Entre o discurso verde e a lavagem verde: uma lição sobre reputação e responsabilidade
Hoje em dia, temos visto, cada vez mais, um crescente número de empresas com discurso voltado para a sustentabilidade. E isso é ótimo!
No entanto, apesar de algumas empresas investirem em ações reais, que levam em consideração os principais stakeholders, é importante haver alinhamento entre o que se faz e o que se fala, envolvendo os colaboradores (dos diferentes níveis) e toda a cadeia de fornecedores.
Se, por um lado, 46% dos consumidores brasileiros se preocupam com a sustentabilidade e 56% afirmam que pagariam mais em produtos de origem sustentável (dados do relatório Varejo 2024, da companhia de tecnologia de pagamentos Adyen), por outro, esse mesmo público está de olho nas ações e no discurso das empresas.
Existe um termo no mercado, que significa “maquiagem verde” ou “lavagem verde” - é o greenwashing -, utilizado para classificar ações de marcas que criam uma falsa aparência de sustentabilidade, sem necessariamente aplicá-la na prática.
Há cerca de pouco mais de um mês, a empresa Cobasi, que atua na categoria de petshop, foi envolvida em um escândalo e se tornou réu pela morte de 175 animais em duas de suas lojas em Porto Alegre, ocorridas após o alagamento pela enchente que acometeu diversas cidades do RS.
Mas quem é a Cobasi?
Conforme informações divulgadas no site da empresa, a marca se posiciona de forma clara ao divulgar o seu propósito: “Somos movidos por uma razão de ser. Por algo maior que nos motiva todos os dias. O que queremos de verdade é inspirar pessoas a se reconectar com a sua melhor natureza.”
Esse posicionamento é inspirador e transmite uma mensagem profunda. Vamos analisar cada parte da frase em detalhes:
1. "Somos movidos por uma razão de ser": essa frase indica que a empresa possui um propósito maior que o lucro ou a mera satisfação dos clientes. Há uma missão que os motiva a levantar da cama todos os dias e dar o seu melhor. Essa razão de ser está provavelmente relacionada a algo que gera impacto positivo no mundo, seja social, ambiental ou cultural.
2. "Por algo maior que nos motiva todos os dias": essa parte reforça a ideia de que a empresa é guiada por um propósito superior. O dia a dia de trabalho não é apenas uma obrigação, mas sim a oportunidade de contribuir para algo grandioso. Essa paixão e entusiasmo são contagiosos e podem motivar tanto os colaboradores quanto os clientes.
3. "O que queremos de verdade é inspirar pessoas a se reconectar com a sua melhor natureza": essa é a essência do posicionamento. A empresa não busca apenas vender produtos ou serviços, mas sim transformar a vida das pessoas. Acredita-se que todos nós temos um potencial interior incrível, mas que muitas vezes o perdemos de vista devido às pressões da vida moderna. A empresa se propõe a ajudar as pessoas a se reconectarem com sua "melhor natureza", ou seja, com seus valores, talentos e sonhos.
Bom, se realmente fui assertiva na interpretação” de cada trecho, não sei. Mas se talvez não houvesse ocorrido o escândalo envolvendo a marca, poderíamos afirmar que essa seria uma empresa com potencial para se destacar dos seus concorrentes e conquistar um posicionamento privilegiado no mercado.
Aliás, talvez a empresa tivesse uma atitude verdadeira, que honrava tudo o que dizia, até ocorrido o escândalo. Pelo menos é o que nos faz acreditar os diferentes prêmios conquistados até 2022, com destaque para Melhor Petshop de São Paulo (Revista Veja SP) e Petshop Mais Querida na Internet (Prêmio Ebit Melhores do E-commerce).
Diante dessa repercussão, como fica a reputação da marca?
“Leva 20 anos para construir uma reputação e cinco minutos para arruiná-la.” Warren Buffett
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Vamos lembrar que, em abril deste ano, cerca de um mês antes do escândalo envolvendo a Cobasi, a Petz e Cobasi chegaram a um acordo para uma ‘fusão de iguais’, numa operação que cria uma líder inconteste no mercado pet no Brasil.
Segundo pesquisa feita em 2029 pelo grupo AMO Strategic Advisors, a reputação corporativa é o ativo mais importante de uma empresa e equivale a 35,3% de seu valor de mercado.
Ao analisar todas as notícias envolvendo a Cobasi, o nome da Petz não é citado. Mas isso não significa dizer que as ações da companhia em bolsa não sofreram impacto. Pelo contrário, observamos que, desde 08 de maio as ações da Petz vem numa escala decrescente, acumulando mais de 30% de queda no período (dados disponíveis nosite da B3).
É importante ressaltar que a reputação de uma marca não está relacionada diretamente à sua perda de valor, mas o contrário é uma verdade, como podemos observar neste caso em questão.
E agora, o que a Cobasi e a Petz deverão fazer para reverter o problema?
Não existe uma fórmula mágica e não será com apenas uma ação estratégica que apagará a mancha e irá reverter a má reputação da marca Cobasi.
O fato é que a repercussão nas redes sociais da marca é muito negativa. O consumidor tem cobrado respostas da empresa e atacado a marca diretamente, com movimentos de boicote.
Parafraseando Warren Buffett, provavelmente a Cobasi levará mais 20 anos para reconstruir a reputação da marca.
Mas, afinal, de quem foi a responsabilidade direta pela morte dos 175 animais? Quem deu a ordem para que computadores fossem salvos em detrimento dos animais?
Isso é assunto para um próximo artigo.
Artigo escrito por Renata Lucia Muniz
Graduada em Relações Públicas pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), com MBA em Marketing pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Certificação Internacional em Marketing Digital (ESPM) e pós-graduada em ESG e Sustentabilidade Empresarial pela FGV. Sólida carreira desenvolvida em médias e grandes empresas do mercado segurador e de saúde, como Bradesco Seguros, Capemisa Seguradora e Rede D’Or São Luiz, como Gerente de Comunicação e Marketing. Vasta experiência em Gestão de Crise, Comunicação Interna e Corporativa. Na área de Marketing liderou projetos de branding, como reposicionamento e consolidação de marca.