Estratégia de Abordagem no Tratamento da Criança com Câncer Através do Lúdico
Renato Naranjo - Casa Hope

Estratégia de Abordagem no Tratamento da Criança com Câncer Através do Lúdico

Ainda hoje, existe uma grande dificuldade em mensurar resultados em números referentes à cura, recuperação e redução do tempo de tratamento quando se aplica atividades lúdicas em crianças com câncer. Porém, independentemente desses resultados, descaracterizar um tratamento doloroso e depressivo através do lúdico é extremamente necessário para amenizar o sofrimento e renovar as forças na busca pela cura. Sendo uma doença séria que causa problemas que interferem no funcionamento do corpo da criança, os profissionais de saúde devem prestar toda a assistência necessária, não se atendo exclusivamente aos aspectos clínicos. Nesta fase, a doença pode impedir todo o desenvolvimento do indivíduo, comprometendo além dos aspectos fisiológicos, também dimensões psicológicas e sociais.

Este é um momento delicado, explica Albuquerque et al* (2010), pois o impacto do diagnóstico acarreta mudanças psíquicas que podem ter efeitos desastrosos para a recuperação do indivíduo. Criança e familiares podem apresentar desequilíbrios emocionais, insegurança, culpabilidade, medo e sintomas de depressão. O mesmo autor ainda afirma que normalmente os pais podem se sentir desolados, levando meses até assimilar a nova realidade. Neste ponto há a necessidade de uma equipe profissional que auxilie de maneira adequada os familiares, propiciando espaço para acolhimento, troca de informação, motivação e sustentação. E durante todo o tratamento os familiares da criança com câncer precisam dessa equipe dando suporte para que seja possível a superação nos momentos de desestabilização, e permitindo à família superar o impacto inicial, transpondo o período de adaptação e aceitação com maior tranquilidade.

Assim, a cura passa a ser pensada não do ponto de vista da recuperação biológica apenas, mas também do bem estar e qualidade de vida do paciente.

Sikilero* (2010) explica que a doença e hospitalização mobilizam sentimentos diferentes, mas nunca indiferentes nos indivíduos envolvidos. São sentimentos notados e expressos de maneira singular, variando apenas pela proximidade, evolução ou condução destes eventos.

O emocional do paciente pode interferir diretamente no tratamento da doença, portanto, é importante alimentar as esperanças evitando depressões para que a imunidade do paciente não sofra quedas maiores. O lúdico pode apoiar neste processo por meio do brincar.

Françani et al* (1998) afirma que “Ao brincar a criança libera sua capacidade de criar e reinventar o mundo, libera afetividade através do mundo mágico do faz-de-conta e explora seus próprios limites partindo para uma aventura que pode levá-la ao encontro de si mesma.” Tratando-se de crianças hospitalizadas, o brinquedo tem também o valor terapêutico, influenciando no restabelecimento físico e emocional da criança com câncer. Com a dramatização, por exemplo, é possível se comunicar com a criança preparando-a para enfrentar situações novas como, por exemplo, as rotinas ligadas às técnicas empregadas durante a assistência. Com a dramatização o profissional de saúde pode observar se as informações foram ou não assimiladas muito melhor que da forma tradicional, pois as crianças não se expressam, normalmente, espontânea e abertamente sobre o que pensam e sentem com relação ao tratamento. Acrescentamos à dramatização, a ludicidade podendo abordar, inclusive, o conteúdo escolar de cada um para fortalecer o aprendizado por meio do brincar. Através de um bate papo com os professores, pode-se buscar saber o estágio do conteúdo atual aplicado nas aulas e de maneira lúdica enaltecemos o assunto.

A arte do brincar com crianças ou adolescentes em tratamento exige considerar as limitações de cada participante por meio de alguma deficiência permanente ou temporária, por exemplo, pode ocorrer de algumas crianças poderem estar, momentaneamente, com um dreno ou cateter colocado através de um procedimento cirúrgico ou em função do seu tratamento.

Com o tempo e o progresso, as crianças se voluntariaram a contar e encenar suas histórias de vida até os dias atuais. O mais curioso é que contando a própria história e ouvindo as de outros participantes nenhum deles coloca a doença como personagem principal, o que entendemos como uma compreensão do período de tratamento como apenas um período de vida.

Ao aplicar procedimentos lúdicos em paralelo ao tratamento do câncer em crianças, percebe-se que coopera para que se disperse o foco da doença e enfatize no ato de brincar que vão desde “florear” o tratamento passando uma imagem de brincadeira, como por exemplo, ao trocar o nome da quimioterapia por uma “super-fórmula” dos seus heróis preferidos ou mesmo utilizar lenços ou gorros “animados” nos estágios de perda de cabelo, bem como reforçar que esta é apenas uma fase da vida. Porém, no geral, um bom padrão para seguir, é expor à criança a mesma rotina dos “não-doentes” deixando-a viver “normalmente”, respeitando suas limitações para que viva como uma criança mentalmente e emocionalmente saudável. Borges et al* (2008) afirma que metade dos casos de câncer pediátrico ocorre em crianças do nascimento aos 5 anos, e um pouco mais de 25% entre crianças de idade entre 6 a 10 anos.

A hospitalização é, para qualquer idade, um acontecimento traumático. A criança hospitalizada é afastada do seu meio natural e exposta ao confronto com a dor e o sofrimento, assim como limitação física e à passividade, obrigando-a a lidar com sentimentos de culpa, punição e medo da morte. Nestas situações, cujo tratamento é invasivo e doloroso o quadro se intensifica. Desta forma, a utilização de estratégias de adaptação que possam minimizar efeitos negativos, e proporcionando desenvolvimento da aprendizagem em seu repertório comportamental se torna necessário. Atividades lúdicas neste contexto são “catalizadores no processo de recuperação e adaptação da criança hospitalizada, proporcionando-lhe a construção de uma realidade própria e singular, além de expressar sua criatividade e emoção”. Assim, o lúdico seria percebido pela criança e familiares como uma possibilidade de ganhar ou construir algo bom em uma situação totalmente adversa.

O brincar passa a ser compreendido neste contexto como espaço de reabilitação capaz de promover a continuidade do seu desenvolvimento e de permitir que a criança elabore melhor este momento que vive. O brincar também é útil para informar a evolução da doença e seus aspectos, nível de estresse da hospitalização e tratamento. E como dela se utiliza para se expressar também é útil para comunicar necessidades, vontades ou prazeres das crianças. No ambiente hospitalar torna-se fundamental para o universo infantil uma estratégia privilegiada de interação com o meio e do meio para com a criança. Tratando de uma doença não se sabe ao certo quem será vitorioso: pode-se ganhar ou perder. Mas ao tratarmos da pessoa, sempre colheremos bons frutos independentemente do desfecho.

Referências Bibliográficas

ALBUQUERQUE et al, Resiliência e Qualidade de Vida de Mães de Criança com Câncer. Faculdade Psicologia. Universidade Federal da Paraíba, 2010;

BORGES et al, Benefícios de Atividades Lúdicas na Recuperação de Crianças com Câncer. Bol.- Acad. Paul. Psicol. v.28 n.2 São Paulo dez. 2008;

FRANÇANI et al. Prescrição do Dia: Infusão de Alegria. Utilizando a Arte como Instrumento na Assistência à Criança Hospitalizada. Rev. Latino Americana de Enfermagem – v.6 – n.5 – p.27-33 – dez 1998;

SIKILERO, Regina H A Salazar. Ação Lúdico Terapêutica no Hospital de Clínicas de Porto Alegre em Perspectiva Institucional Emancipatória. Tese. Pós Graduação Stricto Sensu do Mestrado em Educação do Centro Universitário La Salle – UNILASALLE 2010.

 Renato Naranjo foi voluntário na Casa Hope em São Paulo e este artigo foi retirado de seu trabalho de conclusão de curso como exigência para obtenção do título de Especialista em Hotelaria Hospitalar pelo Instituto de Ensino e Pesquisa Albert Einstein no ano de 2013.

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