Reflexões: desenvolvimento institucional a partir da escuta do "O que será de nós?"
Esta escrita parte da escuta do segundo episódio do podcast O que será de nós?. A boa conversa se desenrola a partir das perguntas: mas o que é, de fato, apoiar desenvolvimento institucional? O que estamos fazendo com ele? Quais as diferenças entre discurso e prática? E qual sua importância para o campo?
Sinto o calor gostoso que me acontece ao ouvir reflexões aprofundadas sobre o doar, ao ver o fio de desenvolvimento do próprio podcast, em seu segundo episódio, fruto de conversas e reflexões da rede de aprendizagem das organizações apoiadas pelo Instituto ACP. Porque conheço as pessoas, percebo o que foi aprisionado pelo script e um sorriso se forma em meus lábios quando imagino a potência nele contida transbordar o planejado. A maior riqueza do ser humano é a sua incompletude, dizia Manuel de Barros.
Me lembro que as bordas dos scrips também dão contorno ao caminho da organização social que passa por um processo de desenvolvimento institucional escolhido e financiado por terceiros. Que dependendo de como é pensado, construído e implementado, o processo pode ser um libertador do potencial intrínseco de cada ser social, liderança ou organização, ou uma pregação conformadora de uma forma específica de ver o mundo, um mindset.
Ao ouvir o podcast me lembrei de uma conversa entusiasmada sobre a forma de atuar no setor social que aconteceu recentemente no Movimento por uma Cultura de Doação, onde uma organização, grande e famosa, foi questionada sobre a forma como mobiliza e sua seus recursos, na casa dos milhões de reais. Uma série de diferentes incomodos apareceram, como por exemplo se devemos ou não criticar uns aos outros e o efeito disso na sociedade, se podemos captar recursos emergenciais e, depois, guardar e utilizar aos poucos, se é certo ficar com uma porcentagem do valor mobilizado.
O que não foi conversado, passou quase despercebido, salvo um comentário ou outro, é que esta é uma organização social que funciona a partir da égide da lógica de funcionamento do mercado de capitais. Algo celebrado dentro e fora da organização, por seus parceiros apoiadores. Sua liderança, aberta e orgulhosamente conta que seu percurso de sucesso contou com beber na mesma fonte de conhecimento de grandes (em riqueza) empresários brasileiros. Reconhecido, por muitos, como sinal de ser bom e sucesso, creio nem ser preciso chamar Carl Jung à conversa para explicar o espelhamento. Talvez mais importante seja lembrarmos da ideia, atribuída a Einstein, de que nunca iremos resolver de fato problemas se funcionamos na mesma lógica que os criaram. E neste caso não é porque a forma de captar ou prestar contas fica ineficiente, porque não fica, mas porque estamos replicando o exato comportamento que precisamos, como humanidade, superar.
O difícil, ao olhar para estes casos, e a organização objeto da conversa não é a única, é enxergar para além da eficácia e eficiência do que é feito. Minha sensação, ao acompanhar a conversa no grupo do Movimento, foi de que há um ranço em relação ao que a organização representa, mais do que ao que ela faz, que ficou submerso na discussão mas foi sentido pela inteligência do coração (sensing, como descreveria Otto Scharmer). Acostumados a buscar nossos porquês na razão, desdobram-se conversas que não me pareceram ser bem o centro do incômodo e gerando polêmica, porque para cada expressão desengonçada do incômodo tem gente que concorda ou discorda.
Mas porque juntei estas duas conversas? Porque quando o doar para o do desenvolvimento institucional carrega em si a visão de mundo do doador como verdade incontestável, os consultores e as ferramentas escolhidas também estarão alinhadas e, do outro lado, teremos organizações sociais que passarão a acreditar que estão no caminho certo e a funcionar como tal. Contestar este lugar tão assentado pelo pensamento moderno é um desafio que pode ser facilmente ignorado.
Quando o doador, por outro lado, tem consciência sobre do papel da sociedade civil como diferente e complementar ao do setor privado, e reconhece que para cumprir plenamente este papel precisa reconhecer princípios e formas de fazer distintas das que talvez carregue consigo, como no desenrolar da conversa do podcast, é que o resultado pode ser diferente e extremamente libertador. O podcast, em si, me parece ser a expressão desta liberdade criativa que carrega o potencial de, a partir da reflexão pública, fomentar mudanças sensíveis no setor social.
Profissional independente de Gestão de organizações sem fins lucrativos
1yParabéns Joana! Obrigada pela oportuna reflexão.
Corporate & Institutional Partnerships Manager at Plan International Brasil
1yGostei muito da reflexão Joana. O impacto será mais potente sempre que fizermos com mais consciência do que somos e do que queremos fazer. Obrigada! Joana Ribeiro Mortari