Educação contra a desinformação
Nos últimos meses, proliferaram iniciativas que têm o intuito de ensinar a identificar e combater as chamadas fake news. São palestras, workshops, cursos, eventos em shopping centers e muitos outros. No entanto, embora sejam válidas, estas inciativas estão longe de ser suficientes para combater o verdadeiro problema, que é a forma como devemos compreender e lidar com o ambiente de desinformação no qual estamos imersos. Cada vez mais, profissionais de diversas áreas precisam se unir para ampliar as oportunidades de desenvolvimento da capacidade das pessoas identificarem conteúdos falsos, que circulam e produzem engajamento à velocidade da luz
O problema é tão preocupante que o Digital News Report 2018, importante relatório que mostra como se dá o consumo de notícias no ambiente digital em 37 países do mundo, destaca questões relacionadas à credibilidade dos veículos de comunicação e ao impacto da mudança no algoritmo do Facebook, bem como à desinformação (misinformation) de modo geral. Isso mostra que o cenário da desinformação não é exclusividade brasileira. No entanto, o mesmo relatório aponta que embora o uso de mídias sociais para notícias tenha começado a cair em importantes mercados, no Brasil ele ainda se mantém estável. A diferença é que vem ocorrendo uma nítida migração do Facebook para o Whatsapp como meio de disseminação de informações sobre os acontecimentos da sociedade. Aqui, 48% do público pesquisado usa o aplicativo de mensagens instantâneas para compartilhamento de notícias.
Esse ambiente descentralizado, onde a curadoria das notícias é feita por não-profissionais, acaba tendo como resultado o fato de que 54% dos respondentes da pesquisa global estão preocupados com o que é real e o que é falso na internet. O índice é mais alto no Brasil (85%), na Espanha (69%) e nos Estados Unidos (64%), países em que a situação política polarizada se combina com o alto uso de mídias sociais.
Pela primeira vez, o relatório do Reuters Institute mediu a chamada news literacy – ou seja, a habilidade de analisar criticamente a confiabilidade de notícias e informações que recebemos por meio de diferentes fontes. A conclusão foi que as pessoas com níveis mais altos de competências em news literacy tendem a preferir notícias de grandes jornais, mesmo que em suas plataformas online, e usam as mídias sociais para notícias de modo bem diferente dos demais usuários. Por exemplo, ao decidir se irão clicar ou não em uma notícia, elas prestam mais atenção a algumas pistas sobre a credibilidade: em que veículo ela foi publicada, quem foi o autor, quem compartilhou o link? Esses dados fazem diferença na hora de definir se aquela história vale o seu tempo. Já entre aqueles com menores competências em news literacy, o mero número de comentários, curtidas e compartilhamentos parece ter mais importância no momento de avaliar a confiabilidade da notícia. Ou seja, enquanto um grupo busca critérios qualitativos ao compartilhar notícias, o outro se baseia em dados quantitativos, o que, naturalmente, não é suficiente para avaliar a veracidade de uma informação.
Essas mudanças na forma de consumo das notícias são resultado direto de uma transformação que veio para ficar: hoje, o ambiente em que as notícias circulam é descentralizado e muito veloz. Por isso, qualquer iniciativa no sentido de desenvolver no público as competências para leitura crítica das notícias deve necessariamente passar pela comunidade escolar, em caráter permanente, e não apenas na proximidade das eleições. Como argumenta um documento da ONU sobre alfabetização midiática e informacional, é fundamental a implementação de um currículo para formação de professores que trabalhe as habilidades de raciocínio crítico e possibilite que eles atuem como agentes multiplicadores, junto aos alunos e a seus pais, para que toda a sociedade tenha recursos para demandar “serviços de alta qualidade das mídias e de outros provedores de informação”. Sem iniciativas permanentes de capacitação por meio da educação básica, as tentativas de combater o ambiente da desinformação serão como o trabalho de Sísifo, o mitológico rei grego condenado a carregar eternamente montanha acima uma pedra que teimava em rolar para baixo, a cada vez que se aproximava do cume, forçando-o a começar de novo.
Quer conversar mais sobre esses e outros assuntos ligados ao ecossistema da desinformação?
A Ecoar Educação para Mídias, projeto do qual sou uma das criadoras, vai promover o curso "Fake News: como combater a desinformação" nos dias 16, 16 e 18 de outubro, às 19 horas, no Estação NET Botafogo, no Rio de Janeiro.
Mais informações e inscrições aqui:
Este artigo foi escrito em co-autoria com Marlene Duarte, jornalista e co-fundadora da Ecoar Educação para Mídias, e teve uma versão resumida publicada no jornal O Globo em 29/09/2018.
Bibliotecário na Câmara Municipal de Itatiba
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6 aBoa, Mônica! Estamos precisando.