José Pacheco e suas facetas
Alguns amigos que fiz em outros contextos admiram que eu tenha contato com o professor José Pacheco - e em seguida perguntam se “é aquele mesmo, famoso, da Escola da Ponte?”.
Diante da resposta afirmativa, parecem aumentar a apreciação que têm a meu respeito, sem saber que José Pacheco é a celebridade mais disponível de que se tem notícia. Ele se faz amigo de tantos quantos a tanto se disponham.
(Alguns se tornam célebres, e com isso se tornam inacessíveis. José Pacheco fez caminho inverso: tornou-se acessível, fez-se acessante, e é essa disponibilidade um dos ingredientes que o tornaram mundialmente conhecido.)
Vale repetir essa palavra: disponibilidade. Nos muitos encontros presenciais e virtuais que tive com José Pacheco, nunca vi recusar convite de quem queira sua visita, seu apoio, suas indicações, seus ensinamentos. Assim vai desfiando uma relação de nomes - pessoas, cidades, escolas, regiões, estados, distritos, freguesias, aos quais se refere com intimidade de confessor, “ligando o nome à pessoa, ao local, ao contexto” - e assim por diante.
Aliás eu mesmo fui alvo dessa generosidade: incumbido de recebê-lo no aeroporto e levá-lo a determinada cidade, perguntei se aceitaria falar em outro local que ficava no caminho… Assim logo se divulgou sua vinda e em breve não havia mais vagas. Depois de falar e ouvir durante duas horas partimos rumo ao destino, para enfrentar mais três horas de subida de serra!
Suas falas são de duas naturezas: as que questionam, e as que respondem. Digo para mim mesmo que José Pacheco tem dupla personalidade, como Dr. Jekyll e Mr. Hyde: o revolucionário e o mentor.
Para questionar, o revolucionário José Pacheco é direto, por vezes incisivo, muitas vezes indignado. Ainda durante o questionamento se exalta - com os pactos de silêncio, com a apatia dos que sabem mas não praticam, com os que usam do poder para manter tudo como está, com os que temem o poder que não deseja mudanças.
Para questionar, esse personagem não economiza exemplos - dispõe de muitos! Também não teme repetir seus mantras:
Escolas são pessoas e pessoas são seus valores. Aulas não ensinam nada. Provas não provam nada. Separar crianças por idade é estupidez. Querer que todos aprendam ao mesmo tempo as mesmas coisas é burrice. Sem vínculo não há educação. Inovar na educação é compromisso ético. Temos amparo científico e legal. Escolas que não ensinam estão fora da lei. A escola não consegue ensinar e punida é a criança, não o professor.
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E assim segue, desafiando os pilares de todos os absurdos que o autoritarismo a convenção, a repetição, a cristalização, a insensibilidade e o egoísmo mantêm para imposição de um sistema ineficaz, excludente, repressor, medíocre e padronizador.
Depois que a braveza lhe altera a voz, Pacheco frequentemente torna a lembrar o que o revolta: estão matando o futuro das nossas crianças.
O outro lado de José Pacheco é o do mentor. Em contraste com o revolucionário, que fala para muitos, o mentor fala para uma única pessoa, mesmo que haja outras ouvindo. No momento em que alguém apresenta uma pergunta, Pacheco parece se ligar a uma valiosa perspectiva de realização. Tem nesses momentos uma notável demonstração de foco na pessoa que a ele se dirige. Não importa se poucos minutos antes se incomodou com alegadas impossibilidades, pois agora talvez tenha encontrado quem se disponha a superá-las.
Fazendo contraponto com a indignação do revolucionário, o mentor tem uma paciência que parece não ter fim, e uma atenção que se desdobra. Mesmo que o medo e a insegurança do perguntador-aprendiz se desdobrem como fractais, mesmo que antecipe obstáculos, mesmo que as dúvidas se repitam e pareçam prosaicas. E se, ao final dos exemplos, das fontes, das evidências empíricas, das indicações de experiências bem sucedidas, o perguntador permanece em dúvida, Pacheco saca da algibeira um estímulo final: “tu poderás fazê-lo, nós o ajudaremos”.
Portanto, e diante das oportunidades anteriores, sei que os encontros com Pacheco serão sempre acridoces.
Por um lado, haverá muito a questionar - imobilismo, conformismo, apatia, e suas causas - apego, medo, ganância, leniência.
Por outro lado, haverá sempre quem queira aprender - e isso suscitará o mentor José Pacheco, tornando o momento único e mágico, em que um educador observa, semeia e cultiva outros mundos.
(Publicado originalmente em habitandootempo.blogspot.com)