Eleições 2018 e o paradoxo da renovação

Eleições 2018 e o paradoxo da renovação

O termo paradoxo é comumente usado para determinar situações onde há contradição entre o que se estabeleceu como o entendimento comum e a sua oposição em uma perspectiva contrária. Não é a simples negação da primeira, mas uma outra possibilidade, também válida, que a ela se opõe. Pode ser vista como uma contradição em si, mas também pode levar, justamente pela soma de perspectivas, a uma outra compreensão sobre o fato.

Partindo deste entendimento fica-nos fácil rotular o ano eleitoral de 2018 como o mais paradoxal dos últimos tempos na seara política. Após uma sequência de anos onde a tensão assumiu níveis estratosféricos por causa da operação “Lava Jato” e mais uma infinidade de escândalos envolvendo a cúpula do governo e dos principais partidos do país, chegamos a um pleito onde, com novas regras e um flagrante desprezo do eleitorado, partidos, políticos e cidadãos repetirão um mesmo mantra, porém com significado oposto: renovação.

 Ainda impregnados pelo slogan de “ninguém me representa”, a tendência é de que do lado dos despossuídos de mandato, os eleitores, a palavra renovação surja como manifestação do ressentimento e desejo de vingança contra toda classe política - o que dará forças para a figura do “não político”, do “outsider”, bastante vendida nas eleições de 2016. Esta deve continuar sendo a fantasia oficial de vários(as) candidatos(as) que pretendem convencer que, mesmo aspirando um protagonismo político e, na maioria dos casos, sempre tendo participado dos bastidores das estruturas políticas, são “o novo” e não se relacionam com as “velhas estruturas” de poder.

Por parte dos partidos e seus mandatários a palavra renovação ganha uma interpretação diferente daquela que o eleitorado aparenta possuir, pois está fixada na perspectiva da recondução ao mandato. Ou seja, a renovação perseguida pelas legendas e seus filiados é, em sua imensa maioria, não uma troca de personagens nas cadeiras legislativas, mas o aval para a manutenção do mandato daqueles e daquelas que lá já estão. E aqui reside a parte congruente das duas perspectivas: ambos os lados acreditam que somente a renovação, cada um dentro de sua ótica, poderá salvá-los de um futuro trágico.

A população tem demonstrado total fadiga em sua relação com o material político que hoje constitui as estruturas legislativas, e também executivas, do país. O esgarçamento das relações entre mandatários e eleitores aparenta ser irreparável. Tal situação tenderia a apontar para dois cenários: primeiro, um aumento da alienação traduzido em altas taxas de abstenção e votos brancos e nulos; segundo, uma renovação, esta sim no sentido de troca, de todos ou da maioria dos parlamentares brasileiros.

Já os partidos políticos estão em polvorosa pela renovação, aqui no sentido de recondução de seus mandatários, porque com a nova legislação eleitoral e sua “cláusula de desempenho”, se não conseguirem cadeiras na Câmara Federal e um percentual mínimo de votos nos estados muitos partidos, fatalmente os menores, poderão desaparecer. Não eleger deputados federais tirar-lhes-á o acesso ao tempo de TV e ao fundo eleitoral, o que consequentemente enfraquecerá o poder de barganha com os partidos maiores e os matará por inanição.

Sendo assim, pelo racional paradoxal dos partidos, que dependem dos eleitores para permanecer no jogo de poder, mas não podem se deixar nas mãos do povo para isto, o sucesso não virá do atendimento dos anseios de mudança que manifestam nas ruas os/as votantes, mas da renovação dos mandatos que atualmente lhes garantem participação no jogo. Sem a possibilidade do financiamento de empresas e sem bases consolidadas de doadores individuais, os candidatos dependerão, em sua maioria, das verbas partidárias, que sabemos não serão distribuídas de modo equânime entre todos os candidatos. A não ser que a renovação que os eleitores querem ver surja por meio de candidatos(as) com carteiras recheadas de fortunas pessoais para abastecer suas campanhas, a renovação que verão é simplesmente do “mais do mesmo”. Velhas caras com novas maquiagens e dinheiro público cedido a partir de sua proximidade com os dirigentes do partido e, fatalmente, do potencial de votos já demonstrado em eleições passadas.

Neste ano, nem partidos, por medo de ficar de fora dos próximos pleitos, nem mandatários, grande parte por medo de enfrentar, sem foro privilegiado, as cortes da justiça em 2019, poderão prescindir da renovação de seus mandatos.

É comprovado que os eleitores dificilmente votam em quem não conhecem. Assim, reeleger aqueles e aquelas sobre os quais já possuem referência, principalmente num contexto onde se acredita que “são todos iguais e por isto tanto faz”, é, de certo modo, coerente. É bom lembrar também das estratégias de utilização dos “puxadores de voto”, celebridades do entretenimento artístico, esportivo e religioso que se fizeram conhecer e por isto já passam a existir entre as possibilidades consideradas pelos eleitores na hora do voto.

O paradoxo da renovação nas eleições 2018 é construído com doses de ignorância por parte dos eleitores, pragmatismo por parte dos partidos e interesse por parte dos mecanismos de imprensa que agendam e enquadram o cenário onde a população votante será chamada a decidir sobre o tipo de renovação que quererá ver nos parlamentos brasileiros, palácios e, também, nas siglas partidárias a partir de 2019.

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