Entrevista sobre a qualidade do ensino de design, realidade de mercado e o perfil do designer de Sergipe.
O designer Rogério Torres dando entrevista na Universidade Tiradentes.

Entrevista sobre a qualidade do ensino de design, realidade de mercado e o perfil do designer de Sergipe.

Você se formou em Design Gráfico na Universidade Tiradentes, na época o único bacharelado da área no estado. Dos anos 2000 para cá, surgiu o curso da Universidade Federal de Sergipe, no qual você foi professor substituto em duas ocasiões. Tendo a visão de alguém que se formou e trabalhou na academia sergipana, qual a sua opinião sobre esta? Acha-a desenvolvida no nível das prestigiadas universidades do país, ou acredita que ainda temos um caminho longo para traçar?


Penso que boa parte da qualidade de um curso superior depende da sintonia e espírito colaborativo entre o corpo docente e discente. Em 2014 o curso de design da UFS recebeu os fiscais do MEC e entrevistaram tanto alunos quanto professores em momentos distintos. Creio que eles perceberam que apesar das reclamações compreensivas dos alunos a respeito dos computadores desatualizados, de mesas de desenho quebradas etc, o clima era de colaboração, respeito e de trabalho sério. Não à toa o MEC deu ao curso de design um respeitoso conceito 4. Em relação aos cursos superiores de design mais antigos e consolidados, creio que não estamos tão distantes assim da realidade deles. O que me faz pensar assim é o fato de termos tantos designers talentosos, saídos da UFS e da Unit, construindo uma carreira promissora em Sergipe e também ocupando cargos importantes em outros estados e países.


Ao analisar o seu portfólio e experiência no mercado de trabalho, podemos observar que você passou por vários campos de atuação ao longo dos anos. Qual a sua opinião a respeito do mercado sergipano para os designers? As condições e as áreas de atuação são suficientes para que os profissionais aqui formados trabalhem ampla ou restritamente?


Pude perceber ao longo dos 19 anos de atuação como designer em Sergipe que temos uma variedade importante de campos de atuação para um designer estagiário ou recém formado. Veja meu caso como exemplo: no segundo período do curso de design gráfico comecei a estagiar numa empresa júnior da Unit, depois fui para um estágio remunerado numa agência de publicidade, em seguida fui parar num outro estágio numa empresa de impressão de outdoors e montagem de luminosos (aprendi a mexer em plotter de recorte e de impressão), depois estagiei na Confederação Brasileira de Futebol (aprendi a publicar matérias no site e a diagramar publicações editoriais) e durante o 4º período do curso, consegui meu primeiro emprego numa agência de publicidade como diretor de arte. Hoje vejo ex-alunos ocupando cargos, como designer, diretor(a) de arte ou ilustrador(a), em empresas desenvolvedoras de games, sites e aplicativos, em fintechs, em agências de publicidade (como sócio ou empregado), em repartições públicas (comunicação ou marketing), montando seus próprios negócios (seja na capital ou no interior), em empresas privadas (grandes lojas, gráficas e escolas) etc. Existe diversidade de oportunidades em Sergipe, porém não há muitas vagas de emprego e sim muitas oportunidades para freelancers, o que torna interessante que o designer aprenda o quanto antes a formar preço, negociar e administrar seu negócio. 


Designers são profissionais antenados às novas tendências, sejam estas nacionais ou internacionais. Em Sergipe, essas referências interferem na nossa identidade ou ainda conseguimos ser originais à nossa própria maneira?


Eu vejo essa questão como algo dinâmico e circunstancial. Há momentos em que o tipo de projeto em que estou envolvido me pede que foque em resolver um problema objetivo de meu cliente, onde poderei me preocupar pouco ou nada com originalidade ou identidade cultural. E existem aqueles trabalhos onde esses aspectos são primordiais e regem as tomadas de decisões do projeto. Exemplo do primeiro caso: no design da embalagem de Farinha Láctea Maratá o cliente foi bem específico em nos pedir que seguíssemos o líder de mercado naquele segmento. Exemplo do segundo caso: a identidade de marca da UFS foi toda construída a partir de pesquisa histórica minuciosa dos signos gráficos que representaram a instituição durante seus 50 anos de existência e de como, porque e por quem o primeiro brasão foi desenhado.


Ainda à respeito da identidade do designer sergipano, quais as características que você consegue identificar como "próprias do designer local"?


O designer sergipano gosta de, sempre que possível, homenagear sua terra usando símbolos da sua cultura (ex: Will Nunes). Faz uso frequente de experimentos gráficos unindo meios de impressão tradicionais ao universo digital (Ex: Gabi Etinger e Bruno Sousa). Tenho percebido um interesse crescente no design de moda e estamparia. Por fim, não poderia deixar de notar a presença constante dos desenhistas de quadrinhos (Ex: Eff e Edson Lima) e de games (Ex: Fabíola Monteiro, Thiago Neuman, Toni Andrade e Yargo Santana), e dos animadores (Ex: Manuel Neto).


Por fim, usando como base a sua própria experiência e também a de colegas de profissão, qual a projeção do designer de Sergipe, nacional e internacionalmente?


Sinto que os designers sergipanos não devem em nada aos designers do restante do país e do mundo. Se temos acesso a uma formação de base de qualidade, o restante construímos com experiências de trabalho, interação com outros colegas e formação contínua, seja ela formal ou não (a internet está cheia de ótimos cursos complementares de 3D, de branding, de estamparia, de UX etc). Posso citar os casos do colega Will Nunes que está trabalhando em cargos de destaque em São Paulo (Future Brand, Pande e Superunion), do Eric Hazz que passou por SP e agora está na Irlanda (SunsetDDB, JWT, Good Monster), Bruno Pinheiro que passou pela Lumen Games de Aracaju e também foi para a Irlanda (McGowans) e Ricardo Jost que está no Canadá fazendo desenhos animados 3D para a Sony Pictures. Existem os que moram em Aracaju e prestam serviço para todos os cantos do mundo, principalmente ilustradores como a Fabíola Monteiro, Natã Alcantara, Thiago Neuman, entre outros. Eu mesmo já fiz trabalhos para vários estados brasileiros e para Luanda, na África, Nova Zelândia e Nova York. Percebo ainda, pelos feedbacks que recebo nas redes sociais, principalmente pelo Behance e Instagram, que designers de todo o mundo apreciam o design sergipano e isso me deixa muito orgulhoso.

Sandro Ferreira

Designer de marcas / Bacharel em Design Gráfico

4 a

Muito bom, meu querido. Feliz oportunidade de compartilhar sua visão e experiência. Bem como exemplificou na questão da formação ali na entrevista, o mercado também se faz justamente da sintonia entre os seus componentes. E, a capacitação ininterrupta, o saber se posicionar tecnicamente e o valor além da precificação, são justamente os principais desafios. Precisamos realmente falar mais sobre isso. Parabéns.

Joselito Miranda

Diretor da ArtNer Comunicação, editora de livros e revistas. Editor da revista Negócios, Empreendedorismo e Inovação

4 a

Há um abismo entre o ensino e o mercado. Os alunos, futuros designers, saem do curso muito bem em criatividade, porém, pecam demais no quesito técnico. Lidei muito com isso quando fui produtor gráfico de editora e recebia material gráfico dos 'designers' formados nas faculdades.

Valmir Alves

Psicólogo, Professor e Supervisor

4 a

Parabéns, meu nobre. Sou teu fã.

Esse cara é diferenciado!

Parabéns Rogério, Grande Mestre e Designer.( Pinduca)

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