No doar, onde mora a liberdade?
Estava a ouvir uma conversa, em formato de podcast, que se aventurava a desvendar a ideia de liberdade. "Existe liberdade sem que exista alguém que se sinta livre? Ser livre é poder fazer o que se quer?" formavam as perguntas-guia. Envolta pela conversa, caminhava e refletia sobre as interseções entre liberdade e doar. Quase tudo vira, em mim, uma reflexão sobre doar.
No doar, me perguntei, onde mora a liberdade? E se ela muda de lugar, o que muda?
O impulso que se forma dentro de um individuo e que se transforma em uma doação, nasce de um lugar de liberdade? Esta já é uma grande questão, daria para ficar só nela. Percebo já que fiz doações que me pareceram nascidas menos da minha liberdade e mais da minha percepção de algo que eu ‘tinha que fazer’. Acho que as que mais me dão prazer (sim, doar dá prazer e não é pecado) vem sim de um lugar de liberdade. A mais recente virou quase o dobro da hora que eu conversei com a pessoa até a hora que eu apertei o botão para enviar o dinheiro. Sorriso no rosto, coração quentinho... Sei que este dinheiro vai beneficiar pessoas, um lugar, uma prática, o mundo. Este, para mim, é um lugar de liberdade. Um lugar que me conecta a algo maior e mais importante do que o dinheiro, do que eu mesma. Me sinto parte de algo que quero ver florescer no mundo.
Recomendados pelo LinkedIn
Da intenção passamos para o ato de doar em si que, como previsto em lei, é uma liberdade. Certo? Em outras palavras, não há lei que obrigue a doar. Já o processo de doação, ou a forma como ela é feita, é que dá notícia sobre o que aconteceu com a liberdade. Se ela fica com o doador, o processo de doação é carregado com sua visão de mundo, sua ideia de ‘certo ou errado’, normalmente em forma de restrições de uso dos recursos. Se o processo de doação é sem restrições, como por exemplo nas doações mensais e recorrentes feitas por indivíduos, a liberdade pega carona na doação e muda para a casa de quem recebe os recursos, que passa a decidir sobre seu uso. Há também a guarda compartilhada da liberdade, quando doador e donatário decidem, juntos, onde os recursos serão usados.
Mas a liberdade, por mais importante e almejada que seja para um indivíduo ou uma sociedade, não faz parte da narrativa predominante sobre doar... Em outras palavras, é plenamente possível ser um doador reconhecido e admirado sem que a liberdade tenha sido parte da conversa ao mesmo tempo que a liberdade da doação mensal recorrente, que caminha junto com a doação até o donatário, também não é mais valorizada por ser livre. Falamos em doações grandes ou pequenas, mas não falamos em doações com ou sem liberdade. É possível proteger o meio ambiente sem abrir mão da liberdade. É possível erradicar doenças sem abrir mão da liberdade. É possível melhorar o IDEB de uma região sem abrir mão da liberdade.
E isso me preocupa.