DISTRATOS IMOBILIÁRIOS
Há aproximadamente uma década o mercado imobiliário viu um grande crescimento. Com a facilitação do crédito e a alta demanda por moradia, as construtoras investiram pesado no lançamento de empreendimentos imobiliários.
Nesta modalidade de compra e venda a vendedora promete a entrega de um imóvel que ainda está por ser construído ao comprador.
Este estilo de negócio jurídico tem alguns benefícios e o principal deles é a facilidade no pagamento, tendo em vista que há um prazo para a entrega do imóvel. Para quem não tem o dinheiro da entrada é a chance ideal para adquirir seu imóvel próprio, pois permite um planejamento financeiro por parte do comprador.
Porém, nos últimos anos tivemos alguns episódios que fizeram com que muitos compradores tivessem que cancelar a compra.
Basicamente são três hipóteses que causam o distrato da compra e venda:
a) atraso na entrega a obra;
b) inadimplemento contratual pelo comprador e
c) desistência.
No decorrer dos anos, principalmente pelo cenário econômico e político do país, muitas construtoras não conseguiram honrar o prazo pré estabelecido para entrega das obras, causando descontentamento e prejuízos aos compradores, que adquiriram o imóvel e se planejaram pessoalmente e financeiramente para receber o bem na data prometida.
Também por conta do grande índice de demissões que tivemos nos últimos anos, a ocorrência de inadimplemento e impossibilidade de continuidade do contrato gerou para as construtoras e incorporadoras graves prejuízos, pois o volume de entrada de dinheiro durante a obra esperado não ocorreu, obrigando a contratação de empréstimos bancários que fizeram por onerar o custo da obra.
Além disso, em algumas regiões, o preço dos imóveis sofreu queda acabando por tornar o imóvel mais barato na data da entrega do que na data da compra, e esse fato levou muitos consumidores a pedirem o cancelamento da venda.
Ocorre que na legislação atual não há disciplina específica que regule os distratos imobiliários. Há o regulamento do Código Civil e do Código do Consumidor.
As construtoras e incorporadoras prevem em seus contratos hipóteses de distrato por inadimplemento contratual do comprador, mas normalmente não há nenhuma cláusula que estipule consequências para o caso de descumprimento do contrato por parte da vendedora. Além disso, os contratos de promessa de compra e venda são celebrados com cláusula de irrevogabilidade e irretratabilidade.
Diante destas situações, muitas ações foram ajuizadas e a questão do distrato da promessa de compra e venda de unidades em lançamento teve que ser analisada pelo Poder Judiciário.
SOLUÇÕES JURISPRUDENCIAIS ATUAIS:
Atualmente o posicionamento majoritário da jurisprudência tem entendido que:
ATRASO NA ENTREGA DA OBRA:
O prazo de 180 dias de prorrogação não gera multa ou dá motivo para rescisão contratual, tratando se prazo de tolerância se isso estiver expressamente pactuado no contrato.
Após decorridos 180 dias a vendedora tem que indenizar o comprador, e atualmente o valor da condenação tem sido de 0,5% sobre o valor do imóvel, por mês de atraso, até a efetiva entrega (chamado aluguel-pena).
Caso o comprador opte pela resolução do contrato tem direito de reaver todo o valor que pagou, atualizado e em uma única parcela (súmulas 1 e 2 do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo), mais o aluguel-pena até o efetivo pagamento.
A questão que está pendente de julgamento no STJ - Superior Tribunal de Justiça (recurso repetitivo 971) trata da possibilidade ou não da aplicação da multa contratual prevista pela construtora para o inadimplemento do comprador em face da própria construtora (inversão da multa).
COMPRADOR INADIMPLENTE
Com relação ao inadimplemento contratual por parte dos compradores, a Justiça entende que é possível ao comprador inadimplente requerer o cancelamento do contrato. Nestes casos, costuma ser aplicada uma multa ao comprador que varia de 10% a 30% sobre o valor que ele pagou, a fim de ressarcir os prejuízos causados à vendedora.
DESISTÊNCIA
Para os casos em que o comprador está cumprindo o contrato regiamente mas não tem mais interesse em manter a compra, por exemplo, por causa da desvalorização do preço da unidade, o entendimento é de que é possível o pedido de distrato mediante o pagamento da mesma multa compensatória que se tem aplicado aos casos dos compradores inadimplentes.
SOLUÇÕES DO PROJETO DE LEI 1220/2015
Diante do grande impacto que os distratos ocasionam no mercado imobiliário surgiu a necessidade de se regulamentar esta situação, e para tanto, foi elaborado um Projeto de Lei n.1220/2015) que encontra-se em votação no Congresso Nacional.
O texto, que já foi aprovado na Câmara dos Deputados, e aguarda votação do Senado, prevê o que segue:
ATRASO NA OBRA
- mantém o prazo de 180 de carência sem dever de indenização.
- após o prazo de 180 dias a construtora deve devolver integralmente o valor pago dentro de 60 dias.
- a multa será a estabelecida pela própria vendedora no contrato
- se resolver manter o contrato de compra e venda, o aluguel-pena será de 1% sobre o valor pago pelo comprador até o momento.
INADIMPLEMENTO DO COMPRADOR
- Multa de 25% sobre o valor pago pelo comprador
- A construtora tem prazo de 180 dias contados da resolução contratual para efetuar o pagamento.
- Se a incorporação tiver Patrimônio de Afetação (o que é de praxe) a multa para o comprador será de 50% sobre o valor pago e o prazo para a vendedora devolver o dinheiro será de 30 dias a contar do "habite-se" ou da revenda do imóvel, o que acontecer primeiro.
- Além dos 50% de multa ainda devem ser retidos valores de comissão de corretagem (caso a construtora tenha pago), impostos que incidiram sobre o imóvel, condomínios, aluguel pelo período de ocupação (pelo valor estabelecido no contrato) e outros encargos que forem comprovados (ex. PIS, COFINS).
DESISTÊNCIA
Não há a possibilidade de desistência do comprador que não está inadimplente. O que ele pode fazer é revender a unidade a terceiro. Não há direito de arrependimento nos contratos celebrados com cláusula de irrevogabilidade e irretratabilidade, exceto nos 7 dias seguintes ao da compra, conforme prevê o Código do Consumidor. Além disso haverá a possibilidade de acordo entre as partes.
Se o contrato for garantido por alienação fiduciária, a resolução do contrato será nos termos previstos na legislação aplicável.
É de suma importância que se estabeleçam as regras a serem aplicadas aos distratos imobiliários e, em minha opinião, algumas questões do Projeto de Lei deveriam ser reanalisadas pelo Senado, por exemplo, para amenizar as consequências no caso do comprador inadimplente a fim adequar esta lei aos termos do Código do Consumidor.
Taís Silveira Rodrigues do Amaral (Advogada pós-graduada em Direito Imobiliário pela EPD – Escola Paulista de Direito / Diretora do Departamento Jurídico da Franco Consultoria de Imóveis)