Equipa de Gestão da Qualidade e Segurança de cuidados: Com muito em que pensar… "fora da caixa"
De facto, a COVID-19 projectou-nos para um novo mundo, no qual a nossa vida pessoal e profissional está a mudar à mesma velocidade da sua transmissibilidade. Diria que estamos a viver um turbilhão de preocupações associadas às incertezas entre os riscos sociais que nunca foram poucos.
Tantas coisas a acontecer em simultâneo. Muitas perdas e, se considerarmos o outro lado, também ganhos inesperados como consequência natural. Mudanças que inevitavelmente nos levam a pensar nas transformações e paradigmas sociais substanciais que estão a ser postos em causa num período de tempo muito curto desta devastação viral sem precedentes.
Mas, para além do vírus, também temos ideias no ar. Devemos acreditar.
É inquestionável o esforço e a mobilização de mentes criativas que tentam espalhar as ideias de solução desafiando massivamente o pensamento e a reflexão coletiva. Não nos faltam exemplos durante o confronto com esta pandemia. Não nos faltam exemplos de pessoas ou modelos sistémicos, ou locais de investigação, planeamento, implementação, controlo e avaliação que estão a ser aplicados em todo o lado, de forma empírica e voluntária, muitas vezes, mas sempre com base na ciência e na orientação técnica. Estamos a falar de ideias que, de alguma forma, surgiram para dar consistência às ações atuais e que, sem dúvida, irão provocar tendências num futuro próximo.
Precisamente nestes últimos dias, os profissionais interessados nos processos de melhoria contínua dos cuidados de saúde estão a ser desafiados a analisar este movimento ultrarrápido de transformação dos modelos assistenciais. Como consequência, a análise das tendências no campo da segurança dos cuidados e na experiência daqueles que utilizam e daqueles que prestam serviços de saúde torna-se inevitável.
Nas crises, pensar, repensar e inovar é crucial.
A gestão da qualidade sempre nos encorajou a pensar o impensável e a considerar ações corretivas, preventivas e inovadoras, mesmo nas situações que decorrem dos imprevistos. Ter em conta, avaliar e gerir todos os riscos evitáveis e estar alerta para a imprevisibilidade dos riscos significa garantir as melhores respostas e a melhor capacidade de reação da organização de saúde em tempos de adversidade.
As pandemias de gripe estão na agenda da saúde pública há muito tempo. Ainda assim, a sobrecarga da procura de serviços associada a um surto de doença infecciosa expõe invariavelmente processos que já estavam a falhar na fase de não surto. Como os hospitais de muitos países operam rotineiramente perto das suas capacidades máximas, a dificuldade em gerir o aumento do fluxo de doentes e o aumento inesperado da procura de fatores de produção, materiais e equipamento médicos necessários nestas circunstâncias é enorme. E, de facto, neste ponto, é muito mais significativo para os hospitais que não se prepararam para tal contingência, para aqueles que não conceberam ou previram cenários desta magnitude e não estabeleceram políticas e protocolos para os problemas daí decorrentes.
Um aspeto emblemático para este momento é a disponibilidade de ventiladores mecânicos, que envolve uma determinação complexa dos riscos clínicos do doente e da probabilidade de recuperação. Outro exemplo de igual importância para a gestão dos riscos clínicos é o equipamento de proteção pessoal necessário para os profissionais da linha da frente dos cuidados hospitalares. Desconsiderando estas questões preditivas, a COVID-19 levantou questões-chave e necessárias sobre se os hospitais afetados neste momento de crise têm planos de contingência/emergência que são recomendados como um dos padrões de qualidade e segurança por qualquer programa de acreditação, ou processos de certificação em todo o mundo. Mais do que isso, se eles os têm e se os planos são atualizados e testados como o esperado. Este contexto sanitário sem precedentes e a rápida propagação do coronavírus exigem que estes planos sejam executados de forma consistente, embora tenham tido de ser ajustados e adaptados no último minuto para se adequarem aos cuidados urgentes da população afetada.
Nesta fase, era de esperar um impacto sensível nos ambientes de cuidados hospitalares e nos seus ambientes relacionais internos e externos. Do mesmo modo, não é surpreendente que modelos específicos de cuidados intensivos ou não intensivos tenham sofrido algum tipo de transformação técnico-operacional. Como resultado das mudanças na prestação de cuidados, a mudança de paradigma na gestão dos serviços tende, de alguma forma, a ocorrer por conta destas questões críticas.
Este tornou-se agora um desafio comum a todos os profissionais da qualidade, desenvolvedores de padrões e organismos de acreditação, como um processo atual de melhoria contínua e inovação. Um desafio que nos permite reconhecer e interagir uns com os outros para pôr em prática os nossos princípios fundamentais de aprender com os erros ou exemplos de sucesso uns dos outros, tendo em conta os processos disruptivos e os que nos empurram para a mudança. Da mesma forma, em geral, os profissionais de qualidade têm a mesma consciência de segurança para gerir as tendências automáticas e sabem como aproveitar a oportunidade que esta história contemporânea está a abrir para um crescimento coletivo.
Na medida que o Coronavírus espalhou-se pelo mundo, as fraquezas e ameaças dos sistemas de saúde a nível internacional, nacional, regional e mesmo individual tornaram-se mais evidentes. Em geral, estes períodos críticos tornaram-se, paradoxalmente, ao longo da história, apropriados para analisar melhor os pontos fortes ou os pontos fracos dos cuidados prestados às populações.
Neste contexto, o médico americano Joseph Bagley Shumway, Diretor Médico da United Family Healthcare, um dos principais sistemas de saúde privados da China, declarou recentemente uma das lições que aprendeu à luz do surto da COVID-19. Dr. Shumway afirmou que “tendo em conta as novas questões que surgiram, precisamos de abordar a administração de medicamentos de forma diferente e vamos certamente precisar de novos padrões de prestação de cuidados de saúde”.
As considerações dele, no meio da crise global, indicam-nos o quanto a liderança visionária precisa de estar consciente das transformações que estão gradualmente a ocorrer nas nossas atividades atuais e o quanto ainda precisaremos de rever e reavaliar aquilo que estabelecemos como boas práticas em matéria de cuidados de saúde.
Atrevo-me a dizer que o momento é adequado para todos o fazerem, mas, em particular, diria que os grupos de gestão da qualidade dos hospitais beneficiariam-se significativamente com isso. A questão é que o Dr. Shumway apresentou várias sugestões para contribuir para a luta e o controlo da epidemia na China, mas que, de certa forma, influenciaram muitas outras ações globais. A principal lição que daí retiramos é que, ao combater o vírus, ele transmitiu as suas ideias pensando fora da caixa.
Uma das suas propostas interessantes, dentre outras, está o conceito a que chamou “hospitais ou clínicas de contacto mínimo” que é uma amostra das transformações que surgiram com a pandemia. Sem pôr em causa a relação profissional de saúde/médico-doente e sem questionar a soberania médica, o pensamento clínico ou o exame físico, este médico assinalou, simplesmente, a tendência para alterar o conceito de “espera” pelos cuidados hospitalares. A sua preocupação centrou-se nas pessoas que aguardam em espaços específicos, áreas como a receção destas organizações e mesmo em locais de dispensação de medicamentos nas farmácias hospitalares. Na sua análise, minimizar e simplificar o contacto seria uma ação preventiva, entre outras, para reduzir os riscos para os doentes, os profissionais e o público em geral. Com base na lógica deste exemplo, devemos considerar que muitas novas tendências podem surgir como alternativas aos modelos tradicionais de salas de espera em serviços de ambulatórios, bancos de sangue, urgências, laboratórios e mesmo consultórios médicos. Esta possibilidade seria um tema a ser refletido e analisado por todos os profissionais de qualidade. E seria, nomeadamente, um motivo para uma discussão em grupo. E, desta forma, valeria imenso a pena que os grupos de gestão da qualidade e segurança participassem em debates virtuais através dos meios eletrónicos disponíveis para partilhar as experiências dos seus hospitais durante a pandemia.
A troca de informações, nessa altura, é fundamental para que os padrões de boas práticas prevaleçam nos planos e ações das instituições. As metodologias de avaliação de risco devem ser consideradas em qualquer situação, seja ela normal ou no auge de uma calamidade pública. Além disso, só os dados recolhidos, analisados e discutidos podem ajudar-nos a repensar as normas que adotámos até agora e a perceber a sua utilidade para assegurarmos a prestação de cuidados seguros daqui para a frente.
Contudo, a questão agora não é apenas manter ou garantir na prática os padrões existentes de bons cuidados de saúde. Também faz parte da nossa responsabilidade repensar estes padrões e desenvolver novos, se necessário, para que se tornem aceitáveis e aplicáveis em situações adversas e também na normalidade operacional que esperamos que volte em breve.
O desafio é imenso para este momento, de facto, mas é também encorajador para a sustentabilidade e credibilidade dos programas de qualidade e segurança que tanto acreditamos e defendemos. Por isso, tente agendar reuniões semanais de grupos virtuais, abordando reflexões individuais e discutindo projetos em curso. Tente manter-se em contacto de alguma forma.
Mas, por agora, mantenha em segurança o pessoal da linha da frente, salve vidas, fique em casa. E não esqueça de colocar as suas ideias para fora.
Idealmente, pensando fora da caixa.
©Carlos Hiran Goes de Souza, M.D., M.P.H., M.B.A
Gerente de Operações na Organização Nacional de Acreditação - ONA
4 aExcelente reflexão!