Efeitos do trabalho colaborativo
#PRACEGOVER Foto de árvores delgadas e retilíneas na parte alta de uma montanha e uma trilha entre elas.

Efeitos do trabalho colaborativo

Antes de entrar na jornada do trabalho colaborativo, que tal repassarmos o que não é um trabalho colaborativo? Pelo que tenho ouvido de alguns contextos corporativos, há mais discurso do que prática que evidenciam o trabalho colaborativo. A principal questão é a dificuldade de traduzir uma coisa em outra. Fazendo uma adaptação do que escutei do Artur Matuck, meu ex-professor da USP, trata-se de uma transducção, e não uma simples tradução. Por isso o entrave.

Para meu querido professor, existem coisas que estão em dimensões diferentes e que não podem ser levadas rapidamente de um lado para outro. Com isso ele não nega a dificuldade da relação, apenas aponta para uma complexificação entre coisas que estariam em "universos paralelos". Minha leitura de hoje é que discurso e prática são simulacros de realidades que buscam autoridades para si enquanto ocultam elementos de sua falsa ou inconsistente construção. (Acredito que fui muito duro. Mas, vamos lá. Espero trazer luz à questão.)

Enquanto o discurso pode apregoar o valor do trabalho colaborativo, o mesmo pode ter como fundamentação uma incapacidade de um gestor em vivenciar relações significativas dentro de sua equipe, evocando uma necessidade de alinhamento das outras pessoas àquilo que o "mercado está exigindo".

Que o mercado tem demandado esta habilidade dos trabalhadores, isso é um fato. Na leitura corrente, isso é como um meio para alcançar um trabalho cada vez mais ajustado perante a própria diversidade de pensamento e interesses. Por isso, saber responder uns aos outros de modo a contribuir com o crescimento da coletividade é uma condição defendida por muitos a fim de que aconteçam trabalhos colaborativos.

Por esta via, parece fácil pensar que as pessoas se coloquem à disposição de atividades diversas as quais busquem êxito nas relações sociais dentro do trabalho, pois conseguiriam perceber que o outro não é igual ao "eu", ele é um "outro-eu". Se tratarmos de muitas pessoas numa equipe, isso cresceria exponencialmente, na mesma lógica da inteligência coletiva (Pierre Levy) e do fenômeno suis generis (Durkheim).

Todavia, é relevante colocar em cheque a relação direta entre atividades sobre algo e a vivência delas como uma cultura, um símbolo. A prática de trabalho colaborativo, que aponto ser um simulacro, é uma expressão de valor que não se sustenta a longo prazo como experiências autorreplicantes e símbolos do coletivo. O fato de acontecerem atividades desta natureza poderia denotar uma preocupação quanto à temática e uma busca por resultados relevantes, e a ideia não está errada. Ela apenas está incompleta.

Pensemos por um instante no processo produtivo e a intensificação do trabalho em função do tempo e da necessidade de dar contínuas respostas e fazer contínuas entregas conforme o mercado exige. Para atender o que seria a produtividade, é pertinente observar que as empresas desenvolvam ações de sensibilização e de mobilização para aquilo que gere maior engajamento, maior colaboração. Aqui surge o paradoxo das capacitações, workshops, cursos, etc.: a ancoragem nas entregas (demandas) e não nas pessoas e suas potências de vida.

Geralmente distribuídas dentro do calendário de treinamentos da empresa e buscando envolver diferentes setores da corporação, as ações que tocam a temática colaborativa tendem a ser resultantes de conflitos já estabelecidos e não frutos de uma cultura que busca cada vez mais a "vida" das pessoas que trabalham no local.

Seria interessante colocar uma história paralela ao comum do dia a dia das pessoas nas empresas em que a convivência no trabalho é tão alinhada e colaborativa que um consultor/facilitador tivesse que "quebrar a cabeça" para desenvolver uma experiência de aprendizagem que tirasse todos da zona de conforto e demonstrasse que o trabalho colaborativo pode ser sentido, vivido, experimentado de forma mais intensa do que já é. (Não estou dizendo que isso não exista, pois já ouvi relatos de que existe esse elefante branco.) Por não ser essa uma verdade que tenho ouvido cotidianamente, suponho que a busca por colaboração seja uma medida de contingência diante de uma crise, que já está instaurada, cuja explosão se dará nos próximos segundos, se um herói não "vier salvar" a todos. Isso é o que muitos querem: um agente externo resolvendo um "problema interno".

No atual ponto de reflexão, o leitor poderia me perguntar sobre o verdadeiro "efeito do trabalho colaborativo", o título do artigo, alegando que eu teria tangenciado a questão ou até mesmo pulado para fora do barco. De fato, até agora não dei nenhuma saída para o bem-estar da coletividade em face da colaboração, apenas apresentei os dois lados de uma mesma moeda viciada. E, como uma possível consequência, o leitor talvez esteja olhando para dentro de seu mundo do trabalho e indagando-se sobre como e quando os discursos e as práticas aparecem dentro de seu ambiente de trabalho, apontando o dedo para os discursos e as práticas como insólitas.

Ao que cabe levantar como um ponto complementar para o universo da prática, é óbvio que existem efeitos positivos quando tratamos dos resultados. As diferentes pesquisas de satisfação das atividades revelam o quão importantes foram para as pessoas pensarem em seus comportamentos e se comprometerem com uma mudança estrutural. Não é mesmo? Ledo engano. Como analista comportamental e desenvolvedor de estratégias diagnósticas digo que mudanças não podem ser mensuradas com um meros questões como: "Você gostou do curso?" ou "De 1 a 10, qual a probabilidade de você fazer isso ou aquilo?". Há um hiato entre os universos da ação e da prática, que eu chamaria de maximização de efeitos insipientes, de fetichismo das intenções coletivas ou de ilusão da imersão simbólica do coletivo.

Para problematizar a questão, recupero de Edmund Leach a concepção de que a vida humana (relações sociais) é desequilibrada e instável. Na visão dele, as relações são pautadas pelos indivíduos e seus interesses pessoais como centro de tomadas de decisões, pressupondo uma ação particularizada e motivada para a mudança das regras do jogo, ou seja, para uma manipulação das regras do sistema social. De um modo geral, as ações têm efeito intencional da parte e não do todo, o que gera uma predisposição à alteração de elementos nas relações humanas, para um sentido específico (do eu para o outro). De modo aplicado ao exemplo da pesquisa de satisfação, ao responder o questionário sobre uma ação de treinamento, é muito plausível assumir que as respostas "devam" ser positivas. Mesmo sabendo que você é livre para responder o que quiser, você sabe o que se quer.

Uma pergunta. Você consegue perceber que, embora simples, o exemplo anterior pode revelar a natureza contraditória da concepção do trabalho colaborativo e das ações para um trabalho colaborativo? Uma vez imbuídas de uma decisão da agência individual e não decorrente de uma sensibilidade deste indivíduo em captar pistas do grupo a respeito de um "querer" algo que mude as relações no trabalho e que apontem para resultados melhores, caberia dizer que os sinais não são de uma pré-mudança, mas de uma pré-crise.

A antropologia ingoldiana contribui com nossa reflexão de modo sagaz ao chamar a atenção para as pistas no real, elementos estes que Thomas Rudmik chamaria de "sinais fortes de futuro", pois quando a questão central do trabalho colaborativo é vista a partir do ponto de vista dos sinais existentes, é possível que façamos a reintrodução do título deste artigo (Efeitos do trabalho colaborativo) como uma expressão de verdade colaborativa. Isto é, os traços de uma realidade possível, que se configura em atividades no ambiente laboral como colaborativas, podem substancialmente evidenciar a transducção equivalente da dicotomia discurso-prática.

O simulacro que se apontava como comportamento sem compromisso com o verdadeiro real passa a não configurar-se como uma realidade para o contexto corporativo que analisa prévia e qualitativamente o seu social a fim de oportunizar experiências de aprendizagem, com efeito fático de colaboração.

A grosso modo diria: "O trabalho colaborativo precisa ser desejado e visto através de outras lentes!"

Pablo Regis

Consultor em Acessibilidade e Inclusão | Especialista em Design Instrucional | Analista de Projetos | Desenvolvimento Humano

1 a

Um amigo me disse que o texto possui sabor de utopia. De verdade, recebi com grande alegria a fala dele. E, após alguns segundos respondi algo como: “O mundo já está cheio de visões fixas. Um pouco de realidade alternativa pode nos fazer bem.” Não quero pensar “fora da caixa”, mas, talvez, pensar “em cima de uma bola”.

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