Efeitos do COVID-19 nas relações contratuais
A propagação comunitária do COVID-19 tem impactado significativamente a vida de todos os seres humanos, destacando-se aqui a vida do cidadão brasileiro. Sem minimizar a grande quantidade de mortes atribuídas ao vírus, chama-se atenção para os catastróficos efeitos causados na economia global, alterando a dinâmica das relações pessoais e empresariais.
Até então percebe-se que os governos, de uma forma geral, ainda não sabem exatamente como lidar com a pandemia, mas é certo que o salvamento de vidas é o fundamento que tem movido os líderes de estado a adotar medidas preventivas.
Dentre essas medidas a que parece ser mais efetiva é o que se chame de lockdown horizontal que consiste no isolamento quase que absoluto dos cidadãos, com o intuito claro de frear a propagação da doença.
Essa medida, todavia – e aqui não se está a julgar a conveniência e oportunidade de aplicação desta medida sanitária – tem como efeito colateral a desaceleração da economia global, impactando diretamente nos mais diversos tipos de contratos celebrados no universo das relações pessoais e comerciais.
É certo que, com a estagnação econômica, diversas empresas enfrentarão dificuldades com a queda abrupta de seu faturamento, refletindo no outra ponta desta equação.
Sem receita, as empresas não terão como honrar com suas mais diversas obrigações, tais como pagamento de tributos e quitação da folha salarial. Sem receita as empresas serão obrigadas a demitir seus funcionários, sem salário os funcionários não poderão mais consumir, sem a movimentação do mercado de consumo os micro empresários, os empreendedores individuas, os autônomos, as médias e pequenas empresas e também as grandes empresas também sofreram com a queda de faturamento.
Esse cenário faz surgir a seguinte dúvida: e os contratos celebrados anteriormente ao surto do vírus, terão seus efeitos conservados ou serão revistos?
A legislação brasileira prevê hipótese de revisão contratual para fins de reestabelecimento do equilíbrio financeiro do negócio e, em suas situações ainda mais extremas, a resolução do pacto, podendo, a depender do caso, ser reestabelecido o status anterior ao momento da formação do contrato.
Existem, basicamente, 3 (três) institutos jurídicos que disciplinam este assunto, a saber, (1) Teoria da imprevisão, (2) Onerosidade Excessiva, (3) Caso Fortuito e de Força Maior.
A Teoria da Imprevisão possui suas raízes no universo do direito romano, quando surgiu a cláusula denominada de rebus sic stantibus que, em breve síntese, condiciona o cumprimento das obrigações assumidas à manutenção das circunstâncias que balizou o firmamento do contrato.
Nesse sentido, o jurista Carlos Alberto Bittar explica que compromissos assumidos podem não, eventualmente, serem descumpridos sem que isso incorra em contrariedade à justiça. Observe-se:
“[…] consigna expressa e formalmente haver promessas que, por vezes, não podem ser cumpridas e pactos que não podem ser executados. Prosseguindo, afirma que nem sempre é contrário à justiça não restituir o depósito, ou descumprir a promessa, e que isto não importa em desconhecer a verdade e a fé empenhada. Acrescenta exemplos a estas afirmações, entre os quais o de um advogado que descumpre a promessa de patrocínio de uma causa devido ao adoecimento do filho.”[1]
Conforme leciona o Professor Elpídio Donizetti em sua obra denominada de Curso de Direito Civil, são quatro os pressupostos da revisão contratual por aplicação da teoria da imprevisão, a saber:
(1) que se trate de contrato comutativo de execução diferida ou continuada; (2) que, quando da execução, tenha havido alteração das circunstâncias fáticas vigentes à época da contratação; (3) que essa alteração fosse inesperada e imprevisível quando da celebração do contrato; (4) por fim, que a alteração tenha promovido desequilíbrio entre as prestações.
Por sua vez, a teoria da Onerosidade Excessiva decorre da Doutrina italiana, que, por sua vez, exerceu forte influência no direito brasileiro, em especial no Código Civil. Como o próprio nome já diz, para que seja configurada a Onerosidade Excessiva é necessário, dentre outras coisas, demonstrar a ocorrência de uma desproporção entre as contraprestações das partes.
Neste cenário, além dos pressupostos para a aplicação da teoria da imprevisão, exige-se, ainda, que se demonstre (1) uma situação de grande vantagem para um contratante, e, (2) em contrapartida, uma situação de onerosidade excessiva para o outro”.
Dito isto é possível afirmar, em apertado resumo, que subsumindo ao longo do tempo fato imprevisível que altere as circunstância do momento da contratação, causando desequilíbrio entre as prestações, é facultado a parte prejudicada requerer a revisão do contrato, com base na teoria da imprevisão. Vale dizer que essa hipótese encontra esteio no art. 317, do Código Civil de 2002.
De outra sorte, existindo situação em que o contrato torne-se excessivamente oneroso para uma das partes e extremamente vantajoso para a outra, pode a parte prejudicada requerer a resolução tomando como fundamento a teoria da onerosidade excessiva, nos termos do art. 478, do Código Civil de 2002.
O caso fortuito e a força maior são eventos que podem levar a extinção contratual, sem que seja atribuída culpa a nenhuma das partes. Dessa forma, restando caracterizado algum desses dois institutos, tem-se que os contratos poderão ser extintos em razão da impossibilidade de seu adimplemento, sem que haja a necessidade de pagar indenização a qualquer das partes.
Conclui-se, dessa forma, que qualquer análise, a respeito da aplicação da teoria da imprevisão, da teoria da onerosidade excessiva ou do caso fortuito/força maior, deverá ser feita de forma casuística, levando em consideração a legislação que versa sobre o assunto, notadamente porque o ordenamento jurídico brasileiro não conta com robusta jurisprudência acerca do descumprimento contratual diante de pandemias.
Dessa forma, diante do atual cenário de crise econômica global, destacando-se a impacto do corona vírus em quase todas as relações entre sujeitos de direito, é de salutar importância conhecer os possíveis caminhos para o debate sobre
É possível dizer que situações excepcionas demandam respostas também excepcionas, mas, em todos os casos, o princípio da boa-fé, bem como o da função social dos contratos deve prevalecer como instrumento de composição e pacificação dos conflitos.
[1] BITTAR, Carlos Alberto (Coordenador). Contornos atuais da teoria dos contratos. Revista dos Tribunais: São Paulo, 1993.
Head Jurídico
4 aBoa! O destaque para o respeito ao princípio da boa-fé foi fundamental. Parabéns pelo texto e pela iniciativa!
IT | Privacy & Data Protection
4 aParabéns, Carlos Neto!! Muito bom!!
Sr Finance Coordinator
4 aMuito bom Carlos!!
Coutinho, Barbosa, Carvalho Advogados
4 aMuito bom! Parabéns!