Empresas com "programa de inclusão" que selecionam com base em preconceitos - relatos de uma pessoa não binária.

Tem sido cada vez mais comum empresas dizendo ter criado "programa de inclusão", todavia afirmo sem nenhum receio que grande parte o anuncia por receio de "cancelamento".

As poucas que realmente o fazem, ainda tem pecado na falta de capacitação de seus recrutadores, para que os mesmos, não comentam mesmo que inconscientemente exclusão e preconceito, descartando assim ótimos profissionais por eles não terem o estereótipo "esperado".

 Sempre fui gay assumido e não tinha enfrentando problemas ao passar por processos seletivos, até ser atravessado por duas situações em minha vida:

- A descoberta da minha sorologia do HIV+ em 2018 e e assumi-la - VALE DESTACAR QUE DEMITIR/NÃO CONTRATAR UMA PESSOA POR ELA VIVER COM HIV+, É CRIME!!! (vide cartinha UNAIDS )

- Assumir ser uma pessoa que não condiz com a binaridade de gênero esperado pela sociedade.

Desde então, comecei a enfrentar recusas em processos seletivos mesmo quando eu sabia que era um dos ou até mesmo o melhor(es) qualificado(s) concorrendo a(s) vaga(s). Vale salientar que nunca havia ficado mais de 1 mês sem trabalho, sempre era indicado e ou me candidatava e logo era aprovado e muito bem elogiado, mesmo durante os processos de seleção.

Mas logo após eu retratar esses temas em minhas redes sociais (e aqui, que diga-se de passagem, minhas postagem que antes "bombavam" caíram e muito o nível de interação) e parar de me montar de "homem macho" - não usar unhas, pintadas ou cumpridas, tirar os brincos e anéis, usar terno, estar sempre de cabelo curto - para fazer as seleções e vestir-me de modo mais congruente como me sinto, as recusas começaram.

Acho interessante destacar, que não me marco como pessoa transsexual nos formulários, pois não me reconheço assim (e neles não tem "não binário" ou "gênero fluído", que são alternativas mais próximas a mim) e a expressão ao me ver é de confusão. Sigo a entrevista como se nada acontecesse, e logo tem vindo o "NÃO".

Venho me questionando, como passei de:

"Nossa! Vimos que você é muito bom tanto na parte teórica, como na prática... seu currículo é impressionante e você trabalhou em ótimos lugares...

está contratado!"

para:

"sentimos muito, mas decidimos continuar apenas com os demais candidatos, desejamos sucesso."

Apenas por ter parado de usar terno, usar corte de cabelo social e deixar as unhas crescer.

Recentemente, me candidatei para uma vaga em uma famosa empresa que atua na área de LIBRAS, resolvi testar "meus achismos" e fiz as primeiras partes da entrevista de modo “mais discreto”. Fiz a barba, usei a “típica camisa preta de interpretar” e arrumei o cabelo de modo que não denunciasse que estou deixando-o crescer... fiquei toda a entrevista de mãos abaixadas e fora da câmera, com o objetivo de que minhas unhas não fossem percebidas.

Em meio há muitos elogios e a frase de “todos que estão nesta fase passarão para a próxima, todos o vocês tem um currículo muito bom e o que mais procuramos, muita prática e são atuantes na Comunidade Surda". E lá fui eu para a fase de prática de interpretação, neste momento eu filmaria meu corpo e assim o cabelo e unhas estariam evidentes, minha expressão corporal foi menos masculina, porém com a formalidade que o momento exigia.

E passados 5 dias do prazo que disseram que o resultado sairia veio o e-mail: "sentimos muito, mas decidimos continuar apenas com os demais candidatos, desejamos sucesso". E confirmei o que eu sentia, o profissional não importa! A imagem heterocisnormativa sim!

Fiquei pensando, se eu tivesse preenchido o formulário me afirmando trans, teria chegado até a 3 fase do processo? Teria feito a primeira entrevista? Eu sei que não! Embora a empresa afirme ser aberta a diversidade nas postagens de sua conta aqui no LinkedIn, bem como seus CEO's também fazem postagens neste teor, é apenas uma falácia!

Fiquei triste por não ter sido selecionado por essa empresa, eu a conheço desde seu início, já atuei até em projetos de parceria dela com outras que trabalhei, admiro o potencial que ela tem na área de inclusão de pessoas surdas, mas digo que não me surpreendeu!

GOSTARIA QUE TANTO AS EMPRESAS, QUANTO OS RECRUTADORES DEMAIS PROFISSIONAIS DE RH, fossem mais reais, mais verdadeiros. Se há um desejo de serem mais inclusivos, se capacitem e entendam que o profissional vale mais que outros aspectos que têm os impedido de serem contratados!

Nós temos capacitação, temos formação, temos experiência e podemos contribuir imensamente com suas empresas!