"Este país que me é tão afeiçoado" - Dom Pedro II e o Império do Brasil

"Este país que me é tão afeiçoado" - Dom Pedro II e o Império do Brasil

Aquela criança de três anos brincava sozinha com cavalos de madeira no imenso salão do Paço (Palácio) Imperial, na cidade do Rio de Janeiro, observada por duas criadas de branco. Quem era ela? O futuro Imperador do Brasil.

Como fazemos um Imperador? Como vinculamos um homem a uma nação e o dotamos de um poder que o separa dos demais? Quem foi e como podemos entender Dom Pedro II, Imperador do Brasil por 49 anos, de julho de 1841 a novembro de 1889? O que ocorreu de importante no seu reinado? Esses são alguns questionamentos da historiadora paulista Lilia Katri Moritz Schwarcz no primoroso livro As Barbas do Imperador, cuja 2ª edição foi publicada em 2016, e sobre o qual discorre esta resenha.

Após a independência do Brasil em 1822, a Monarquia brasileira precisava reforçar o seu espaço de representação na sociedade. Isto foi obtido pela ênfase, no cotidiano, da teatralidade, o uso de símbolos e ritos como parte do alicerce de poder, e da etiqueta, que fundia realidade e representação. O rito mais importante era o da sagração pelos representantes da Igreja. Tão relevante quanto era o conceito da hereditariedade. Havia então um “corpo duplo do rei”, um “deus-homem”, humano, divino e hereditário. O Imperador passou a ser a imagem do poder da Monarquia, uma figura ritual. A etiqueta adquiriu papel central com títulos, cortejos, procissões, manuais de civilidade, pinturas, história e poesia. No concreto, o aparato extraordinário de palácios, joias e carruagens fazia parte da persuasão pelo público da grandeza da Monarquia.

Dom Pedro, cujo nome completo era Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga nasceu na madrugada de 02 de dezembro de 1825, pouco mais de três anos após Dom Pedro I ser aclamado imperador em 1822, com 24 anos. Tinha quatro irmãs mais velhas. A mãe Dona Leopoldina era austríaca, seu avô o Imperador do Império Austro Húngaro Francisco I e tinha como avó uma princesa da dinastia francesa dos Bourbon. Indo para trás, sua genealogia chegava aos reis de Aragão e Castela e aos reis da França.

Na época do seu nascimento, o comércio de escravos centralizado por Portugal havia criado fortes laços entre o Brasil e a África. O Rio de Janeiro tinha 97 mil habitantes, dos quais cerca de 38% eram escravos, 28% africanos. O Brasil era uma Monarquia constitucional e a constituição de 1824 vigorava, nela estando previstos os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, e um quarto poder, o Moderador, exercido por Dom Pedro I, que lhe dava um poder quase absoluto. Em 1825, Dom Pedro I assinou com Portugal o tratado que reconhece a nossa independência, mas nele continuava herdeiro do trono português. Isto criou uma tensão permanente com as elites locais, receosas de uma restauração da antiga condição de colônia ou do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

Um primeiro evento importante na sua vida foi o falecimento da sua mãe, 10 dias depois de completar um ano. Dizem que ela morreu de desgosto, tristeza e ciúmes pelo abandono e casos extraconjugais do marido. Em 1828, seu pai, com 30 anos, consegue uma bela segunda esposa de 16 anos, D. Amélia de Leuchtenberg, princesa da Baviera (Alemanha). Ela cuidou bem dos enteados e teve uma filha com D. Pedro I. Em 1831, há uma crise política em Portugal e seu irmão, D. Miguel, toma o trono do país. Disposto a recuperar a coroa para sua filha com D. Amélia (D. Maria da Gloria), D. Pedro I abdica em favor do filho e volta para Portugal, deixando tanto D. Pedro – com pouco mais de cinco anos - como as irmãs que sobreviveram à primeira infância, D. Januária e D. Francisca, nas mãos do tutor José Bonifácio de Andrada e Silva. Uma regência se instala no Brasil.

Com a saída do pai, Dom Pedro, que tinha muito da aparência e do jeito da família austríaca da mãe – olhos azuis, cabelo liso e aloirado, queixo longo – rapidamente se transformou em uma “Instituição Nacional”, símbolo de monarca "genuinamente brasileiro”. No Paço é uma criança superprotegida por três pessoas e suas equipes: a camareira-mor, que cuidava da gestão do cotidiano; o mordomo-mor Paulo Barbosa, responsável pelas finanças e pelos rituais oficiais que incluíam as crianças e por Aureliano Coutinho, que exercia uma espécie de professorado político sobre elas. As regras eram estritas: Dom Pedro passava os dias com os criados e professores, só encontrava as irmãs uma hora por dia e estudava escrita, aritmética, geografia, desenho, francês, inglês, música e dança.

Com a morte do pai devido à tuberculose em 24 de setembro de 1834, com 35 11/12 meses, no mesmo quarto onde nasceu no Palácio de Queluz, na cidade de Sintra em Portugal, a questão da tutoria volta à cena, e a regência não deixa a viúva de D. Pedro I, D. Amélia, intervir. As crianças continuam com tutores brasileiros. Ela requisitou o seu reconhecimento como membro da Casa Imperial Brasileira, mas temendo a sua interferência nos assuntos do país e sobre “o monarca da nação”, teve o seu pedido negado, e não lhe concederam uma pensão. A sua situação só mudou em 1841 quando D. Pedro ascendeu ao trono, quando tudo lhe é concedido. Conforme D. Pedro cresce aumentam os retratos oficiais, veiculados no Brasil e no exterior, nos quais aparece com expressão amadurecida e responsável, serena, impassível, pacata e cercado pelos símbolos do seu reinado (a coroa e os brasões) e do país (palmeiras, abacaxis, cacau e café). Havia uma ansiedade de que ele não tivesse os mesmos arroubos e voluntarismos do pai, e a “má imagem” de aventureiro da qual o pai não conseguiu se desvencilhar.

Pela constituição, Pedro de Alcântara deveria ascender ao trono em 1843, com dezoito anos. Contudo, em função das várias iniciativas separatistas e rebeliões – 1835 Cabanagem (Pará), Farroupilha (Rio Grande do Sul), Malês (Bahia); 1837 Sabinada (Bahia) – e das brigas políticas, a sua ascensão passou a ser vista como essencial para a unidade da nação. Iniciou-se um movimento político chamado “quero já”, e dele decorrente D. Pedro foi consagrado Imperador no dia 18 de julho de 1841, com 15 7/12 anos. O espetáculo foi napoleônico, com nove dias de festividades para iniciar o novo reinado, de um monarca genuinamente brasileiro. A sagração recuperou os mais requintados rituais das Monarquias europeias. D. Pedro vestiu o traje de Francisco I, o avô Imperador do Império Austro-Húngaro e a espada de seu pai, com uma cruz teutônica enriquecida de brilhantes. Recebeu o título de: “D. Pedro II, Imperador Constitucional do Brasil, por Graça de Deus e Unânime Aclamação dos Povos”. Coroado e sagrado em um país miscigenado, ele era ao mesmo tempo o “pai dos brancos” e um Rei entre outros Reis e divindades africanas, importados com os escravos reis em suas tribos. Diz-se que na proclamação da independência José Bonifácio preferiu o título de “Imperador” ao de “Rei” por aquele ser mais conhecido e amado pelo povo, que cultuava o Espírito Santo na festa do Imperador do Divino. Mas não foi somente isto. Conceitualmente, Império e Reinado diferenciam-se pelo primeiro ter uma extensão territorial bem maior, e pelo Imperador governar outros povos, fatores que existiam na época de D. Pedro II: o Brasil era um país continental e vários povos habitavam o país.

O reinado de D. Pedro II pode ser dividido em três partes. A primeira vai de 1841 a 1864. Coroado e com 16 anos, tinha que casar, e casamentos imperiais são “questão de Estado”. Antes mesmo da sua sagração, em 1840, um alto funcionário da corte chamado Bento Silva Lisboa foi enviado à Viena para conseguir “uma Habsburgo não comprometida” ou uma outra princesa da alta realeza. Isto não foi possível. O Brasil era visto como um Império longínquo, desconhecido, isolado e pobre, e Bento Lisboa teve que se contentar com a proposta de Fernando II, Rei das Duas Sicílias (cuja capital era Napoli e que compreendia 37% do território da Itália atual), de casar a sua filha D. Teresa Cristina Maria com D. Pedro II e seu filho conde d’Áquila com uma das suas irmãs, D. Januária. A única foto que o Imperador recebeu da princesa não correspondia a realidade. Comum na época, o casamento foi realizado por procuração em Napoli em maio de 1843, e em seguida D. Teresa Cristina enfrentou uma viagem de oitenta dias para o Brasil. Ao vê-la D. Pedro II levou um choque: ela era feia. Ele chorou. Apesar de tudo tiveram quatro filhos, duas meninas e dois meninos. Os meninos morreram crianças e a Princesa Isabel, casada em 15 de outubro de 1864 (com 17 anos) com Gastão d’Orléans, o Conde D’Eu, neto de Luis Felipe I, Rei da França, tornou-se a herdeira do trono brasileiro. Ela foi a regente nas três vezes em que o Imperador viajou para o exterior.

A primeira parte do reinado centrou-se na consolidação da Monarquia e na manutenção da unidade do Brasil. As rebeliões foram sufocadas, ele terminou os seus estudos, amadureceu e começou a viajar para se “apoderar” do seu território, “ver e ser visto”. Em 1845 visitou as províncias de Santa Catarina, São Paulo e Rio Grande do Sul. Em 1847 visitou o interior do Rio de Janeiro. A partir de 1845, com 19 anos, a situação econômica do Império começou a mudar com a alta do café no mercado internacional e mais estabilidade interna. Dom Pedro II vive um bom momento, ao contrário das suas irmãs. Em 1848 uma onda de revoluções assolou a Europa. Na França a Monarquia foi deposta em fevereiro, e D. Francisca, casada com o filho do rei, Luís Felipe de Orléans, foi obrigada a exilar-se na Inglaterra. No mesmo ano, D. Januária escapou por pouco de Nápoles quando da invasão do reino das Duas Sicílias por Garibaldi, nas lutas que levaram a unificação da Itália, exilando-se primeiro em Roma e depois na França.

No final da década de 1840 havia questões que precisavam ser tratadas de forma coordenada. O tráfico de escravos, a estrutura agrária (com a propriedade sendo definida pela posse), o incentivo à imigração, a necessidade de regular as atividades comerciais e a necessidade de proteger melhor a Monarquia.

Na questão escravocrata, em 1807 a Inglaterra proibiu a escravidão nos seus domínios e começou a trabalhar para aboli-la nos Estados sob a sua influência. Assinou três tratados com Portugal, em 1810, 1815 e 1817, nenhum honrado. Quando o Brasil se torna independente a Inglaterra começa a pressão pela abolição do tráfico, sem resultado imediato. Em 1845, é votada no Parlamento Inglês a Lei Bill Aberdeen, que garante à marinha britânica o direito de apreender navios negreiros. Vários com destino ao Brasil foram apreendidos e a pressão aumentava ano a ano. Como consequência, a Lei Eusébio de Queirós, proibindo o tráfico de escravos, foi aprovada em setembro de 1850. Poucos dias depois aprovou-se a Lei de Terras, que organizou a formalização da propriedade das terras produtivas no país e estabeleceu que toda a terra não utilizada ou cuidada pertenceria ao Estado, que se tornou o principal proprietário das terras do Brasil. Estas duas ações, a proibição do tráfico e a Lei de Terras contrariaram interesses de setores poderosos na economia e na política. Por precaução, houve uma reorganização da Guarda Nacional, com uma aristocratização do seu comando. Criada no contexto da abdicação de Dom Pedro I, para proteger o Brasil de tentativas de restauração patrocinadas pelo exército, na época com posicionamento dúbio em relação à independência, a Guarda Nacional tinha mais de 500 mil homens, todos eleitores, ou seja, indivíduos com a renda mínima requerida. Ela protegia as instituições vigentes, e era maior do que o exército, que contava com cerca de 15.000 mil homens. Também em 1850 é publicado o primeiro Código Comercial, que regulou as atividades comerciais no país, a figura do comerciante, estabeleceu garantias para a realização das operações comerciais e instituiu um aparato burocrático exclusivo para as causas mercantis, os tribunais e juízos comerciais.

Na década de 1850, o desenvolvimento economia gerou a necessidade de mais infraestrutura, e a maior arrecadação do governo desde 1845 possibilitou investimentos públicos. A cidade do Rio de Janeiro foi modernizada tendo como modelo Paris. Entre 1854 a 1858 estabeleceram-se as primeiras linhas telegráficas, as primeiras estradas de ferro, linhas de navegação, o calçamento de paralelepípedo, a iluminação a gás, bondes de tração animal e mais escolas foram construídas. O Rua do Ouvidor tornou-se o símbolo da nova era, e pretendia emular os melhores bulevares parisienses, com a inauguração de modistas francesas, floristas, joalheiros e charuteiros. O Rio de Janeiro tornou-se o polo centralizador e difusor de costumes, divulgando os melhores hábitos de civilidade baseada no ideal europeu francês e em alguns casos inglês. Alfaiates gauleses, dentistas americanos, maquinistas ingleses, médicos alemães e relojoeiros suíços instalaram-se na cidade. Na produção cultural teatros, bailes e serões tornaram-se as ocupações da corte, embora a presença do Imperador não fosse frequente, pois o seu “reinado social” terminou cedo, com ele tornando-se avesso a estas atividades. D. Pedro II e a família jantavam às 17:00 para dormir às 21h:00.

Apesar de “dar o tom”, na época a população urbana do Império representava cerca de 10% dos habitantes do país. No ambiente rural esta foi a época dos grandes fazendeiros, que erguiam no campo residências imensas onde passavam parte do ano. São nestes anos que o Império começou a financiar a imigração europeia, procurando tanto prover as fazendas de café de trabalhadores como “branquear” a população. Em 1849 o Rio de Janeiro tinha 250 mil habitantes, dos quais 110 mil eram escravos, 44% do total.

Nesta década, no ordenamento institucional, com D. Pedro II entre 25 e 35 anos, o país era governado por uma pequena elite homogênea em termos de ideologia e formação. O Conselho de Estado era o “cérebro da Monarquia”, o principal órgão decisório do Império, tendo dois partidos, o Conservador e o Liberal, alternando-se no poder. Somente 16% da população era alfabetizada, e os melhores alunos estudavam medicina no Rio de Janeiro ou na Bahia e direito em Coimbra, São Paulo ou Olinda. Na constituição estava previsto o “Poder Moderador”, absoluto, de competência do Imperador. Com o tempo, com a consolidação do Império, ele passou a utilizá-lo mais, o que o tornou o “fiel da balança” na política, reinando e governando de fato. Em 1856, escreve que lhe faltavam duas grandes obras: “organizar moralmente a nacionalidade e formar uma elite”.

Desde a independência uma questão estratégica impunha-se: criar uma identidade, uma memória e uma cultura. D. Pedro I criou em 1827 duas faculdades de direito, uma em São Paulo e outra em Olinda, e em 1830 as escolas de medicina do Rio de Janeiro e da Bahia. Em 1838, durante a regência, para impulsionar “as letras brasileiras” e baseado no “Institut Historique de Paris” fundou-se o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). O IHGB pretendia dar autonomia cultural ao Brasil, “não deixar mais ao gênio especulador dos estrangeiros a tarefa de escrever a nossa história”, “fundar uma nacionalidade” e uma cultura “genuinamente nacional”. Dom Pedro II interessou-se vivamente por este Instituto, presidindo 506 sessões no Paço Imperial, normalmente aos domingos, entre dezembro de 1849 e novembro de 1889, empenhando-se crescentemente em imprimir um “nítido caráter brasileiro” à nossa cultura. Por meio do Instituto financiaram-se e auxiliaram-se poetas, músicos, pintores e cientistas, e D. Pedro II adquiriu a imagem de mecenas, de sábio imperador. No IHGB, ele congregou um grupo de escritores que procuravam promover a autonomia da literatura brasileira em um movimento nacionalista. Isto foi feito, com a produção de obras importantes como “A Confederação dos Tamoios” e do belo I-Juca-Pirama de Gonçalves Dias [“E à noite nas tabas, se alguém duvidava / do que ele contava, / Dizia prudente: - Meninos eu vi!”]. Por sua vez, José de Alencar publicou “Iracema”, livro que representa o nascimento do Brasil (anagrama de América) e em 1857 “O Guarani”, com os famosos indígenas Peri e Ceci. Em 1870, estreia no Scala de Milão a ópera “O Guarani”, de Carlos Gomes, baseada no romance de José de Alencar. Nestas obras de cunho indianista o indígena é apresentado como símbolo nacional, modelo nobre, ainda que perdedor, na “gênese do Brasil”. Coligado ao indianismo, a natureza brasileira também tem seu lugar. Se não tínhamos castelos medievais e templos da antiguidade, tínhamos alguns dos maiores rios e vegetação das mais pujantes. Assim, construiu-se uma identidade nacional em uma “Brasiliensium Fusione”, uma fusão de elementos europeus e nacionais.

Por meio do mecenato na Academia Imperial de Belas Artes, fundada em 1826 por D. Pedro I, como resultado da missão francesa que veio ao Brasil em 1816, D. Pedro II cunha uma imagem oficial para o Brasil. Se no período colonial o barroco prevaleceu (com Aleijadinho na escultura e Gregório de Matos na literatura) agora a ênfase é no neoclassicismo, no academicismo e no retratismo, com maior cuidado com os aspectos pedagógicos, curriculares e escolares ligados a pintura. A Academia tornou-se a produtora de todas as imagens oficiais do Império, trazendo para as telas representações em sintonia com a produção literária do IHGB. Pinturas importantes são elaboradas, muitas das quais vimos ou ouvimos falar, como “A primeira missa no Brasil” e “Moema”, de Vítor Meireles de Lima, “Iracema”, de José M. de Medeiros, “O último Tamoio” de Rodolfo Amoedo e uma escultura impressionante, “Índio simbolizando a nação brasileira” de Francisco Manuel Chaves Pinheiro, exposta no Museu Nacional de Belas-Artes no Rio de Janeiro. Nela o índio é Rei e nobre, é o Brasil.

Na linha de valorização do conhecimento, em 25 de março de 1838, D. Pedro II reinaugura no Rio de Janeiro um colégio, batizando-o com o próprio nome. O Colégio Dom Pedro II se transformou na glória do nosso ensino, “símbolo de civilidade” para os que lá estudaram e de “pertencimento a uma elite”. Em 1857, para formar os primeiros músicos e valorizar o canto lírico, é criada a Imperial Academia de Música e a Ópera Nacional. Além da valorização da ciência e das diversas formas de expressão artística, D. Pedro II era poliglota e estudava astronomia, mineração e geologia, tendo junto de si uma biblioteca, um museu, um laboratório de ciências e um observatório astronômico.

Durante a sua vida ele viveu em quatro lugares. O primeiro, já mencionado, foi o antigo Palácio dos Vice-Reis, renomeado Paço [Palácio] Imperial ou Paço da Cidade, localizado em frente ao cais, o lugar ocupado por D. João VI quando chegou ao Brasil. O segundo foi o Paço de São Cristóvão ou Palácio da Boa Vista, localizado no então distante bairro de São Cristóvão, um presente que D. João VI ganhou em 1820 de um comerciante local. O terceiro foi a Fazenda de Santa Cruz, localizada a 60 quilômetros da cidade, onde havia uma famosa escola de música sacra para escravos administrada por jesuítas, o Conservatório de Santa Cruz, que formou orquestras famosas para as festas da corte. Foi nesta fazenda que D. Pedro II passou o verão na sua juventude, até o surgimento do Palácio Imperial de Petrópolis. Este palácio, localizado na “cidade de Pedro”, foi a residência de verão da família imperial, construído a partir de 1843 na Fazenda Córrego Seco, na Serra da Estrela. Administrado pela Casa Imperial, a cidade foi batizada de Petrópolis por sugestão do mordomo Paulo Barbosa: “Lembrei-me de Petersburgo, cidade de Pedro, recorri ao grego e achei a cidade com esse nome no arquipélago, e sendo Imperador D. Pedro, julguei que lhe caberia bem o nome”. No início demorava-se quatro horas para chegar lá, com o tempo foram realizadas melhorias no trajeto e, em 1844, foi inaugurada uma estrada de ferro para a cidade. D. Pedro II passou quarenta verões em Petrópolis, sobretudo após a construção da estrada de ferro.

De 1808 a 1889 foram concedidos cerca de 1400 títulos de nobreza, na hierarquia: Duque, Marquês, Conde, Visconde e Barão. Diferentemente da tradição europeia aqui os títulos não eram hereditários. Foram concedidos por D. João VI 254 títulos, por D. Pedro I 150 títulos e por D. Pedro II cerca de 1000. Conforme a Monarquia se enfraquecia ele passou a dar uso político aos títulos, e no momento da independência havia 387 nobres no Brasil. Normalmente os agraciados eram pessoas ligadas a atividades econômicas, parlamentares, militares, funcionários públicos e profissionais liberais. Cerca de 25% dos nobres confeccionaram brasões de armas. O do Barão de Mauá, o empresário do Império, tinha um escudo no qual figurava uma locomotiva e um navio a vapor, quatro lampiões a gás e uma faixa em latim: “Labor improbus omnia vincit”, que se traduz por “o excesso de esforço tudo vence”. Todos estes títulos foram abolidos em fevereiro de 1891.

Na literatura, o Império foi inundado por obras sobre a “civilidade”, vindas principalmente da França. Sobre a etiqueta foi escrito o “Código do bom-tom”, para a cozinha “O cozinheiro imperial”, para a fala o “Code de la Conversation”. Estas “normas” eram usadas nas festas cívicas e nos feriados nacionais (seis na época) e serviam como instrumentos para homenagear o Imperador e reafirmar a Monarquia. Nas festas populares e religiosas havia um sincretismo cultural, com elementos trazidos pelos escravos africanos, pelos colonos portugueses e dos outros países: danças negras, procissões religiosas, ritos sebastianistas, profanos e coroações de reis negros, como os do “Rei do Congo” e da “Rainha Ginga”. Um rei famoso era o “Rei Obá”, amigo de D. Pedro II, que havia sido um Rei derrotado na África, vendido como escravo no Brasil. Uma festa das mais importantes foi a do Espírito Santo, chamada também de festa do Imperador do Divino, durando mais de uma semana, com um Imperador eleito todo o ano, que podia ser criança ou adulto. Ela ocorre até hoje em várias cidades do Brasil e conta com diversões laicas, cerimônias rituais nas capelas, estandartes e cortejos que param de casa em casa. Uma festa leiga e popular que se tornou tradicional foi a do Carnaval, cujo primeiro desfile ocorreu em 1855 no Rio de Janeiro. Esta festa, cujo nome vem do latim “carna vale” que significa “adeus a carne”, foi recuperada da Idade Média, e até hoje dura os três dias que antecedem a quarta-feira de cinzas.

A segunda parte do reinado de D. Pedro II, o seu ápice, foi de 1864 a 1870 e compreendeu a Guerra do Paraguai. Esta guerra fez parte dos processos de consolidação dos Estados Nacionais do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. O Paraguai queria conquistar terras dos demais países para conseguir uma saída para o mar e consolidar-se como potência regional. Ele iniciou a guerra invadindo o Brasil e depois a Argentina. Estes, depois de intervirem no Uruguai apoiando a facção política aliada, constituíram uma “tríplice aliança” e derrotaram o Paraguai em uma guerra de cinco anos, lutada e sustentada principalmente pelo Brasil. Nela o exército nacional organizou-se e se consolidou, e seria ele que, junto com o Partido Republicano Paulista, derrubaria a Monarquia em 1889. Leia a resenha que escrevi sobre o livro “Maldita Guerra”, sobre o tema, do historiador paulista Francisco Doratioto.

A terceira parte do reinado de D. Pedro II situou-se entre 1870 e a proclamação da República em 1889. Após a Guerra do Paraguai, ele viajou ao exterior. No final de maio de 1871 embarcou para a Europa e o Oriente Médio em viagem de dez meses. Lá encontrou-se com os principais expoentes da cultura e da ciência, visitou escolas, ateliers, museus e instituições. Em Portugal encontrou seus parentes, na Alemanha visitou Wagner, na Bélgica conversou com o Rei Leopoldo II. Foi para a Itália, para a então Palestina e para o Egito. Após esta viagem começa a mostrar os primeiros sinais de cansaço: “As necessidades do governo estão me consumindo todas as forças”. Na sua volta, em 28 de setembro de 1872, foi aprovada a Lei do Ventre Livre, com a oposição dos cafeicultores de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. A Lei garantiu a liberdade para os filhos dos escravos e iniciou o movimento lento, gradual e inexorável rumo à abolição da escravidão.

Em 1876, D. Pedro II faz a segunda viagem ao exterior, imergindo novamente no mundo da cultura e da ciência. Começou pelos Estados Unidos, inaugurou a Exposição Universal na Filadélfia com o Presidente Ulysses S. Grant, portou-se como um “cientista interessado” e conversou com Thomas Edison e Graham Bell. Depois foi para o Canadá, Jerusalém, parte da África e Europa (Alemanha, Dinamarca, Suécia, Noruega, Rússia, Turquia, Grécia, Áustria, Bélgica, Holanda, Suíça e Portugal), por último passou seis semanas em Paris, onde encontra os famosos da época, dentre os quais o escritor Victor Hugo. Desde 1862, pelo seu patrocínio pessoal, o Brasil participava das exposições universais, promovendo a “civilidade” da nação, sua apresentação moderna e cosmopolita, e não a de uma nação agrícola e distante. Com presença tímida em 1867 (Paris) e 1873 (Viena), na Exposição da Filadélfia (1876) e novamente na de Paris (1889) a qualidade dos estandes brasileiros melhorou e mudou de patamar.

Após esta segunda viagem o Imperador começou a de se distanciar, parecendo um “estrangeiro em nossas terras”. Na década de 1880, sem mais interesse, abandonou a “ética da ostentação”, os rituais, as festas, o uso dos trajes majestáticos, deixou de dar manutenção nas residências e carruagens imperiais e viu o movimento republicano crescer sem tomar atitude. Cansado do poder, já um senhor idoso, dormia nas seções do IHGB e em eventos públicos. Várias joias da Imperatriz foram roubadas do Palácio de São Cristóvão em 1882, e apesar de encontrarem os culpados, dois servidores antigos da residência, estes não foram punidos, o que foi visto como um escândalo e “falta de capacidade” de governar. A sua figura institucional diminuía.

Nesta década acentuou-se a questão da escravidão, a grande contradição do seu Império. D. Pedro II favorecia a abolição, tendo pedido o seu fim na “Fala do Trono” de 1867. Contudo, a oposição dos cafeicultores, que tinham um grande poder político e econômico, e a Guerra do Paraguai, adiaram a evolução do assunto. Todos sabiam da importância dos escravos para a economia, baseada na produção agrícola em grandes fazendas, e da necessidade de vencer a Guerra do Paraguai. Assim, somente 35 anos após a aprovação da Lei Eusébio de Queirós (1850), que proibia a entrada de escravos no país, aprovada sob grande pressão da Inglaterra, e 14 anos após a promulgação da Lei do Ventre Livre (1871), foi aprovada em setembro de 1885 a Lei dos Sexagenários, garantindo a liberdade de todos os escravos com mais de 60 anos, obrigados de três a cinco anos de trabalho adicional. Neste momento, as rebeliões e fugas de escravos eram difíceis de controlar e a escravidão havia sido extinta unilateralmente no Ceará e no Amazonas em 1884.

Em 30 de junho de 1887, D. Pedro II embarca para a sua última viagem à Europa, agora por recomendação médica. Passa por Portugal, França, descansa em Baben-Baden (Alemanha) e depois de seis meses vai para a Riviera Italiana, retornando ao Brasil em agosto de 1888. Esta última viagem foi muito criticada no país, realizada em um momento inoportuno, mesmo porque com o Imperador idoso, com olhar perdido e barba branca, a perspectiva de passar o trono para a Princesa Isabel tornava-se cada vez mais provável, e no Brasil patriarcal isto não era bem visto.

Entrementes, a pressão pela abolição total da escravidão aumentava exponencialmente, até que em 13 de maio de 1888, com D. Pedro II em viagem, foi promulgada a Lei Áurea [de ouro, com muito valor e luz] pela Princesa Regente D. Isabel, libertando cerca de 700 mil escravos em uma população estimada de 15 milhões de habitantes. A libertação foi imediata e sem a indenização solicitada pelos proprietários dos escravos, muitos grandes fazendeiros, que deixaram de apoiar a Monarquia. Quando voltou ao Brasil D. Pedro II tinha apoio popular, mas não mais dos antigos aliados, que conspiravam junto ao Partido Republicano (composto majoritariamente por fazendeiros paulistas e cariocas) e pressionavam o exército pela proclamação da República.

O ano de 1889 foi turbulento. Sentindo o perigo, o Império criou uma força paralela ao exército com o objetivo de proteger a Monarquia, que se mostrou inefetiva. D. Pedro II sofreu um atentado a bala na saída de um teatro no Rio de Janeiro em 15 de junho, mas não se feriu. Todos pareciam aguardar a morte do Imperador para declarar o fim da Monarquia, e parte do exército se mostrava eternamente descontente, proibida que era de se manifestar sobre assuntos políticos pela imprensa. Com a pressão do Partido Republicano e de parte do exército, o movimento pela República ganhou força. No dia 15 de novembro o boato da prisão do comandante do exército, General Deodoro da Fonseca, nascido em Alagoas, precipitou os fatos. No Rio de Janeiro o exército prendeu o chefe do gabinete dos ministros e Deodoro ficou de levar ao Imperador, em Petrópolis, a formação de um novo governo, o que nunca ocorreu. Ao final do dia a República foi proclamada. Às 03:00 do dia 16 a família imperial foi comunicada do seu banimento por um telegrama entregue por um major, e na madrugada do dia 17 embarcou no navio Alagoas rumo a Portugal. D. Pedro II não colocou nenhum obstáculo a sua deposição. Ele poderia ter resistido, era Imperador há 49 anos e tinha defensores, mas não quis, acredito que pela idade e exaustão, falta de visão do conjunto e das consequências dos fatos. Ao chegar em Lisboa, em 23 de dezembro, foi informado de que, além de banida, a família imperial teria que liquidar em seis meses todos os bens que tinha no país, e que D. Pedro II teria direito a 5000 contos de ajuda de custo para se estabelecer no exterior. D. Pedro II recusou esta quantia. Morou em Paris a maior parte do tempo, em modestos hotéis e sustentado por amigos. Faleceu em 05 de dezembro de 1891 aos 66 anos de pneumonia no Hotel Bedfort, na rue de l’Arcade, 17, em Paris, hotel que ainda existe. D. Pedro II teve, por decisão do governo francês, um funeral de Chefe de Estado, acompanhado por milhares de pessoas. Na imprensa internacional foi apresentado como “um herói civilizador, injustiçado por sua gente”.

Enquanto isto, no Brasil, nos últimos cinco meses de 1890 leiloaram-se em 2345 lotes todos os bens da Casa Imperial, ao final a preços irrisórios. O novo governo investiu fortemente para reescrever a história e desaparecer com os resquícios da Monarquia.

A família Imperial ficou banida do Brasil até 3 de setembro de 1920, quando “após anos de sentimento de culpa e vergonha” da classe dirigente, o presidente do momento, Artur Bernardes, autorizou a sua volta. Ela foi convidada para os festejos do centenário da independência. A Princesa Isabel não teve condições de voltar, falecendo em 14 de novembro de 1921 na França. O Conde d’Eu tentou, mas faleceu em rota para o Brasil a bordo do navio Massilia, onde estava com o seu filho Pedro, o único que acompanhou os festejos. Apesar da autorização, a República foi protelando a volta do casal Imperial, e os seus restos mortais só vieram para o país em 1939, na presidência de Getúlio Vargas. Eles estão desde 05 de dezembro na Capela Imperial da Catedral de Petrópolis, inaugurada neste dia com a presença do próprio Getúlio, do Cardeal do Rio de Janeiro e do neto Pedro do Imperador.

D. Pedro II pede em um dos seus poemas “a justiça de Deus na voz da História”. Como é de praxe no percurso do nosso país, tudo sob D. Pedro II se funde: as terras do Pau Brasil, a África, os brancos e os negros, a Monarquia europeia e os reis africanos, o catolicismo e divindades dos outros continentes. No Brasil houve um Imperador europeu cercado de terras do novo mundo e reis africanos. Era forte e ainda é o sincretismo religioso, com as divindades africanas e santos católicos ganhando realeza, e o Imperador ares de santidade. Como monarca e aqui nascido esta terra o conquistou. Dom Pedro II tornou-se também produto do meio. Incorporou à vestimenta majestática uma murça (espécie de chapéu quadrangular pequeno e rígido) de penas de papo de tucano, tal qual um cacique, e um manto com ramos de café e tabaco. Sentado na frente dos estandes brasileiros das Exposições Universais exibia a sua coroa ao lado de produtos indígenas e de arte popular. Sem dúvida em ele bem nos representou, este brasileiro verdadeiro.

Pessoalmente, entendo que o conceito de Monarquia está ultrapassado. Mas no mundo de ontem ela foi necessária no Império brasileiro, para conservar a unidade do território e nos colocar no concerto das nações. Tivemos sorte. Ainda hoje a teatralidade e a etiqueta são fundamentais, envelopando os governos, a Igreja, os grandes jantares e parte das pessoas. E o simbolismo, essencial no inconsciente da nação, está tão vivo quanto antes. Se antigamente os Imperadores, Reis e Rainhas faziam parte do inconsciente coletivo da população, hoje eles foram substituídos pelos representantes da política, da cultura, dos esportes. Falando sobre o Brasil, Eduardo Gianetti escreve no livro “Trópicos Utópicos” que “... os gênios universais indiscutíveis são apenas três: Aleijadinho, Machado de Assis e Pelé. O gênio da pedra; o gênio da palavra; o gênio da bola.” Hoje ninguém simboliza melhor em si do que o Pelé tudo o que o Brasil é e pode conquistar como nação. Ele está vivo, e é simbolicamente o Rei do Brasil. Marco da Camino Ancona Lopez Soligo

Marco da Camino Ancona Lopez Soligo

Vice Presidente de Participações na Cemig - Companhia Energética de Minas Gerais

6 a

Jesuino, obrigado pelo incentivo. Sempre! Marco

Jesuino I. Argentino Jr.

Consultor Sênior em Projetos de Educação Continuada

6 a

Marco. Parabéns pela resenha. Valorosa na forma e no conteúdo. Abs.

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