Em Relatoria de Marco Aurelio, STF decide que é constitucional reter importados com exigência para pagamento de tributos mediante arbitramento.
O julgado se aplica a todo tipo de exigência de tributos e multas aduaneiras? Entenda o caso:
Nos últimos anos, a jurisprudência majoritária dos tribunais se consolidaram no sentido de que seria ilegal o fisco condicionar a continuidade do despacho aduaneiro ao pagamento de tributos e multas, antes da infracção ser apurada no competente processo administrativo fiscal. Em sessão virtual, a Corte Acompanhou o voto do Relator Ministro Marco Aurelio.
Recentemente, tal discussão chegou ao STF, por meio do Recurso Extraordinario (RE) 1090591, com repercussão geral reconhecida (Tema 1042).
Entenda o Caso: O Recurso Extraordinário foi interposto pela União contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) que entendeu seria ilegal condicionar o despacho aduaneiro de bens importados ao pagamento da diferença de tributos.
No caso, a Receita Federal havia retido as mercadorias importadas por uma empresa de Santa Catarina, com a alegação de subfaturamento (declaração de menor preço da mercadoria para pagamento a menor do tributo), e condicionou sua liberação ao pagamento de multa e tributos complementares ou depósito de caução (garantia) correspondente, antes mesmo da lavratura do auto de infração.
Ao afastar a retenção, o TRF-4 entendeu, entre outros pontos, que a Súmula 323 do Supremo proíbe a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.
O TRF-4, chegou a conclusão de que o meio utilizado foi coercitivo, visto que o fisco apenas inseriu a exigência fiscal no Siscomex e deixou de lavrar o Auto de infração, coagindo o importador a pagar os tributos, sem que lhe fosse oportunizado apurar a efetiva pratica da infração no devido processo legal.
Direitos esses do importador que encontram amparo no art. 744 e 768 do nosso Regulamento Aduaneiro, bem como nos incisos LIV e LV do art. 5º da Constituição Federal.
Não obstante, no RE, a União argumentou que não havia semelhança entre o precedente que originou a Súmula 323 e a situação retratada no processo, tendo afirmado que no presente caso o que estaria em em exame não seria a retenção coercitivo por parte do fisco, mas sim, que o pagamento seria condição para continuidade do despacho aduaneiro de importação.
Houve parecer do Procurador Geral da Republica, afirmando que esse tipo de retenção, conforme consignou o TRF-4, seria ilegal, por violar o devido processo legal e contraditório.
Entretanto, os argumentos da União então foram acolhidos e o Relator Marcos Aurélio acabou consignando ser constitucional condicionar o despacho aduaneiro ao pagamento da diferença de tributos arbitrados pela Autoridade Fiscal.
A decisão do Ministro, teve como fundamento o artigo 571 §1º do Regulamento Aduaneiro que prevê que não será desembaraçada mercadoria cujo exigência de crédito tributário esteja pendente de atendimento. Salvo nas hipóteses autorizadas pelo Ministro de Estado da Fazenda, mediante a prestação de garantia.
Em vista disso, foi fixada a tese de repercussão geral nos seguintes termos: "É constitucional vincular o despacho aduaneiro ao recolhimento de diferença tributária apurada mediante arbitramento da autoridade fiscal".
E a pergunta que fica é: Poderá agora a Receita Federal condicionar a finalização do despacho aduaneiro de importação ao pagamento de qualquer tipo de multa ou tributos?
Acreditamos que não, por dois motivos:
1) A tese fala claramente de diferença de tributos em decorrência de arbitramento, e não de outros tipos de multa administrativas ou diferença de tributos decorrente de outras infrações aduaneiras;
2) O fundamento utilizado pelo ministro para concluir que seria constitucional condicionar o despacho aduaneiro ao pagamento de tributos foi o artigo 570, §1º do Regulamento Aduaneiro. Tal dispositivo, diz respeito apenas a hipótese em que houver exigência fiscal pendente de atendimento. Não contempla as hipóteses em que o importador tiver apresentado Manifestação de Inconformidade e não há mais exigência pedente de atendimento. No caso de apresentação de Manifestação de Inconformidade, o art. 570, §3º do Regulamento Aduaneiro é claro: DEVE o fisco deve efetuar o lançamento do crédito exigido para que a infração sob suspeita seja apurada no devido processo legal.
Nesse contexto, entendemos que tal tese não pode ser aplicada de forma deliberada para todas as hipóteses de exigência fiscal formatada no decorrer do desembaraço aduaneiro pela autoridade fiscal.
De todo modo entendemos que o Relator Marco Aurélio, ao fixar a tese do STF da forma que foi proposta, deixou de esclarecer tais liames. Situação essa que pode levar a interpretações divergentes nos Tribunais.
Em momento algum o Ministro abordou a situação fática de que se seria constitucional condicionar o despacho aduaneiro as hipótese em que o importador apresenta Manifestação de inconformidade em Relação a exigência fiscal que se refere a crédito tributário.
Nessa hipótese, o artigo 570, §3º do Regulamento Aduaneiro obriga o Auditor fiscal a efetuar o lançamento, para que a pratica da infração seja apurada na forma prevista no Decreto nº 70.235 de 72 - que Dispõe sobre o processo administrativo fiscal.
O referido Decreto, NÃO PREVÊ HIPÓTESE DE EXIGÊNCIA DE GARANTIA OU PAGAMENTO DO CRÉDITO antes do fim da efetiva apuração da prática da infração.
Inclusive, a impugnação do Auto de Infração constitui hipótese de suspensão do crédito tributário, por imposição do art. 151, inciso III do CTN. Não cabendo pois a exigência de garantia ou pagamento de multa para liberação da mercadoria.
Uma vez apresentado Manifestação de Incoformidade e, havendo previsão expressa no regulamento aduaneiro que a infração deve ser apurada no devido processo legal e contraditório, interpretação diversa por parte do STF de possibilidade de retenção da mercadoria nessa hipótese, representaria presunção de má-fé do importador, e violação as garantias pétreas constantes dos incisos LIV e LV do art. 5º da nossa Constituição Federal, cujo o Supremo é guardião.
Não obstante, infelizmente diversos tribunais estão mudando seu posicionamento em decorrência da tese fixada por acreditar que ela se aplica a toda e qualquer hipótese de interrupção do despacho aduaneiro onde exista exigência de multa.
Portanto, entendemos que a tese fixada pelo STF, de Relatoria do Ministro Marco Aurélio merece ser melhor esclarecida e cautelosamente analisada pelos tribunais pátrios, visto que a referida tese não abrangeu toda e qualquer hipótese de aplicação de multa e tributos que venham a ocorrer no despacho aduanerio de importação. Além do que, a tese, não abrangeu a hipótese em que o importador apresenta Manifestação de Inconformidade, ocasião em que o fisco está obrigado a lavrar o auto de infração e apurar a efetiva pratica da infração - art. 570, §3º, 744 e 768 do Regulamento Aduaneiro.