Eleições

Eleições

Fiquei a pensar domingo das eleições de modo geral. Há dias tenho pensado no cenário político brasileiro, mas também ontem saíram os resultados das eleições do Conselho de Psicologia. Na verdade, há em mim, como em muitas pessoas, uma inquietação preocupante. Uma angústia diante de uma realidade que não nos tem trazido bons sentimentos. É muito difícil para algumas pessoas compreenderem a necessidade de envolvimento político. Quem me conhece sabe que eu sempre disse detestar política. Depois, em 2003 numa reunião do conselho municipal de saúde, meu amigo Flávio Dantas de Araújo (in memória), quase me "sequestrou" para participar das reuniões locais do Conselho de Psicologia em Foz do Iguaçu - Pr. Ele queria me convencer a todo custo da necessidade, da importância de participar. Na época eu nem tinha carro e ele ia me buscar em casa pra que eu não "fugisse." Hoje me lembro saudosa das marcas que este amigo me deixou. Me levou a participar das reuniões da representação local do CRP 08. Reuniões mensais. Conseguíamos uma média de 6 a 10 pessoas presentes (em alguns momentos mais, outros menos) e na época tínhamos cerca de 70 psicólogos em Foz do Iguaçu, se não me falha a memória. Hoje esse número deve passar de 700 na cidade. Uns iam por amizade, outros por solidariedade e outros apareciam também quando alguma preocupação profissional os abatia, quando alguma, decisão ou ação do CFP afetava o seu fazer profissional, outros por alguma curiosidade e também para um contato social. E por muitas vezes nossas reuniões se tornaram agenda de encontro profissional, que facilmente se tornava um encontro de colegas e amigos. Muitos dos meus relacionamentos profissionais e amigos herdei dessas reuniões. Dessa participação. Precisávamos também nos fazer presentes nas discussões locais de políticas públicas e também alguns de nós passaram a compor voluntariamente os conselhos municipais de saúde, de assistência social, da mulher e por aí vai. Tem gente até hoje que não sabe que esses locais existem, simplesmente porque não receberam essa informação de forma compreensível. Não fomos educados a participar ativamente das construções politicas. Eu havia me formado em outro estado e recebi minha carteira profissional no CRP 06 em Bauru - SP. Me lembro que algumas localidades faziam um coquetel de entrega do documento para novos profissionais, mas, estranhos que são, sem muito acolhimento e apresentação formal, podiam entrar e sair sem serem muito notados e significantes,, num ritual beirando a obrigação. E quando vim para Foz do Iguaçu - PR para trabalhar no sistema penitenciário, acabei, numa reunião do conselho de saúde, conhecendo este psicólogo Flávio que me capturou para a participação. Ele precisava de psis. Ele não, a Psicologia precisava resgatar os seus, chamá-los para a construção das políticas públicas de profissão e também para a participação nas polícias de construção social em que a Psicologia também precisava pontuar seu saber e contribuição. Também ficávamos a nos revezar nas representações e suplências, chamando outros pra compor. Me lembro que fiquei anos localmente fazendo reuniões, auxiliando nestas tarefas, pedindo salas emprestadas, organizando cafés filosóficos para estar com pessoas, onde os estudantes de psicologia e pessoas da comunidade podiam participar, para dialogar com elas, para pensar com elas. Depois foram surgindo as faculdades locais de Psicologia e chamávamos os coordenadores de curso e professores a participar. E muitos destes ainda ficavam a discutir se professor de Psicologia precisava pagar anuidade, já que alguns entendiam que ele era contratado como professor e não como psicólogo. Talvez se eles fossem dar aula de culinária não mesmo. Mas aí entra-se na questão legal e moral. Legalmente, nao. Mas moralmente, você tem um compromisso e está falando da sua formação e ciência, estando portando, ativamente exercendo influência que diz respeito ao exercício profissional. Enfim. Era perceptível tamanha ojeriza, tamanha hostilidade e repúdio que tinham do Conselho de Psicologia. Muitos ainda tem. O conselho continua a ser mal-visto por muita gente. Quando você só enxerga que paga tributo e não enxerga retorno ou respaldo, é compreensível que se sinta assim. Assim como ficamos a reclamar de pagar impostos, sem participar dos processos , sem acompanhar quem os elabora, apresenta e aprova. Sem estar lá para entender ou pontuar sua visão. Acreditávamos que a aproximação poderia fazer-lhes mudar de ideia e compreender o funcionamento. Dos conselhos de classe/categoria profissional também. Se você não está lá, deve aceitar ou compreender que estão fazendo por você, porque de algum modo você permite. Hoje, compreendo que as pessoas precisam estar presentes, participando, para poder mudar uma estrutura, para poder transformar uma realidade, em algo que compreendam seu sentidos. Falo desses coletivos. Falo das mudanças sociais necessárias. Foi através dessa participação, que comecei a entender conceitos de universalidade, integralidade e equidade, princípios de base do Sistema único de saúde (SUS) . Entender que havia um lugar onde eram discutidas as necessidades das pessoas, dos grupos sociais, da comunidade e que as demandas apresentadas ali, das propostas apresentadas ali, os participantes tinham uma responsabilidade. As pessoas que participam de fato podem mudar uma realidade. Elas podem votar no que pode ou não ser feito. Elas também podem participar nas sessões da câmara de vereadores, etc. Essa participação política, de forma geral, me fascinou. Ao mesmo tempo que também me decepcionou muito. Desgasta, cansa, angustia. Nem sempre a maioria pensa da mesma forma e tem os mesmos interesses. Entretanto, puder entender que é através dela, dessas estruturas e instituições que a democracia se apresenta. A participação democrática não nos foi ensinada, para além de uma definição no livro de História. A vivência precisa acontecer. É preciso compreender, vivenciar, participar pra ver como elas acontecem. Ainda que você possa escolher não participar mais ativamente pelo desgaste. Mas aí pode entender como o jogo funciona e qual a responsabilidade de cada num neste cenário que temos. E aceitar o resultado, sem imaginar que o outro seja perfeito, pois você também não é.

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outros artigos de Karine Belmont Chaves

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos