Doce de Leite

Doce de Leite

O DOCE DE LEITE

 

 Comprei um doce de leite, em pedaços, pra minha filha Daniela, como pediu. Não sei se será um deleite, pois doce a gente come quando está tudo bem.

E aí eu fico me perguntando: será que minha filhinha tem algum momento de “ tudo bem comigo”?

Será que doce a gente come também quando “não está tudo bem”? Na tristeza dele se esquece?

 

Um gosto, um pedido dela – a Daniela – fica pouco na minha lista de espera. E espera pouco porque tenho medo da brabeza dela. E o remédio pra brabeza dela é o doce de leite. Em pedaços.

Corro a comprar logo, pois o tempo impiedoso depressa se esvai, deixando o corpo mais lento nas pernas cansadas do pai.

 

O tempo já não é como antigamente – no meu tempo. Que passava lento, como uma leve brisa do vento. Três anos de hoje cabiam dentro de um ano daquele tempo.

 

Agora, o futuro já é presente, já é passado. Passa na velocidade do vento que não é brisa, mas vento apressado... Todos têm pressa, tudo tem pressa. Até o vento. Até o Tempo. Não dá tempo para o silêncio fazer-se ouvir – tornar-se voz...

 

O hoje é só o agora, neste instante que já passou – para rir, para dizer que ama, para esquecer que já chorou, para saber que não precisa mais chorar, para construir, para cansar na cama...

O hoje é o agora para dizer a quem amamos o quanto lhe amamos, antes que o próximo Sol chegue, e nos encontre sem palavras, sem olhar, sem vida na coragem e no coração. Sem vontade de comer um doce de leite. Em pedaços.

 

A hora é agora de comprar o doce de leite, antes que o Sol chegue, e me encontre inerte, sem comprar o doce de leite, em pedaços, - doce deleite da minha filha Dani-, doce enfeite no pote de vidro, para os momentos doces de nossas almas

...em pedaços.


Ulysses Costa

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