Reflexões: desenvolvimento institucional a partir da escuta do "O que será de nós?"
Foto: Joana Mortari

Reflexões: desenvolvimento institucional a partir da escuta do "O que será de nós?"

Esta escrita parte da escuta do segundo episódio do podcast O que será de nós?. A boa conversa se desenrola a partir das perguntas: mas o que é, de fato, apoiar desenvolvimento institucional? O que estamos fazendo com ele? Quais as diferenças entre discurso e prática? E qual sua importância para o campo? 

Sinto o calor gostoso que me acontece ao ouvir reflexões aprofundadas sobre o doar, ao ver o fio de desenvolvimento do próprio podcast, em seu segundo episódio, fruto de conversas e reflexões da rede de aprendizagem das organizações apoiadas pelo Instituto ACP. Porque conheço as pessoas, percebo o que foi aprisionado pelo script e um sorriso se forma em meus lábios quando imagino a potência nele contida transbordar o planejado. A maior riqueza do ser humano é a sua incompletude, dizia Manuel de Barros.

Me lembro que as bordas dos scrips também dão contorno ao caminho da organização social que passa por um processo de desenvolvimento institucional escolhido e financiado por terceiros.  Que dependendo de como é pensado, construído e implementado, o processo pode ser um libertador do potencial intrínseco de cada ser social, liderança ou organização, ou uma pregação conformadora de uma forma específica de ver o mundo, um mindset.

Ao ouvir o podcast me lembrei de uma conversa entusiasmada sobre a forma de atuar no setor social que aconteceu recentemente no Movimento por uma Cultura de Doação, onde uma organização, grande e famosa, foi questionada sobre a forma como mobiliza e sua seus recursos, na casa dos milhões de reais. Uma série de diferentes incomodos apareceram, como por exemplo se devemos ou não criticar uns aos outros e o efeito disso na sociedade, se podemos captar recursos emergenciais e, depois, guardar e utilizar aos poucos, se é certo ficar com uma porcentagem do valor mobilizado. 

O que não foi conversado, passou quase despercebido, salvo um comentário ou outro, é que esta é uma organização social que funciona a partir da égide da lógica de funcionamento do mercado de capitais. Algo celebrado dentro e fora da organização, por seus parceiros apoiadores. Sua liderança, aberta e orgulhosamente conta que seu percurso de sucesso contou com beber na mesma fonte de conhecimento de grandes (em riqueza) empresários brasileiros. Reconhecido, por muitos, como sinal de ser bom e sucesso, creio nem ser preciso chamar Carl Jung à conversa para explicar o espelhamento. Talvez mais importante seja lembrarmos da ideia, atribuída a Einstein, de que nunca iremos resolver de fato problemas se funcionamos na mesma lógica que os criaram. E neste caso não é porque a forma de captar ou prestar contas fica ineficiente, porque não fica, mas porque estamos replicando o exato comportamento que precisamos, como humanidade, superar.

O difícil, ao olhar para estes casos, e a organização objeto da conversa não é a única, é enxergar para além da eficácia e eficiência do que é feito. Minha sensação, ao acompanhar a conversa no grupo do Movimento, foi de que há um ranço em relação ao que a organização representa, mais do que ao que ela faz, que ficou submerso na discussão mas foi sentido pela inteligência do coração (sensing, como descreveria Otto Scharmer). Acostumados a buscar nossos porquês na razão, desdobram-se conversas que não me pareceram ser bem o centro do incômodo e gerando polêmica, porque para cada expressão desengonçada do incômodo tem gente que concorda ou discorda.

Mas porque juntei estas duas conversas? Porque quando o doar para o do desenvolvimento institucional carrega em si a visão de mundo do doador como verdade incontestável, os consultores e as ferramentas escolhidas também estarão alinhadas e, do outro lado, teremos organizações sociais que passarão a acreditar que estão no caminho certo e a funcionar como tal. Contestar este lugar tão assentado pelo pensamento moderno é um desafio que pode ser facilmente ignorado.

Quando o doador, por outro lado, tem consciência sobre do papel da sociedade civil como diferente e complementar ao do setor privado, e reconhece que para cumprir plenamente este papel precisa reconhecer princípios e formas de fazer distintas das que talvez carregue consigo, como no desenrolar da conversa do podcast, é que o resultado pode ser diferente e extremamente libertador. O podcast, em si, me parece ser a expressão desta liberdade criativa que carrega o potencial de, a partir da reflexão pública, fomentar mudanças sensíveis no setor social. 





maria adelina di mare salles

Profissional independente de Gestão de organizações sem fins lucrativos

1y

Parabéns Joana! Obrigada pela oportuna reflexão.

Andreia Schroeder

Corporate & Institutional Partnerships Manager at Plan International Brasil

1y

Gostei muito da reflexão Joana. O impacto será mais potente sempre que fizermos com mais consciência do que somos e do que queremos fazer. Obrigada! Joana Ribeiro Mortari

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