Dormindo com o inimigo!

Dormindo com o inimigo!

Estes últimos meses têm sido profícuos em fornecer temas para debate. Num mundo que de repente se tornou mais digital, as conversas de café, as tertúlias, os encontros entre amigos, foram substituídos por web qualquer coisa, num qualquer formato, desde as conversas escutadas por milhares no formato de webinar, passando pelo grupo restrito de convidados para dar a sua opinião sobre “esta situação que parou mundo”, até ao texto que um qualquer frequentador, mais ou menos assíduo, das “redes” decidiu publicar.

Relativamente aos temas a debate, não me apeteceu falar de Covid 19 e Corona vírus; Não me apeteceu falar de economia, das medidas de apoio ou das medidas de retoma; também não me apeteceu falar de comportamentos, dos mais confinadores aos mais dispersores de seres invisíveis, “que estão em todo o lado”; não me apetece falar de racismo, ou abuso de autoridade, ou xenofobia, ou destruição de estátuas que têm permitido os mais eruditos discursos históricos e atestados de idiotice a quem publica o que sabe ou pensa que sabe.

Mas acabei falando um pouco sobre cada um destes temas. É a inevitabilidade da Globalização Temática.

Porquê? Porque tenho dormido com o inimigo! Discute-se na arte da guerra como nos devemos posicionar face aos nossos inimigos. São fortes os argumentos para os mantermos por perto. Numa perspectiva estratégica até posso concordar. Numa óptica de gestão do ócio é muito cansativo. O permanente estado de vigília é, no mínimo, desconfortável.

Não temos como fugir ao “antes da pandemia”, “durante a pandemia”, “pós pandemia”, nas mais diversas análises e planos de acção. Os meus estão estrategicamente feitos e prontos para o “Novo Normal”.

Por outro lado, diz-se, com uma esperança redobrada de que tudo irá ficar como dantes. Este é um inimigo com quem durmo: não podemos ficar como dantes porque o dantes acabou. E preparamos o Novo Agora.  

Mas apetece-me falar sobre os inimigos com quem durmo recorrentemente. E recordo como estava esquecido de uma realidade que prevalece independentemente das mais agrestes estirpes virais. Trata-se da forma como o Homem trata o Homem e que, apesar das mudanças ao longo dos séculos parece nunca mudar.

Conheci as dificuldades da interioridade do nosso país, quando o tema de seca devolveu a fome ao meu Alentejo. Que não é um local onde as pessoas vivem em montes e os montes são dos que têm tudo para “fugir ao fim de semana”. São homens e mulheres de carácter e orgulho fortes.

Lidei com a felicidade das pessoas que precisam de nós por não serem capazes de ser autónomas e ganhei o estatuto de “voluntário”.  

Verti lágrimas ao ver e ouvir aquelas crianças Sírias que, a brincar na minha casa, alternavam gritos de alegria com o silêncio repentino causado pelo ruído de um avião.

Lido com quem chora ou se chora por não saber dar valor ao que tem, de ser respeitada a sua dignidade, de não ser um mero peão num qualquer tabuleiro.

Agora, acompanho de muito perto o movimento “George Floyd”, privando com um americano, dos que acham que os homens são todos iguais e olha para tudo isto com um ar desolado, não por ser americano, mas por ser apenas Humano.

Assalta-me de novo pergunta que sempre faço e para a qual ainda não tenho resposta: Como podem as pessoas ser tão más para as pessoas?

E são estes os inimigos com quem me deito todas as noites e de quem gostaria de não falar.  


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