Eh, pá! Já sabes o que aconteceu?

Eh, pá! Já sabes o que aconteceu?

É atroz, e tem um poder de fogo aumentado de dia para dia. Começou por ser útil, depois chato e agora leva-nos à agonia. Uma espécie de repositório de coisas feias que toda a gente odeia, e que nos é colocado na frente do nariz de forma quase invasiva, como se de uma endoscopia se tratasse.

Apanha-nos desprevenidos nas ruas, na TV do iPhone, no computador e nessa Meca da perdição que é a televisão. À volta da sala, na cozinha ou na sala de jantar, suga-nos a alegria e agride a alma, impiedosamente, todos os dias, todos os dias, todos os dias. Como os instrumentos de tortura, entra-nos pela mente e pelos ossos. São viscerais na forma como nos atordoam e nos deixam à beira do esgotamento. Podemos esconder-nos dessa máquina tentacular, mas esbarramos nela no trabalho, na escola, no lazer ou no vizinho, quando alguém nos interpela:

- Eh pá! Já sabes o que aconteceu?

E quando damos por isso lá está o demónio, sob a forma do outro, como se os tivesse possuído e estivesse a falar através deles.

Nos EUA, já lhe detectaram há muito as manhas. No país existe uma quantidade absurda de armas de fogo na posse dos cidadãos. Em vários documentários e estudos foi estabelecida uma relação quase directa entre o aumento das armas de fogo e a cultura do medo. E a máquina de tortura é uma das responsáveis: mais medo, mais armas. Mais armas, mais mortes.

A arte e o engenho são tão premeditados que a infantaria vem logo na frente. É o início que mais dói, sob a forma de destaque ou catástrofe de última hora. Uma vez desfeita a alegria de viver, surge depois a fanfarra, lá mais para o fim. Mas nessa altura o torturado já está morto ou a caminho disso.

Como vaticinou Lippman em 1922, é muito eficaz ao mostrar, sem escrutínio, ao que é importante as pessoas estarem atentas. Esta agenda encapotada, que nos guia nas conversas de café ou nas discussões de circunstância, faz-nos hospedeiros de coisas que, se não soubéssemos, não nos tirava quinhão e permitia irmos seguindo em frente.

Como se não bastasse, possui um aliado extraordinário: a própria vítima. Um torturado deprimido, diz a ciência, tem maior propensão para – conscientemente ou não – procurar ver coisas que estão de acordo com o seu mal estar. E a besta trata de lhe dar isso em travessa dourada. Coma, há muito de onde essa veio, Sr. Consumidor.

Ainda por cima tem hora marcada. Maldito telejornal.

(escrito e publicado em 2012, por Francisco Teixeira)

www.franciscoteixeira.com

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