O tamanho do trabalho na nossa vida
Um assunto recorrente nas atuais rodas de conversa é: "O peso do trabalho". Não é estranho ouvir desabafos sobre relações de trabalhos que tendem a desestimular as pessoas a continuar numa empresa ou atividade. A maior reclamação não é sobre o trabalho em si, mas sobre as condições que envolvem-no. Talvez por isso tenhamos que olhar para o "tamanho" do trabalho na nossa vida, como disse um amigo-líder dentro do Grupo Jacto.
Curiosidades à parte sobre quem é esta pessoa, em uma de nossas conversa semanais, tive a oportunidade de ouvir a expressão "o tamanho do trabalho na nossa vida", questão essa que me levou a escrever um artigo e, após conversar com outras pessoas, revisá-lo. Segue então a segunda redação que, na verdade, é a primeira para o leitor. (rs)
Para marcar um ponto de partida, identifico o trabalho como o meio de se alcançar algo, o qual envolve esforço mental e físico. Embora seja algo de múltiplas dimensões, vou me ater a estas duas, e, se me permitirem, começarei dizendo: "O equilíbrio entre as dimensões é uma fantasia criada pelo ser humano."
Nada mais justo afirmar que não existe o equilíbrio senão como uma fórmula inventada pelas pessoas para que as coisas possam se desenvolver. Claro que não estou defendendo a desordem ou o caos (ainda que seja bem verdadeiro como um fenômeno da vida), mas "jogo na roda" que o ser humano criou um modo particular de viver a vida ao fixar referências, as quais, juntas, chamou de equilíbrio. Logo, o fator trabalho também está neste contexto.
Defender que o mundo do trabalho fuja à esta invenção da realidade e que não buscamos equilibrar tudo seria o mesmo que negar que há variações dos comportamentos humanos frente às diferentes situações nas quais cada pessoa está inserida e que vivemos certos padrões. Para cada contexto, um arcabouço de ideias, comprometimentos, esforços e reações serão vivíveis, escolhidas intencionalmente ou não pelos indivíduos. Mediar o interior e as demandas é como uma dança das cadeiras, numa espécie de interação que exige uma capacidade de ação encorada em algo que faça sentido, e que ora uma "coisa" ocupa uma cadeira e enquanto outra fica em pé.
Deste modo, a forma como a pessoa tende a se colocar em uma situação vai desenhando o seu ser no mundo, o que gera um tipo de expectativa para as outras partes (pessoas com quem interagem ou aquelas às quais as ações afetam, se destinam), traçando o tal do equilíbrio, para a própria vida. Agir fora deste caminho "inventado" gera estranheza dentro das relações, levantando a duvida sobre o descolamento do que a pessoa é e o que ela está fazendo. Logo, uma analogia da ação esperada é bem pertinente também no mundo do trabalho.
Pelo olhar daquele meu amigo-líder, o mundo real é uma experiência que envolve questões controláveis e imponderáveis, ao mesmo tempo. Uma vez que conseguimos visualizar isto, buscamos mediar os fatores que estão ao nosso redor, reais e imaginários, a fim de estruturar um caminho seguro para seguir adiante, fazendo o esforço necessário para chegar a um objetivo. Dedicação, foco, disciplina e o tal do equilíbrio são levados em consideração como importantes em qualquer situação.
Ainda que uma pessoa observe suas capacidades internas e de mobilizar as outras pessoas para fazer algo, o trabalho em si precisa ser colocado sob perspectiva e a ele ser direcionado a seguinte indagação: "Somos geradores de oportunidades ou traidores de nós mesmos?"
Num primeiro momento, é fato que o ato de trabalhar e de relacionar-se com outras pessoas torna viável novas ideias, produtos, serviços, enfim, oportunidades. A ação coletiva não somente permite que novas experiências sejam possíveis, posto que o apoio mútuo, explícito no conceito de inteligência coletiva de Pierre Levy, tal coletividade tenda a produzir "outras coisas" quando comparado a apenas o somatório das partes. É um fenômeno peculiar que decorre da interação, do trabalho coletivo.
A dialogicidade implícita nesta relação provoca, portanto, um tipo de movimento que gera resultados diversos do que apenas a ação de uma única parte, sendo relevante e válido reafirmar sua importância. Isso pode ser sintetizado como: "Ninguém cresce sozinho", uma assertiva muito bem conhecida pelas "bandas de Pompeia/SP". Entretanto, a questão do "peso" do trabalho está fora dessa seara e precisa ser questionada, como pretendo rapidamente, daqui em diante.
As unidades e medida que usei anteriormente, "peso" e "tamanho", são comuns em nosso cotidiano, pois servem para mensurar várias coisas, como estratégia para definir o que quer que seja ou comparar isso com aquilo. Não poderia deixar de mencionar que este recurso atende também ao nosso desejo de aquisições, em muitos casos, quanto mais, melhor. Quem nunca pensou em ter um pouco mais de já se tem e se voltou para tal coisa?
A própria constituição do ser humano como humano está atrelado a trabalhar por algo. Mesmo não sendo sua essência, o trabalho é próprio de sua existência no mundo, pois é o meio pelo qual produz-se a vida e as condições necessárias para a subsistência, assim como cria sentido existencial. O ponto de inflexão que chamo a atenção não está na capacidade geradora de oportunidades e do trabalho trabalho como um fazer cotidiano, mas de restringir oportunidades quando não há um equilíbrio (inventado) entre os mundos pelos quais transitamos.
Recomendados pelo LinkedIn
Se olharmos para um contexto familiar com filhos, por exemplo, boa parte dos adultos tendem a permanecer fora de casa durante um longo tempo, em um trabalho/emprego, a dedicar algumas horas para os serviços domésticos e um curto intervalo de hora para divertir-se com os pequenos. Embora reconheçamos que o trabalho proporciona uma renda para este grupo de pessoas, o desafio ainda é conseguir manter a dicotômica relação de trabalho-família em equilíbrio.
Existe uma pressão interna e externa ao indivíduo quanto a melhoras das condições de vida para si e seus dependentes. Não nego isto. E, é claro, trabalho para que exista uma satisfação para os "meus queridos" e para aqueles para quem "vendo" minha mente-força de trabalho. A incongruência não está na co-existência destes universos, mas na pressão e atenção que o trabalho tende a exercer sobre as nossas vidas. Para exemplificar, quero trazer a esta reflexão o caso de um professor típico, o qual pode ser muito bem comparado com outras profissões e também adaptado para outros contextos.
Quando um professor é indagado se trabalha ou não, a ira é certa. Para algumas pessoas, o ato de ensinar não exige qualificação ou preparo antes dos encontros de aprendizagens, e que é bem "pequeno" diante de outras profissões. Estou quase certo de que você já ouviu algo parecido.
Considerando que o padrão é aptidão e dedicação, um professor trabalha antes, durante e depois de seu horário de expediente. Ele não é um apertador de botão que só trabalha depois que bate o ponto. O ponto eletrônico, no caso, é mero formalismo trabalhista. Se revelasse o tempo de trabalho, as horas prévias de estudos e as horas de correção de atividades avaliativas formativas/somativas deveriam ser contadas até mais que o próprio período dentro da unidade escolar. Para resumir, existe um peso do trabalho docente maior do que o trabalho-hora docente.
A dimensão educacional exige do profissional um tempo-trabalho-dedicação muito maior do que sua hora-trabalho-salário. Sem mencionar as inúmeras brincadeiras, piadas e críticas VERDADEIRAS que o humorista Diogo Almeida faz sobre o perfil do professor que é obrigado a cortar E.V.A todo dia, a decoração e as atividades manuais que um pedagogo faz são importantes, e acabam exigindo um esforço ainda maior do docente, fora da sala de aula, para que seu trabalho em sala de aula funcione adequadamente.
Esta classe profissional não descansa, sabia? E, por não ter esse tempo reconhecido, digo que tal profissão pesa ainda mais sobre a pessoa que a exerce. Isto não significa que não possa ser prazeroso para alguns, mas é apenas uma expressão de que pode provocar um desequilíbrio ainda maior no mundo "casa", pois o trabalho segue dentro da casa do professor. É por isso que falo de uma fantasia do equilíbrio, como se os universos se separassem e cada um ficasse em seu espaço, ou mesmo que houvesse um 50% X 50%. Entende?
Na minha visão, o tamanho do trabalho na vida do indivíduo precisa ser avaliado frente às coisas que também fazem sentido e são necessárias para si (e sua família). Imerso ou não em uma atividade que exija mais tempo e que seja de alto impacto social, a questão que suscito está mais voltada para a tensão existente e o valor-vida resultante.
Como me questionou, e já respondeu, um amigo policial militar: "Por acaso você sabe quanto custa AQUELE carro? Muito tempo longe da minha família!" Não dá para equilibrar as duas coisas de modo a ser justo com todos. Uma receberá mais atenção do que a outra no modo como se vive o agora. É possível fazer a gestão do tempo e do esforço, mas nunca o conceito de justiça será pleno, revelará um equilíbrio senão inventado.
Aquilo que atrai nossa atenção já está constituído dentro de nós e para isso tendemos a alocar nosso olhar e esforços a fim de ser o melhor de nós, de possuir mais, de oferecer mais, etc. O critério que usamos para definir as prioridades e a proporcionalidade do trabalho em nossas vidas revela os valores centrais que possuímos, ou seja, aquilo que é significativo e que não negociaremos, senão em detrimento da capacidade de autoliderança, de ser quem quem nascemos para ser. (Por favor, respirem. Não entraremos na seara do essencialismo aqui. rs)
Sem querem exaurir a questão, mas colocando um ponto de parada neste artigo, quero defender a ideia de que é necessário que a vida seja controlável do ponto de vista do possível, assim como vivida de modo a aproveitar as oportunidades necessárias sem que os prejuízos sejam maiores do que as energias (experiências) geradas pela própria ação humana, com o devido esforço para manter o (inventado) equilíbrio entre as diferentes demandas contemporâneas, sabendo que a plenitude não tem corpo, mas a sensação de bem-estar sim. Se vale uma dica, que não nos afastemos do que nos conecta com o intangível da vida, por apenas ter que trabalhar; o trabalho tem seu peso, mas não pode ser maior do que viver.