colégios, eu estava totalmente dentro da minha área de formação, mas eu não me enxergava trabalhando nesse segmento de ensino e educação. No dia em que eu pedi demissão, nunca vou esquecer como a gerente de RH segurava o choro enquanto eu falava, porque eu também estava comovida por dar fim a um ciclo que ainda poderia se estender. Ao final e aos prantos, eu abracei a gerente e instiguei-a: "mas chora também, ué!". Ela, nitidamente entregue, respondeu que era exatamente por esse posicionamento questionador, que tira a gente do lugar, o motivo dela estar chorando por me perder. Eu saí mais confiante e segui a vida no trabalho como hostess do restaurante. Papai arregalou os olhos verdes, densos e contrariados: "mas você não está na sua área de formação e esse trabalho não é pra você".

Acontece que a minha experiência no restaurante me possibilitava lidar o tempo todo com o público, coisa que eu sempre AMEI fazer, por conta do teatro. Isso preenche um lugar de paixão e emoção, que papai só foi entender depois.

Com 6 meses de Casa, meu gerente foi demitido e eu acabei ocupando esse lugar. Além de aperfeiçoar meu inglês e espanhol (eram frequentes os clientes internacionais), o trabalho no restaurante trouxe o maior aprendizado da minha vida: a gestão de pessoas. Pessoas com realidades e vivências muito discrepantes de quem nasceu na classe média alta da zona sul do Rio.

Recordei também de alguns leads e clientes que já passaram pela minha agência. Há alguns anos, deixamos de fechar contrato com uma empresa cujo CEO apresentava um discurso machista; também já rescindimos contrato com clientes que buscavam um posicionamento no mercado considerado anti-ético por mim e minha sócia. Tendo em vista que os valores éticos e a conduta de vida são construídos por um repertório que começa na infância, fica evidente que as duas decisões acima descritas, apesar de estarem inseridas em uma situação profissional, foram totalmente pessoais.

Depois de assistir ao documentário da Anitta na Netflix, o que fica muito transparente na tela é a construção de marca que a cantora lapidou com seu nome. Os hypados do marketing nomeiam como "branding pessoal". E é.

Essa construção segue, desde o início da carreira dela, uma linha de conceitos que estão nas letras das músicas, nas roupas, no posicionamento e, principalmente, na VIDA da Anitta: uma mulher dona de si. É praticamente impossível criar uma marca pessoal forte sem que as premissas básicas estejam conectadas com os valores da pessoa, a protagonista do discurso.

Eu imagino que você deve estar questionando o porquê de eu levantar esse tema assim tão "pessoal" em uma era de inovação em que as nossas ações mais cotidianas resumem-se a um: "Hi, Alexa". Só que nunca pareceu tão oportuno falar de pessoas nesse tempo contemporâneo. Não à toa é crescente a multiplicação de coachs, que provocam nas pessoas a busca pelo tal do "propósito" no trabalho. Onde estava esse propósito antes? Renegado por um mercado corporativo que acredita que levar pro pessoal é não ser profissional. Há de se relativizar e de se analisar caso a caso.

Mundo, mundo, vasto mundo. Se você não fosse realmente você, o que seria?

As maiores possibilidades de inovação são todas resultado de peopleware: o melhor neologismo pra definir o assunto em pauta.

É GENTE pensando. É GENTE cruzando dados. É GENTE criando, porque a criatividade continua sendo um atributo essencialmente humano e uma habilidade eternamente valiosa. Portanto, observar a maneira como as pessoas lidam com as adversidades do trabalho é analisar PESSOAS.

Como não ser pessoal?





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