Do imediatismo contemporâneo e das pausas necessárias
Antonio Canova, 'Le Grazie'.

Do imediatismo contemporâneo e das pausas necessárias


Nas últimas quatro semanas, dediquei-me a um novo trabalho e também a uma tarefa muito necessária: a contemplação. Creio que para escrever, criar ou traçar um plano, seja qual for, é preciso pausas. E contemplação. Por isso, permaneci longe das redes, longe do burburinho incessante de informações, da loucura do imediatismo reinante. Deixei de me informar e de estar conectada? Claro que não, pois além do meu trabalho ter relação direta com a informação, é impossível nos desligarmos total e radicalmente da realidade. Entretanto, o simples fato de não ter entrado nas redes, de ter saído da dimensão acelerada da virtualidade propiciou-me momentos de silêncio e contemplação. E posso dizer que esse exercício me fez muito bem.

O mundo hoje é muito cruel [e o ciberespaço idem]. E o é em vão: o exercício da imediaticidade acelerada viola a personalidade e a capacidade de concentração, foco, contemplação e não tem nenhum fim determinado. Até no que se pode chamar de arte, hoje, há esse vácuo de crueldade absolutamente gratuito, que impõe um ritmo alucinado de criações que nascem e morrem instantaneamente. Há dias em que eu me sinto submersa, náufraga, em outros sinto-me soterrada pelo excesso. Acredito ser necessário lutar contra esse sentimento se eu quiser realmente criar algo, fazer alguma coisa com o que penso, sinto, desejo. Ou seja, é preciso parar.

Além da minha necessidade de trabalho, de partilhar o que sei, de dedicar-me a uma tarefa, o que eu mais desejo é viver, reencontrar minha tranquilidade, minha capacidade de observar. E como gosto de escrever e ler, a tranquilidade me é necessária. Penso muito sobre as coisas que me interessam. As artes me interessam. A beleza me interessa. O pensamento me interessa. Para qualquer uma dessas atividades, necessito de tranquilidade, de contemplação, de silêncio. Saber o quanto a arte está corrompida de seu valor real exatamente por causa dessa aceleração imposta pelo mercado, muitas vezes me faz buscar a sua linguagem verdadeira, ou pelo menos acessá-la a partir dos velhos livros, da busca pelo que é belo, seja na literatura, no cinema, nas artes plásticas, na fotografia etc. Essa busca da beleza e da arte é constante em minha vida, não sei ser de outra forma, sempre busco assimilar e integrar seus conceitos e sua evolução: necessito devorá-la, senti-la, compreendê-la. E, novamente, creio ser impossível esse exercício se eu estiver conectada todo o tempo nas tais redes sociais.

Li em algum lugar [e não me lembro onde] que "a função do artista é – mais do que nunca – encontrar uma nova linguagem, que possa restabelecer a comunicação e vencer a alienação reinante". Em nossa sociedade, tão carente de riquezas intelectuais, é necessário encontrar elementos de compreensão do momento, das relações humanas [e da própria civilização, em seu estágio atual] para mergulhar na realidade e repensá-la numa nova estética, elevando-a a uma posição essencial. Mas, para isso, é preciso antes mergulhar em si mesmo. É preciso ser capaz de se voltar para dentro de si e ouvir o seu barulho e seu silêncio. E, de novo, para mergulhar em si é preciso tempo, silêncio e contemplação. Quando reflito sobre isso, acredito que hoje [mais do que nunca] é preciso tentar vencer o ritmo alucinado de informações, pois ele é nefasto e impede esse mergulho necessário ao artista.

Para criar é preciso ver o interior das coisas e compreendê-lo: sair das restrições impostas pelo imediatismo. E como criar nesse espaço fragmentário e imediatista que é a vida contemporânea? Principalmente se todas as pessoas estão nesse torvelinho e parecem gostar disso? Como acessar as outras pessoas em seus casulos? Na verdade ainda não descobri o caminho das pedras, mas se vivemos a cultura urbana, a cultura de nossos dias, em que tudo se tornou descartável, é necessário também repensar o cotidiano e tudo o mais em relação à cultura do passado, a cultura tradicional, a forma como essa cultura se concretizava no tempo [já que o tempo era menos acelerado, menos fragmentário, menos alucinado] e tentar resgatar o tempo do pensar dentro do turbilhão reinante.

Para criar sem cair no imediatismo inócuo e que se consome à medida que traz o novo (que na verdade é o ‘novovelho’ travestido de necessidade de consumo) é preciso se jogar na realidade e saber que cada ser humano sente essa realidade a partir de uma escala de valores [a sua], e que todos estão imersos nessa máquina acelerada de consumo. É preciso buscar os elos, os elementos que restituam uma compreensão dessa realidade, mesmo com a velocidade das mudanças, mas sem a ditadura artificial de que é preciso que tudo venha nesse ritmo absurdo.

Eu desejo arte. Eu desejo beleza. Eu desejo aprender. E para isso eu preciso desacelerar. Para mim, arte é consciência, é contramovimento, é emoção, é vida. É sentimento e pensamento. E nada disso pode acontecer se passar voando e desaparecer numa timeline qualquer. É preciso parar, ver e penetrar em sua essência. Tanto para vivê-la quanto para criá-la.

[Mesmo a vida necessita de pausas, para, no fim, morrer.]




Francisco Frazão Neves

Licenciatura Plena em Língua, Literatura brasileira e portuguêsa

5 a

Quando paramos de rever os nossos álbuns de fotografias amareladas, substituídas pelas selfies, ficou provado que os sentimentos e a saudade já não existem, não há tempo para tal... o mediatismo passou a condição de ópio, causando irreversíveis danos ao pensamento criativo...

FABIO S.

Desenvolvedor Salesforce

6 a

Excelente artigo. Tenho, há muito tempo, observado o comportamento das pessoas do meio que eu vivo. Fico triste com o desligamento da realidade e a maioria das pessoas nem percebem. Na história de Israel, Deus instituiu os shabbats, no Brasil chamamos de feriados. Eram períodos de dias para pausa do trabalho, da rotina constante, para meditação, reunião da família, adoração e louvor a Deus. Renovação do corpo, mente e espírito. Parabéns pelo artigo.

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