Educação de qualidade requer recurso financeiro: lições do estado da Califórnia
Está acontecendo em San Francisco, Califórnia, a conferência da Comparative & International Society (CIES). Em uma mesa sobre a educação na Califórnia, tive o prazer de ouvir a professora Linda Darling-Hammond e o professor Chris Edley Jr discutindo sobre a relação entre alocação de recursos financeiros, educação de qualidade, e equidade. Gostaria de relatar brevemente o que ouvi e aprendi no dia de hoje, porque acho muito interessante para pensarmos os rumos da educação em nosso país. Deixo claro que é minha interpretação e leitura do que vi e ouvi. Ao final, indico um texto da professora Linda para aprofundamento.
A Califórnia é o maior estado estadunidense, com cerca de 40 milhões de habitantes e um PIB gigantesco. Se a Califórnia fosse um país, seria o 5° maior PIB do mundo. Um estado rico porém profundamente desigual. No ranking da igualdade dos Estados Unidos, ocupa a 48° posição. Atualmente, quase 60% da população do estado é composta por minorias (incluindo um grupo bastante significativo de imigrantes ilegais).
Isso tem um impacto gigantesco na educação, visto que as salas de aula das escolas públicas estão repletas de estudantes de diferentes nacionalidades, cuja primeira língua via de regra não é o inglês. Aqui, as verbas para a educação são oriundas principalmente de impostos territoriais (o equivalente ao nosso IPTU), o que ajuda a criar ainda mais desigualdade: distritos mais ricos têm muito dinheiro para investir em educação, e pessoas com mais dinheiro se mudam para esses distritos, com aluguéis absolutamente impeditivos, para matricular seus filhos em escolas melhores.
Porque essa lógica é tão cruel? Porque penaliza justamente os estudantes que mais necessitam de apoio na sua formação. O resultado tem sido sentido no baixo desempenho demonstrado pelo Estado em diversos testes padronizados.
O que o estado está fazendo para mudar esse jogo? Entre outras coisas, mudando a lógica de investimento. Ao invés de manter a alocação de recursos absolutamente descentralizada, o governo estadual criou uma série de mecanismos para assegurar que estudantes com maior necessidade recebam mais apoio e mais repasse financeiro.
A lógica aqui é bastante clara: não é possível fazer educação de qualidade, especialmente para populações vulneráveis, sem que haja investimento. Não se diminui a distância educacional entre ricos e pobres se não houver real investimento para prover aos mais pobres condições educacionais similares àquelas que os mais ricos têm acesso.
Um outro elemento muito importante nas políticas adotadas pelo estado diz respeito ao currículo. Aqui, a adoção do Common Core State Standards (equivalente a nossa BNCC) se deu de maneira a jogar luzes no desenvolvimento das habilidades de alto nível cognitivo. Entre outras coisas, o estado suspendeu a avaliação externa que era muito baseada na observação de desempenhos de baixo nível cognitivo (o que forçava indiretamente os professores a "treinarem os alunos para prova"). Foi adotada uma avaliação que abarca outros aspectos da aprendizagem (smarter balance). E, mais importante, tem sido feito um esforço muito sistemático para que professores, alunos e comunidades possam se adaptar ao novo currículo antes de serem cobrados por resultados mágicos ou irreais.
Outro aspecto muito interessante nesse processo é a mudança de perspectiva no que tange às gestão dos recursos. Foi adotado o que eles chamam de "modelo de empoderamento", no qual a comunidade escolar é envolvida no processo de decisão e o foco é na aprendizagem (veja a foto do slide abaixo).
Por que estou compartilhando isso? Porque infelizmente, vejo a educação de nosso país caminhando na contramão de tudo aquilo que é conhecido pela ciência educacional para promover qualidade na educação. O nosso ministério da educação (absolutamente perdido) está mais preocupado com fantasmas ideológicos inexistentes do que com encarar de frente o que precisa ser feito. Ademais, o super ministro da economia e alguns congressistas desavisados insistem em propagar um discurso de que existe muito dinheiro na educação, e que o bacana é fazer cortes.
Nós, educadores, intelectuais, e sociedade civil de um modo geral, precisamos nos repertoriar da maior quantidade de evidências possíveis para brigar por aquilo que sabemos ser o melhor para nossas crianças. Deixo o exemplo da Califórnia como um modelo para nossa caixa de ferramentas intelectuais em discussões educacionais.
Deixo ainda um texto da Linda sobre investimento em educação para apoiar nossas discussões futuras.
Profissional de Educação, Comunicação e Cultura
5 aSensacional. Fica clara o desejo do governo Californiano em reduzir as desigualdades de acesso à educação.Agora por aqui, cada vez mais educação de qualidade torna-se moeda de manipulação das maiorias.
Formadora e gestora de área em instituições privadas de ensino e coordenadora de programas educacionais para formação de gestores e professores em redes municipais de 7 estados do Brasil.
5 aMuito bom, Bárbara! Obrigada por compartilhar.
Education and Management Consultant and Researcher | Lemann Fellow
5 aPrecisamos exercitar um novo olhar para a educação pública que vá além da métrica dos testes padronizados. Obrigada por compartilhar.