Estamos copiando ou criando textos?
Foto: Unsplash/Noémi Macavei-Katócz

Estamos copiando ou criando textos?

Testei uma plataforma que trabalha com inteligência artificial para escritores, chamada Clarice (clarice.ai). A ideia é não apenas ajudar a fazer uma revisão básica no texto, mas também auxiliar a escrever melhor. Para quem precisa produzir praticamente um texto por dia, como é a realidade de trabalho de muita gente, talvez minhas percepções sobre essa ferramenta sejam de grande ajuda.

De cara, entendi que existem algumas formas de acessar Clarice. Você pode ter a versão gratuita ou paga, com diferentes níveis de valores e benefícios. Optei pela primeira. Me cadastrei. Funciona, basicamente, assim: você coloca ali um texto e a ferramenta lhe pontua erros (ortográficos, de concordância, hífen, pontuação). Achei ótimo. Um bom trabalho de revisão. Mas também aponta repetição de palavras e opina se o texto está claro e original. E mais: se tem força. Como avalia isso? Pelo tamanho das frases – as longas tornam sua narrativa fraca, assim como a repetição das palavras. Julga também o uso excessivo de advérbios e adjetivos, o que não é considerado interessante. Cada uma das observações pode ser acatada ou não. E conforme se usa a ferramenta, ela reconhece mais e mais seu estilo. Acredito que, com o tempo, talvez aquilo que antes via como um problema pode até ser percebido como estilo. Não sei.

O que achei

As correções ortográficas e gramaticais são algo incrível. É comum, quando se escreve, depois de várias leituras, simplesmente passar por cima de erros. Por isso, a leitura do outro ajuda a pegar uma e outra coisinha. E nisso Clarice é exemplar.

Vivo caçando palavras repetidas nas minhas composições. E ela mostra tudinho. Chega a ser até mesmo implacável. Sou mais flexível do que a ferramenta. Mas, neste ponto, vi o primeiro problema. Usar a mesma palavra mais de uma vez não é necessariamente algo imperdoável. Neste momento é que surge a importância da consciência do que se produz. Posso, em alguns trechos, fazer isso para ter certeza de que aquilo está sendo entendido pelo leitor. E ainda como um recurso proposital – e não uma distração. Sim, repeti e era isso mesmo o que desejava. Fiz isso para enfatizar algo e tudo bem.

Mais uma questão: tenho receio de ferramentas que avaliam o texto como uma professora super rígida. Quando se é iniciante, um julgamento baseado em fatores meramente técnicos e pautado nas regras pode ser um golpe pesado para a autoconfiança.

Minha recomendação, então, é que você faça uso de Clarice com equilíbrio. E nunca esquecendo da máxima que insisto em repetir, feito disco quebrado: escrita é sobre relação, uma relação consigo mesma, com o outro e com o mundo (e Clarice certamente não aprovaria a repetição de “relação”. Desculpe, mas para mim ela é necessária).

Técnica X relação

Clarice me fez gastar algumas horas do dia pensando no lado mais sensível da escrita, aquele que não se mede. A porção que carrega a nossa alma. Como avaliar isso? Uma vez, conversando com um cientista da IBM, que trabalhava na época com inteligência artificial, ele afirmou que era isso o que nos diferencia das máquinas: os sentimentos.

Certa vez, em uma entrevista, o guitarrista britânico dos Rolling Stones, Keith Richards, disse que a música é, para ele, igual a uma tela. E um artista não vai conseguir reproduzir a mesma pincelada sempre. Nunca vai ser igual. Quando se faz uma canção ao vivo é um quadro novo que está sendo pintado. Existe a técnica? Sim. Mas também existe o sentir de cada um, inclusive na escrita. Caso contrário, a tendência é que a gente se torne não alguém que cria um texto, mas que copia.

É isso. Use Clarice. Mas com consciência e moderação. Não devemos ser copistas na vida. Seu texto precisa ter a sua alma. E isso é algo que nenhuma tecnologia pode julgar.


Nadezhda Bezerra

Escrevo histórias para empresas e pessoas. Biografias e roteiros audiovisuais.

2 a

É isso! Escrita é relação e relações precisam de equilíbrio, uma ou outra correção, e sempre respeito ao "jeito" do outro.

Samira Moratti

Gestora de conteúdo | Redatora | Estrategista de conteúdo | Copywriter | Ghostwriter | Jornalista | Pesquisadora

2 a

Teu texto me lembrou uma análise que li certa vez sobre o yoast, ferramenta que a gente usa pra otimizar SEO em blog posts e afins. E o texto também alertava sobre o fato de que não dá pra confiar 100% no fator legibilidade indicado pelo yoast, já que por ser gringa a ferramenta não considera toda a riqueza da nossa língua. Ok que a questão a se considerar nesse caso é o objetivo do texto (no mkt, conversão), mas quem escreve também quer colocar um pouco de si e do que se sabe, do seu jeito, sem ser algo padronizado. Outra coisa a refletir é que num contexto em que as pessoas se contentam em tirar conclusões a partir de títulos, ou que têm preguiça de ler textões, faz falta pensar/sugerir/escrever textos com alma, como você sugere. Boa reflexão!

Eduardo Alves

Especialista em LinkedIn | Escritor e Ghostwriter

2 a

Ana, eu agradeço essa reflexão e o seu empenho sempre presente para que a escrita seja lugar de diálogo com a alma. Beijo! Saudade!

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