EUA ampliam liderança na produção de petróleo
Os Estados Unidos estão ampliando a liderança na produção mundial de petróleo e esse movimento tende a se acentuar nos próximos anos, o que deve trazer nova dinâmica a um dos setores mais estratégicos da economia mundial, com impacto direto na chamada ‘transição energética’. A expansão da produção americana indica que o setor pode ter um componente mais ‘mercado’, reduzindo o impacto de decisões políticas dos outros dois grandes produtores, Rússia e Arábia Saudita, que por diversas vezes usaram a commodity como ‘arma’ nas suas negociações internacionais.
Outra consequência é que esse movimento acendeu um sinal de alerta de organismos internacionais que acompanham de perto a chamada ‘transição energética’. No final do ano passado, a ONU divulgou um relatório sobre o tema intitulado “Redução ou aumento gradual? Os principais produtores de combustíveis fósseis planejam ainda mais extração, apesar das promessas climáticas”.
O documento foi produzido pelo Instituto Ambiental de Estocolmo (SEI), Climate Analytics, E3G, Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável (IISD) e o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) e mostra a contradição entre as promessas e as ações das grandes petroleiras. E alertam que isso pode comprometer o objetivo de redução de gases de efeito estufa, conforme acordos internacionais negociados nos últimos anos. Segundo o relatório, há cada vez mais evidência dos impactos do ‘efeito estufa’ sobre eventos climáticos adversos.
O aumento na produção americana advém da exploração do chamado shale gas, que é uma ‘nova fronteira’ no setor, que se consolidou nas últimas décadas. A operação se tornou possível devido ao avanço de técnicas de exploração o que tem permitido reduções crescentes nos custos de extração. Isso tem atraído a atenção das grandes empresas do setor, conforme sinalizam os movimentos de algumas das gigantes mundiais no final do ano passado. A Occidental Petroleum anunciou a compra da Crown Rock por US$ 12 bilhões reforçando a produção de gás não convencional nas bacias do Permiano, a maior do país, e de Midland. A aquisição é mais uma da série de consolidações no mercado seguindo-se à outras fusões registradas no ano: Chevron/Hess e Exxon Mobil/Pioneer.
A ‘transição energética’ é um dos temas mais discutidos nos mundos político e econômico e se acentuou após o movimento da Rússia de tentar usar o petróleo como ‘arma’ estratégica para ‘controlar’ a Europa. Os europeus são fortemente dependentes da importação de combustíveis fósseis e passaram a dar prioridade à ‘transição’ investindo pesado em novas tecnologias, tentando se liberar da chantagem russa.
Outras potências mundiais, como China, Japão e Índia também dependem da importação de um produto controlado por poucos países, com fortes ingerências políticas. Assim como a Europa, os asiáticos passaram a investir pesado na ‘transição’, com ênfase em novas tecnologias, especialmente a China. Os três maiores produtores (EUA, Rússia e Arábia Saudita) respondem por cerca de 40% das exportações mundiais e exercem influência relevante nas cotações do produto. De uma certa forma, esses países estão em posição oposta à Europa e aos gigantes asiáticos. Por isso, a transição energética é mais relevante para essas regiões do que para os exportadores de petróleo.
A Venezuela e as oportunidades perdidas
É fato que nas negociações internacionais não há ‘mocinhos’ e ‘bandidos’ e há quase consenso na comunidade científica sobre os efeitos dos gases de efeito estufa sobre o aquecimento da Terra e os efeitos climáticos. Os fortes interesses empresariais dos países, porém, contribuem para um posicionamento mais ou menos favorável à transição energética. Nos Estados Unidos, onde o debate é aberto, há claras divergências entre o atual presidente do país, Joe Biden, e o seu desafiante em novembro, Donald Trump. Biden adotou políticas e mobilizou bilhões de dólares a favor da transição e Trump é um cético dessas soluções.
Os diversos estudos realizados por diferentes entidades deixam antever que a ‘transição energética’ está a caminho, talvez em ritmo mais lento do que defendem os ecologistas, mas o movimento seria uma trajetória sem volta. E mostra como países que deixam de aproveitar oportunidades podem ficar no meio do caminho, sem se beneficiar das tendências em proveito das suas populações.
O exemplo da Venezuela é gritante. O país tem, comprovadamente, as maiores reservas de petróleo do mundo. Mas continua sendo um dos países mais pobres e com baixas perspectivas de tirar proveito dessa riqueza, enquanto ela ainda é vital para o mundo moderno. Por questões de política interna, o país reduziu drasticamente a sua capacidade de produção e nada indica que conseguirá reverter essa situação a curto prazo.
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A estratégia do país de desperdício desse recurso se materializa até nos preços dos combustíveis. O preço da gasolina na Venezuela é o terceiro mais baixo numa amostra de 169 países acompanhados pela plataforma Globalpetrolprices. A gasolina é vendida/doada por apenas US$ 0,04 por litro (menos de R$ 0,10), só ficando acima dos preços praticados no Iran e Líbia, outras ditaduras também grandes produtoras de óleo e que preferem agradar as suas populações com combustível barato. No Brasil, segundo o levantamento da Globalprices, o preço está em torno de US$ 1,15 por litro, colocando o país na 57ª. posição no grupo.
As novas tecnologias podem mudar o jogo
A busca de novas fontes para a transição energética mobilizou também a comunidade científica. Novas soluções estão despontando em vários lugares. Uma das possibilidades mais ansiadas pela comunidade científica é a possibilidade de geração de energia através da fusão nuclear, que poderia liberar a humanidade da dependência do petróleo de forma quase definitiva. Ainda há mais ruído do que resultados nessa busca, mas notícias divulgadas na semana passada podem indicar que a solução pode estar se tornando economicamente viável.
A empresa americana Helion Energy anunciou que, até 2028, vai produzir energia nuclear de fusão. O anúncio foi visto com ceticismo pelo mercado internacional, mas as partes envolvidas no processo sinalizam que a solução pode ser efetivamente implementada. O principal investidor da Helion é Sam Altman, que está por trás do ChatGPT e inteligência artificial. Na outra ponta está a Microsoft, a maior empresa do mundo em valor de mercado e que é parceira de Altman no ChatGPT. Ou seja, não há ingênuos nesse desafio tecnológico.
Esse embate de transição energética e novas tecnologias afeta diversos tipos de empresas e não apenas as grandes petroleiras. Os produtores de matérias-primas, igualmente, podem surfar nessa nova onda e conseguir grandes resultados ou ter grandes decepções. O caso da empresa brasileira Sigma Mineração é exemplar. A empresa é vista como uma das mais promissoras produtoras de lítio do mundo, elemento químico vital para a produção de baterias. A empresa descobriu uma mina a céu aberto em Minas Gerais e conseguiu colocar o projeto em andamento e até abriu o capital na bolsa de valores americana Nasdaq. Tudo isso nos últimos três anos e se deu aderente à forte valorização do lítio com a explosão de carros elétricos, onde a bateria é um dos principais componentes nos custos.
Nos últimos meses, porém, o mercado de carros elétricos enfrenta grandes dificuldades e os preços do lítio despencaram, assim como os preços das ações da Sigma, apontada por diversos analistas como ‘empresa modelo’ em padrões ESG, devido à sua grande preocupação com questões ambientais e sociais. O governo mineiro chegou a declarar que a empresa, devido ao seu efeito multiplicador, seria a ‘salvação’ do Vale do Jequitinhonha, uma das regiões mais pobres de Minas Gerais. Mas, talvez, esse futuro não se materialize como se previa.
O cenário mostra que o mundo vive um momento de intensas transformações e os resultados finais ainda são imprevisíveis. O que fica evidente é que as empresas e os países que não aproveitam as oportunidades podem ter perdas irreversíveis. O caso da Venezuela é exemplar. Mesmo com as maiores reservas de petróleo do mundo, o país vivenciou um êxodo de mais de seis milhões de habitantes nas últimas décadas, apontado como o maior movimento desse tipo de um país que não está em guerra. E hoje tem um dos menores PIBs do mundo e uma das inflações mais elevadas.
O Brasil é apontado como o país melhor posicionado para o mundo que está surgindo por conta da transição energética. Ter o potencial, porém, não é suficiente, conforme a história mostra. O fundamental é saber aproveitar. Caso contrário, as oportunidades passam sem efeitos benéficos para os seus habitantes.
Economista Heterodoxa | Designer Estratégica | Projetos de Impacto Socioambiental | Desenvolvimento Sustentável
8 mEsse cenário tende a mostrar que teremos um lobby grande dos petroleiros nas eleições dos EUA esse ano, certo?