E amanhã, também é dia do Professor?
Você consegue se lembrar das professoras e professores que mais te marcaram ao longo da sua jornada escolar? E no lugar que você se encontra hoje, algum profissional foi determinante para refletir sobre qual trajetória poderia seguir na vida?
Não consigo lembrar de todos os professores e professoras com quem tive a oportunidade de estudar. Mas a gente acaba recordando daquelas que tiveram uma fala aqui ou ali positivas ou porque nos tocaram em algum momento com a qualidade de sua aula. Em alguns casos, alguns docentes nos marcam porque construíram outros caminhos para que a gente compreendesse com maior clareza determinado conteúdo ou porque foram simplesmente humanos na mediação de conflitos pessoais/familiares.
O professor carrega sobre si uma característica que parece ser muito peculiar da profissão: ser técnico do ponto de vista do domínio sobre o que se faz em sala de aula e a partir dela e sua franca dedicação ao exercício profissional. E parece que exatamente este cenário leva muitas pessoas a encarar a atuação docente como algo vocacionado e missionário. Importante considerar que no DNA da educação brasileira estão as ações dos padres jesuítas, a partir dos processos de invasão de nossas terras.
Sobretudo na escola pública, o profissional docente é aquele que possui a maestria para contornar desafios estruturais, seja do ponto de vista da didática, das tecnologias, das relações interpessoais etc. Mas se vamos considerar a atuação docente como exercício profissional calcado na vocação, todos os profissionais não precisam tê-la para bem desempenar as suas funções? Nascer vocacionado ou “herança de sangue familiar” não são aptidões percebidas e lapidadas por meio de processos formativos?
Gosto sempre de trazer esta questão para a reflexão porque não acredito na missão a partir de uma perspectiva religiosa e espiritualizada, ainda que compreenda que tais percepções têm lastro no papel ora desenvolvido pelos jesuítas. Quase sempre, quando eu ouço esse tipo de coisa (o docente na perspectiva de missionário), não fica clara a concepção de que o professor é um profissional formado e em contínuo processo de formação. Por isso meu incômodo sobre o ser professor como missão. Ele ou ela não é missionário, mas um sujeito que precisa ter condições de trabalho e ser valorizado para bem desempenhar suas funções e pagar seus boletos mensais.
As desigualdades sociais no Brasil são severas e aquelas que permeiam a atuação docente ficaram escancaradas no período da pandemia da Covid-19 que está em curso. As reportagens nos apresentam de tempos em tempos exemplos de “superação” de profissionais que atravessam rios, pedalam quilômetros, usam carro de som para convidar seus alunos a não desistirem da escola, quase sempre com o uso de recursos financeiros do próprio bolso.
Por meio da mídia vamos nos acostumando com a construção da ideia do professor como salvador da pátria. Aquele que dá um jeito e faz acontecer. Mas a vocação e missão tão naturalizadas nos apresentam a falta de condições de trabalho daquele sujeito que escolheu a carreira docente e que, por isso, eu acredito, dá a vida por ela. A romantização sobre estas situações e de tantas outras são um problema na medida em que não cobramos dos governantes políticas educacionais que possam melhorar as condições de funcionamento de uma escola e garantir melhores condições para os seus profissionais. O piso salarial é um avanço em muitas regiões. Mas não é tudo.
Ao mesmo tempo em que é vista por algumas pessoas e setores sociais como categoria essencial para o desenvolvimento da sociedade, a docência é ao mesmo tempo estrategicamente negligenciada. Investimentos em educação, muitas das vezes, não dão votos suficientes para o período de dois e quatros anos, quando acontecem as eleições no Brasil. O caminho seria adotar investimentos planejados e contínuos de médio e longo prazo.
Ao contrário, temos vivido processos de endemonização dos profissionais docentes, que recebem críticas infundadas muitas vezes de pessoas que nem imaginam como funciona uma escola pública, por exemplo, do lado de dentro. Reconhecer o trabalho profissional de um professor deveria ser algo constante ao longo do ano.
A pandemia tem dito para muita gente que dar aulas em casa não é simplesmente sentar e mandar fazer. Existem pressupostos teóricos e metodológicos que são acionados pelos docentes para que as crianças, os adolescentes, os jovens e adultos, a partir da mediação, construam seus esquemas e produzam conhecimento de acordo com sua faixa etária e questões que lhe fazem sentido naquele momento ou em outros por vir. Não é um processo linear, porque existem variáveis a serem consideradas. Não é assim: eu ensino, logo eles aprendem. É que existem aprendizados que só fazem sentido muito tempo depois.
Agradecer aos professores e mestres deveria ser realmente uma ação costumeira e deveríamos todos desenvolver a empatia em relação a estes profissionais. Do meu ponto de vista eles são, indiscutivelmente, o pilar de formação de outros profissionais.
Dia 15 de outubro, de fato, é uma data para nos alegrar e agradecer os queridos professores/professoras e sermos gratos até mesmo por aqueles que nos decepcionaram ou desafiaram (se conseguirmos transformar tais situações em algum tipo de aprendizado). Mas não esqueçamos de valorizá-los e defende-los diante dos processos de generalização, de Fake News, de tentativas de amordaças e desinformação que circulam nas redes socias (físicas e digitais) ou de críticas rasas sem diálogo com a sala de aula.
Todo mundo um dia teve ou vai ter um professor. E todo professor, continua estudante, aprendendo e pesquisando, seja em cursos de formação continuada ou em outros processos fora de um espaço escolar. Hoje, quero dizer: muito obrigado, querido mestre! Mas, amanhã também é dia de agradecer.
Jornalista e Pedagogo (em formação) - 15/10/2020