EMPODERAMENTO ou DESSERVIÇO?
Nesse período olímpico de 2024, a multinacional Kimberly–Clark, proprietária da marca de absorvente feminino INTIMUS, lançou a campanha “Menstruadas ou não, nada para o nosso progresso”, tendo como protagonista central a judoca brasileira Sarah Menezes.
Convido você para dois ângulos reflexivos sobre esse fato: o primeiro baseado na narrativa convencional das escolas de marketing publicitário que inspiraram a campanha; o segundo baseado em minha vivência no universo feminino como filho de minha mãe, irmão de duas mulheres, pai de duas mulheres, marido de três ex-esposas e de minha atual companheira, além de líder das equipes de trabalho sempre populadas por absoluta maioria feminina há três décadas.
Então, vamos lá!
PRIMEIRO A Vitória Incontestável de Sara Menezes: Um Marco de Empoderamento Feminino
Nesse primeiro ângulo reflexivo, a conquista de Sara Menezes no cenário esportivo brasileiro é uma história de determinação e superação que inspira mulheres em todo o mundo. Em uma competição onde muitos poderiam ver obstáculos, Sara transformou uma situação desafiadora em um símbolo de força e empoderamento.
Sara Menezes alcançou uma vitória sem precedentes ao conquistar uma medalha histórica para o Brasil em um momento que poderia ser considerado desvantajoso: ela estava menstruada. Em vez de permitir que isso fosse um obstáculo, Sara viu sua menstruação como parte de quem ela é, usando-a como uma fonte de determinação e foco. Sua vitória não é apenas um triunfo pessoal, mas também uma mensagem poderosa de que a menstruação não é um impedimento para o progresso.
A vitória de Sara Menezes transcende o esporte. Ela é um símbolo de empoderamento feminino e uma inspiração para atletas em todo o mundo. Sara mostra que é possível desafiar noções preconcebidas e alcançar o sucesso, mesmo enfrentando desafios adicionais. Sua história é um convite para que outras mulheres compartilhem suas conquistas, rompendo barreiras e preconceitos.
A conquista de Sara é um marco importante na luta pela igualdade de gênero no esporte e na vida. Ela ajuda a desconstruir estereótipos e promove uma maior aceitação e inclusão das mulheres no mundo. Sua vitória demonstra que o progresso não deve ser limitado por fatores biológicos, mas sim impulsionado pela determinação e habilidade.
A mensagem de Sara Menezes é clara: menstruadas ou não, nada pode parar o progresso. Ela convida todas as mulheres a se juntarem ao movimento, a desafiarem as barreiras e a celebrarem suas vitórias. Seu exemplo mostra que o verdadeiro empoderamento vem de dentro e que cada desafio pode ser transformado em uma oportunidade de crescimento e realização.
A campanha da Kimberly–Clark, tendo Sara Menezes como principal protagonista, incentiva o caminho para uma nova era de igualdade e inclusão. Sua história é um testemunho do poder da resiliência e da capacidade das mulheres de transformar desafios em conquistas extraordinárias.
SEGUNDO A Publicidade Óbvia e Convencional: Um Desserviço para as Mulheres e para Todos Nós
Defrontar-me com essa campanha, disparou algo em mim com forte sabor de incômodo. É da leitura desse incômodo corporal e emocional que surge a minha segunda onda reflexiva sobre o universo feminino e a forma com que as empresas e os publicitários vem se apropriando de algo muito íntimo a partir de narrativas manipuladoras e que, na grande maioria das vezes, nos afastam de nós mesmos em prol de interesses comerciais nem sempre alinhados com a essência do ser.
Não há dúvida que atletas de alta perfomance são símbolos de performance mas não são necessariamente símbolos de saúde. Aliás, na maioria das vezes, observamos o quanto as exigências do esporte competitivo agridem o corpo, a mente e o coração em prol de resultados. Trazer os padrões de alta performance atlética para o cotidiano de todos nós deve ser feito com muita cautela.
Fazer essa apologia à performance e ainda vincular à igualdade de gênero é ainda mais perigoso. Seria dizer subliminarmente que a judoca brasileira Sarah Menezes poderia arregaçar o Mike Tyson, em última instância. Mesmo menstruada. E ainda incentivar as minhas filhas a fazerem o mesmo!
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Seria essa a bandeira publicitária adequada para o mundo de hoje? Seria esse o posicionamento de marca mais aderente às necessidades humanas? Seria esse o potencializador do valor das mulheres no mundo?
Na minha vivência com tantas mulheres ao longo dos anos, posso afirmar que o período menstrual é uma experiência natural e essencial na vida. No entanto, a menstruação ainda é cercada por estigmas e desafios que afetam o bem-estar físico, emocional e social das mulheres.
Durante o ciclo menstrual, muitas mulheres experimentam sintomas físicos como cólicas, dores de cabeça, fadiga e desconforto geral. Reconhecer e respeitar essas necessidades é fundamental para garantir o bem-estar. Não basta ter acesso a produtos de higiene menstrual, como absorventes, tampões e coletores menstruais, é essencial respeitar as sinalizações do corpo para manter a saúde e a conexão com o significado sagrado desse período. A menstruação tem relação direta com o final de um ciclo fértil que possibilita a vida, para abrir passagem para um novo ciclo.
Além disso, as mudanças hormonais durante o ciclo menstrual podem afetar o humor e as emoções. Respeitar o período menstrual significa oferecer apoio emocional e compreender as variações naturais que ocorrem durante esse tempo. É importante criar um ambiente onde as pessoas se sintam à vontade para expressar suas necessidades sem medo de julgamento ou discriminação. E cá pra nós, muitas empresas não são exemplo de ambiente acolhedor nessa hora, certo?
Diferente do que a campanha do INTIMUS induz, o respeito ao período menstrual é uma manifestação de igualdade de gênero. Ambientes que acomodem as necessidades da mulher nesse período são fundamentais para garantir a presença sadia de todas elas em todos os lugares. Instituições que respeitam e acomodam o ciclo menstrual promovem espaços mais inclusivos e igualitários.
Respeitar o período menstrual é também um impulso à performance pois, mulheres acolhidas nesse período são mais engajadas, criativas e produtivas. Mas para isso, deve-se respeitar o ciclo individual de cada uma que, quando agrupadas, criam um movimento muito sincrônico. Então, é a instituição que deve adaptar-se ao ciclo feminino e não ao contrário.
Isso sim é um passo importante para construir uma sociedade onde todas as pessoas possam viver e prosperar conectadas à si mesmas, com conforto e sem discriminação.
Então, nesse segundo ângulo reflexivo, não dá pra aceitar movimentos publicitários induzindo, de forma irresponsável, uma falsa realidade às mulheres só porque tem que vender absorvente feminino.
Não dá pra absorver mais tanta desumanidade em busca de resultado a qualquer preço. Precisam ser criadas estratégias inteligentes que potencializem a vida íntegra e mantenham as pessoas em um lugar de sanidade.
Então, o que fazer?
Tudo o que escrevi aqui nessa segunda parte do artigo pode parecer uma crítica feroz às instituições empresariais e a muitos executivos que as populam. Pois é! Mas meu intuito não é apenas apontar o dedo pra essa irresponsabilidade pouco criativa da cartilha marqueteira convencional pois, nessa situação, reside uma tremenda oportunidade de inovar e diferenciar-se com sentido e significado social, gerando valor pra marca e lucro para a empresa e seus acionistas. Só que, para isso acontecer, há de se ter auto-crítica ativada e muita coragem para nos desprendermos do convencional e pararmos de aprovar aberrações em forma de campanhas publicitárias. Dá pra fazer diferente aproveitando a potência do nosso assento! Mas é preciso abrir mão dos modelos convencionais de “sucesso” e seus patentes adoecidos. É hora de reintegrar e honrar a nossa essência humana na plenitude. Todos juntos!
E se você sentiu-se tocado(a) por isso, vou adorar conversar contigo.
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