Efemérides
De 1970 a 1972 frequentei a Escola Barão de Itacurussá, do então Estado da Guanabara. A campanha para eleição da diretoria do grêmio pretendia-se uma experiência pedagógica de democracia, e envolvia todos os alunos. Havia duas chapas: a verde-e-amarelo e a azul-e-branco. O que era pra ser uma opção em aberto logo me sugeriu o óbvio: o azul-e-branco estava ali para representar os perdedores, minoritários na bandeira e na imagem das cores nacionais. O “amarelo canarinho” usado pelos jogadores na Copa do México já seria suficiente para a escolha. Inocentemente, votei na primeira chapa, a dos ganhadores.
Mais tarde saberia que aquela eleição na escola imitava o quadro político nacional, no qual havia somente dois partidos à escolha: o dos “vencedores” e o dos “perdedores”. Na plenitude da infância, ainda não sabia o quanto de Brasil e brasileiros restava excluído da possibilidade de representação - cassados, presos, exilados, mortos - e o tanto que ainda nem sonhava com isso: analfabetos, ignorados, discriminados, descendentes de escravizados, sem voz e vez, e os que a legislação definia como “incapazes”.
As lições desta experiência estão presentes hoje. Quando vejo bandeiras agitadas nas ruas, pergunto-me pela natureza do desejo (o de estar entre os “vencedores”) e pela validade da disputa: onde estarão os ausentes, os eliminados, os desconvidados?
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Para isso contribuem os aprendizados obtidos depois de sair da escola. Verde e amarelo não representam as “matas” e o “ouro”, mas sim as casas reais de Bragança e Habsburgo, do português e da austríaca que fundaram o Império. A unidade territorial com a bandeira real não se fez pelo uso da força contra estrangeiros, mas sim pela aniquilação dos descontentes no combate às revoltas com o poder central. E a República? Adaptou a bandeira e seguiu refém da lógica colonial, racista, latifundiária e predatória.
Seguimos desde então no acidentado percurso de tensões entre centro e periferia, entre elites e povo, entre real e ideal, entre a cópia improvisada de instituições e a invenção incompleta de utopias.
Fazendo 200 anos de Brasil, vale celebrar os passos dados e reiterar desejo - e ação - para o futuro: em favor de um país que não precise eliminar, excluir ou diminuir alguém para poder existir.
Que lúcido e lindo texto Mauro!