ENTRE ENTRETENIMENTO E ARTE, A LITERATURA

ENTRE ENTRETENIMENTO E ARTE, A LITERATURA


O manifestar de um conceito ou, no dizer de um crítico, “o mesmerizar das massas”? Muito se pode dizer do que a literatura representa hoje; entre esses dois mundos, defensores e detratores se colocam em posições das mais diversas, brandindo argumentos que, no íntimo , pouco impacto tem sobre os que realmente estimam o ato de ler...

A literatura surge, em seu primaz motivo, no retratar de forma mais precisa – ou mais fantasiosa -  o desenvolver das coisas em seu derredor, mesmo que, com o tempo, aqui e ali sofra adições – especialmente se baseada na tradição oral – que podem alterar seu sentido – aí colocamos a Ilíada e a Odisseia, antes narradas oralmente, e, quando transcritas, tinham ainda o espírito de seu criador, o mítico Homero, mas com adendos que em muito agigantaram o que era uma simples narrativa de heróis no que, hoje sabemos , um clássico.

Mas entre os tempos ditos “modernos”, atravessando o medievo e embarcando no Renascimento, vemos uma vertente mais versátil de produção textual , onde os ricos mecenas agora buscam os serviços de gente das letras para , se não exaltá-los em sua personalidade, pelo menos colocá-los como grandes paladinos do belo; recriações de mitos, reflexões acerca da condição do homem – estamos em tempos de humanismo – a literatura ganha força e, sobretudo, identidade. Dos menestréis anônimos passamos aos “poetas laureados”. Era ainda uma busca da “arte pela arte”, a “celebração da beleza”, entre tantos adjetivos mais...

Mas com o estabelecimento dos estudos das primeiras “escolas”, temos em Portugal, com o classicismo e o trovadorismo, o primeiro momento de uma corrente igualmente intensa da literatura: o entretenimento de massa; Gil Vicente e Camões são, dentre estes, os primeiros que viram-se para o mundo do povo, da “arraia miúda” e seu dizer de tantas formas e manifestações; “Os Lusíadas”, em sua alma épica, traz como protagonistas pela primeira vez os marinheiros portugueses, mola mestra da expansão lusa, enquanto Gil Vicente, em seus autos picarescos e fortemente sarcásticos, mostra o quanto a mesma plebe tem a dizer, em sua própria forma de expressão; entretenimento, portanto. Ainda que, no século XVIII, o Arcadismo – tanto em Portugal quanto no Brasil, busque o “reviver do bucolismo clássico”, a literatura de entretenimento chegara para ficar; nada melhor que os “panfletos burlescos” , moda na Lisboa dos sécs. XVII e XVIII, de autoria por muitas vezes anônima – vide o “Arte de Furtar” – ou sob pseudônimo, já estimulavam o leitor, ansioso por mais agitação.

Mas é com o Romantismo – a mais vívida das escolas literárias – que o duelo entre arte e entretenimento se dá muito mais às claras; os grandes autores românticos – cito aqui como exemplos mais explícitos Gustave Flaubert e Joaquim Manuel de Macedo – são, em seu principal, escritores de entretenimento, especialmente Macedo, antenado com o que se passava na Europa e igualmente atento aos interesses dos leitores – sua pena ferina e critica de jornalista merece uma especial atenção – produz o que, na essência, é puro entretenimento - ele sabia o que os leitores – especialmente as leitoras – queriam e desejavam, e suas obras são grande sucesso de vendas, no que ele escrevia “como um operário”, sempre no caminho de produzir mais e melhor – e se aperfeiçoar nessa percepção; Flaubert, no seu turno, digladia-se com o dilema de “escrever o que o leitor espera”, ou “apresentar um novo conceito”; a sua obra “Madame Bovary é o reflexo desse dilema que, em maior amplitude atingirá muitos autores do período; produzir para o leitor ou produzir autodeleite ou “arte pela arte”

Mas é com a Revolução Industrial e o desenvolvimento da produção em massa – que igualmente atinge a indústria gráfica e o pensar editorial, que ocorre uma revisão de conceito; com a sociedade cada vez mais célere –meios de transporte e de comunicação evoluem e se transformam – que vemos a literatura de entretenimento crescer, alavancada especialmente pela revolução causada pela literatura americana, que , liberta das amarras de escolas estrangeiras, desenvolve um estilo próprio, mais ágil e muito mais próximo do exercício coloquial – movimento iniciado por Walt Withman e consolidado por Ambrose Bierce – que fertiliza o terreno para a chamada “literatura de massa”, de forte raiz urbana, de linguagem mais versátil e focada especialmente na simplicidade de estilo e estrutura, mesmo no material – a polpa menos refinada do papel, que permitia produção mais rápida e tiragem idem – que acabou batizando todo um estilo, nascendo daí o que se conhece como “pulp books” ou “pulp fiction”, que será a formação de grandes autores da época, como Edgar Rice Burroughs, Dashiell Hammett, Raymond Chandler e muitos outros, que, com o tempo seriam considerados, com certa ironia, clássicos americanos; mesmo autores fora desse círculo, como F.Scott Fitzgerald e Hemingway, se deixaram influenciar;  nesse ponto, do entretenimento se fez literatura e , por conseguinte, arte.

Hoje, com o o conceito de “Best Seller”, muito se questiona sobre a qualidade da produção literária, da ausência da mestria de estilo, do surpreender textual, mas, se nos colocarmos como observadores mais atentos, veremos que, por mais que tenhamos tantos aspectos a considerar, por exemplo, da competição dos livros físicos com os e-books ou podcasts (o último conceito em literatura) ou plataformas de leitura virtuais (como o Wattpad) a literatura, seja arte ou entretenimento, sempre terá lugar um lugar no mundo...

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