Espécies em extinção

Almir Pazzianotto Pinto

                    Operário é profissão em processo de extinção. A frase, ouvida com frequência, não traduz a verdade. Ser operário não é profissão. A expressão genérica se refere ao trabalhador de fábrica, que exerce ocupação manual ou mecânica.

                   Assistimos, nas últimas décadas, ao desaparecimento de ofícios e profissões. A do carroceiro, por exemplo, substituído pelo motorista de caminhão. A do datilógrafo e do linotipista, dando lugar ao digitador. O cortador de cana, conhecido como boia-fria, cuja atividade passou a ser exercida pela máquina colheitadeira. O motociclista terceirizado, substituto do contínuo e do office-boy. Em vias de extinção se encontram os operadores de tornos mecânicos, de prensas, de fresas, de máquinas de soldar, de equipamentos industriais de pintura.

                   “A classe trabalhadora moderna é produto da máquina” escreveu Jürgen Kuczynski. “É o resultado do desenvolvimento da energia produtora. É a criação da máquina, mais exatamente, da ferramenta mecânica. Sem máquinas não haveria classe trabalhadora” (Evolução da Classe Trabalhadora, Edições Guadarrama, Madri, 1967, pág.51).

                   A máquina não pariu apenas a classe trabalhadora. Do mesmo ventre, surgiram a primeira Revolução Industrial, a empresa, o capitalismo, o movimento operário, as organizações sindicais, a luta de classes apregoada pelo Manifesto do Partido Comunista, de Marx e Engels, publicado em Londres no ano de 1848. 

                   A primeira Revolução Industrial, deflagrada na Inglaterra em 1760, chegou ao Brasil após a abolição do trabalho escravo em 13/5/1888, com mais de um século de atraso. Imigrantes italianos, espanhóis, portugueses, desembarcados, em Santos, no final do século 19 e princípio do século 20, trouxeram a mão de obra necessária ao trabalho industrial. Conquanto a economia permanecesse dependente da produção de café, cana-de-açúcar, algodão, surgiam em São Paulo fiações, tecelagens, fundições, oficinas mecânicas.

                   A Segunda Revolução Industrial brasileira resultou da implantação da indústria automotiva, na década de 1950. Trabalhar com Carteira Profissional anotada era a aspiração do jovem que deixava a zona rural para melhorar de vida. Do Norte e do Nordeste, centenas de milhares de famílias afluíram a São Paulo à procura de vaga na indústria, no comércio, na construção civil, em restaurantes, no transporte de passageiros ou de cargas.

                   Durante mais de uma geração o Brasil se beneficiou da economia voltada ao mercado interno. Intercalou, todavia, períodos positivos com anos de estagnação. Simultaneamente, a população crescia em velocidade acelerada. Em 1817, o primeiro censo acusou a existência de 10 milhões de habitantes, número que saltou para 17,4 milhões em 1900; 93 milhões em 1970; 166,7 milhões em 2000 e, hoje, está ao redor de 210 milhões.

                   Prejudicado pela falta de continuidade, o desenvolvimento econômico se revelou incapaz de acompanhar a evolução demográfica. Fome, pobreza, desemprego, falta de habitações e a falência dos sistemas ensino e saúde agravaram a pauta dos problemas brasileiros.

                   O fenômeno da globalização, que marca o final do século passado, não é produto de maligna conspiração chinesa. Resultou do avanço da tecnologia da informação, responsável pelo desaparecimento de dois fatores isolacionistas: espaço e tempo. A internet converteu o planeta em aldeia global. O remoto Oriente tornou-se nosso vizinho. Japão, Coréia do Sul e, sobretudo, a China, nos invadem com produtos competitivos pela qualidade e preço. Compram soja, proteína animal e minério de ferro, mas recebem em dobro nos vendendo produtos industrializados com alto valor agregado.

                   A incapacidade de entender a globalização, como fenômeno geopolítico, com repercussões no mercado de trabalho mundial, se reflete na existência no Brasil de 14,3 milhões de desempregados e de 6 milhões de desalentados.

                   Superada a pandemia, a recuperação da economia e a retomada do crescimento serão lentos e exigirão medidas de combate do desemprego. Não vejo como evitar nova reforma trabalhista, destinada a aliviar custos e implantar segurança ao contrato formal de trabalho, afetado pelo princípio do contrato realidade. Sob todos os aspectos o tema é sensível. Exige, porém, nas atuais circunstâncias, profunda análise por economistas, políticos, magistrados e acadêmicos da esfera do direito do trabalho.

                   Desemprego não é ficção, mas a segunda maior tragédia do século 21.

......................................

Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Correio Braziliense, 8/4/2022, pág.

         

 

 

                    

 

                   

           

Ismar Becker

Conselheiro | Mentor | Administração | Harvard | Insead | Indústria | Gestão | C-Level | Diretor Geral | Palestrante | Cerâmica | Vidro | Mercado Internacional | Gestão Estratégica

3 a

Brilhante texto Ministro. Desde o movimento Ludita ficou claro que é inoquo, prejudicial para a classe trabalhadora tentar frear o evolucao tecnologica. No curto prazo ela pode significar desemprego, mas no medio e longo melhora o nivel de vida do trabalhador. No Brasil temos dois grandes problemas. O primeiro, que o senhor abordou no artigo, é a legislacao trabalhista, grande responsavel pelo desemprego e emprego informal. Os EUA tinham 14% de desemprego em 2019. Hoje tem 6%. Nós contiuamos com 14%. O segundo é a necessidade de investimento da treinamento daqueles que perderam o emprego devido a automatizacao.

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