Evitar a estupidez é mais fácil que buscar a genialidade
Na época de colégio, eu passava boa parte das minhas tardes no ginásio da escola praticando esportes ou assistindo outros colegas jogarem.
Eu nunca fui bom no vôlei. Ninguém era bom, na verdade, mas eu era muito ruim. Passava boa parte do tempo assistindo. Comecei a reparar que a maioria dos pontos em uma partida eram erros do time adversário.
O foco do treinador de vôlei estudantil é fazer com que seu time erre menos. Os adolescentes não são ensinados a fazer um saque perfeito, e sim a garantir que a bola não pare na rede ou caia fora da quadra.
Depois de um tempo, descobri que existia um estudo sobre isso. Não no vôlei, mas no tênis. O físico e estatístico Simon Ramo escreveu em 1973 um livro chamado Extraordinary Tennis for the Ordinary Player (Tênis Extraordinário para o Jogador Comum, em tradução livre).
No livro, Ramo divide o jogo em dois tipos. O tênis extraordinário, jogado por profissionais de alto nível, onde cada detalhe faz toda a diferença, e o tênis ordinário, jogado pela maioria dos amadores. Através de suas análises, o pesquisador concluiu que, no tênis profissional, 80% dos pontos são feitos por meio do acerto do jogador; no tênis ordinário, a proporção inverte, e 80% dos pontos são erros do adversário.
A grande sacada do livro é ensinar estratégias práticas e realistas para aumentar o desempenho de jogadores amadores, focando na redução de erros, posicionamento, estratégia de jogo e consistência.
Essa mesma lógica pode ser usada para qualquer habilidade que formos desenvolver. Para as habilidades que não formam o nosso círculo de competência, precisamos ser capazes de evitar a estupidez.
O círculo de competência
Eu não sou nenhum gênio. Sou inteligente em alguns pontos e fico em torno deles. — Tom Watson, fundador da IBM.
Todos nós temos um círculo de competência — uma ou mais áreas em que adquirimos muito conhecimento. O nosso círculo de competência representa o limite do que conhecemos. Podemos até saber que existe algo além, mas ainda não temos pleno domínio.
O conceito foi criado por Charlie Munger e Warren Buffett para descrever a limitação de conhecimento que um investidor tem em relação às empresas na qual investe. Um investidor pode ser capaz de entender o modelo de negócio e avaliar criticamente se uma empresa do varejo é uma boa oportunidade de investimento, mas talvez seja incapaz de fazer o mesmo com uma indústria farmacêutica.
Na vida prática, se você quer ter sucesso, precisa fazer duas coisas. Você precisa ter uma certa quantidade de confiança. E precisa saber o que sabe e o que não sabe. Você precisa conhecer o limite da sua competência. E se você conhece o limite da sua competência, você é um pensador e um investidor muito mais seguro do que se não conhecesse. — Charlie Munger.
A premissa básica por trás do pensamento de Munger e Buffett é a de que, dentro do círculo de competência, nós temos uma vantagem competitiva. Dê 100 milhões de reais a um chef de cozinha, e ele construirá uma rede de restaurantes; dê 100 milhões a um construtor, e ele fundará uma empresa imobiliária. A questão não é qual é o melhor investimento, mas sim que cada um investe no que conhece.
A minha principal estratégia de investimento é em ações, pois eu trabalho com gestão de empresas, e é disso que eu entendo. Não faz sentido eu alocar uma parte significativa do meu patrimônio em imóveis ou criptomoedas, pois não faz parte do meu círculo de competência e a chance de eu cometer uma estupidez é maior.
O mesmo vale para o trabalho. As circunstâncias profissionais me levaram a me tornar um especialista em processos. Hoje, meu repertório me permite ser ousado e me arriscar mais, inclusive tentar algo novo.
No entanto, nas áreas em que meu conhecimento é limitado, evito inventar demais. Se eu preciso trabalhar com algo que ainda não tenho a competência necessária, busco replicar o que já foi feito e gerou resultado enquanto a desenvolvo, com o senso crítico de fazer as devidas adaptações para o contexto em que estou inserido. Nestes casos, a estratégia se inverte e o objetivo é evitar cometer alguma estupidez.
Evitando a estupidez
É notável o quanto de vantagem a longo prazo pessoas como nós obtiveram ao tentar consistentemente não ser estúpidas, em vez de tentar ser muito inteligentes. — Charlie Munger.
Com exceção do nosso pequeno círculo de competência, que devemos buscar sempre a excelência e a inovação, a grande maioria das coisas requer apenas que não sejamos estúpidos.
Eu pratico corrida de rua. Para isso, uma boa alimentação e uma rotina de treinos adequada é muito importante. Eu não sou especialista em nutrição e educação física, então terceirizo essa função para profissionais capacitados. A única coisa que tenho que fazer é seguir o plano deles sem fazer besteira. Pode parecer óbvio, mas quem pratica algum esporte sabe como é fácil ser estúpido.
Evitar a estupidez também nos ajuda a nos libertar da pressão pela perfeição. Um dos motivos da comparação que fazemos com influenciadores digitais na internet ser prejudicial é que comparamos um aspecto de nossas vidas com o melhor aspecto da vida das outras pessoas. A história das outras pessoas devem ser inspirações, não comparações.
Quando você inverte o pensamento e foco em evitar a estupidez, tudo fica mais fácil. Ao invés de querer pesar todas as refeições, foque em evitar comer besteira ou fugir do plano alimentar. Ao invés de querer surpreender seu cliente com uma entrega adicional, foque em cumprir o escopo com excelência. É o famoso básico bem feito.
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O modelo mental para evitar a estupidez
Evitar a estupidez ao invés de buscar a genialidade consiste em aplicar um modelo mental de inversão. Em outras palavras, o objetivo não é acertar diretamente, e sim evitar o erro para acertar. Os principais elementos deste modelo mental são apresentados a seguir.
Redução de erros recorrentes
Assim como o tenista e o jogador de vôlei, ao invés de tentar acertar um saque ou bloqueio perfeito, o que aumenta a chance de erro, busca-se simplesmente não cometer o mesmo erro repetidas vezes, como falhar em uma defesa ou mandar a bola para fora da quadra no ataque.
É importante ressaltar aqui que me refiro apenas aos erros recorrentes. É claro que, no seu processo de desenvolvimento, novos erros serão cometidos. Errar uma vez é parte do processo de aprendizado. Cometer o mesmo erro várias vezes é estupidez.
Simplicidade
É mais fácil ser estúpido quando se complica demais as coisas. Muitas vezes queremos impressionar ou executar uma atividade mais complexa sem o preparo adequado, sendo que bastava fazer o simples bem feito.
Nem sempre fazer as coisas de forma simples é fácil. Pode exigir um grande esforço identificar o que é realmente importante e deixar o não essencial de lado. Simplificar as coisas é uma estratégia eficiente para se evitar a estupidez porque você dedicou um momento para pensar se não havia algo estúpido que precisava ser removido.
Consistência
Warren Buffet é a maior representação mundial do sucesso de uma filosofia de investimentos de longo prazo. No Brasil, temos um exemplo semelhante com Luiz Barsi.
Eles são investidores de sucesso porque, independente do que acontecia com o mundo, foram fiéis às suas estratégias de investimento. Ou seja, foram consistentes com o que se propuseram a fazer.
A consistência, coerência ou firmeza são características importantes para se desenvolver sabedoria. Líderes de negócios que não possuem valores claros e que não executam uma estratégia bem definida são mais suscetíveis à estupidez, pois podem tomar decisões imprecisas ou precipitadas.
Temos vários exemplos de negócios que se tornaram sucessos porque seus fundadores foram consistentes com suas estratégias desde o início. O Nubank, por exemplo, nasceu com a estratégia de oferecer serviços financeiros simples, transparentes e acessíveis, com o apoio da tecnologia para proporcionar uma experiência melhor que os bancos tradicionais. Hoje, o Nubank é um dos maiores bancos da América Latina e ainda se mantém fiel a sua estratégia inicial.
O personagem Michael Scott, da série de televisão The Office, é um ótimo exemplo de como a falta de bom senso e compreensão social pode nos levar a tomar atitudes estúpidas, mesmo que bem intencionadas. Embora a série seja uma sátira do ambiente corporativo, é comum percebermos situações semelhantes no nosso dia a dia, dentro das devidas proporções. Michael poderia ser um ótimo gerente se fizesse o básico bem feito.
Naquilo que compõe o nosso círculo de competência, devemos buscar ser os melhores e, para isso, nos submetemos a um maior risco. Contudo, para todas as outras coisas, é mais fácil evitar a estupidez a tentar ser excelente ou genial.
Evitar a estupidez, conforme apresentado neste artigo, consiste em inverter o pensamento tradicional que temos em relação ao que fazemos. Buscar errar menos ao invés de acertar mais. Fazer o básico bem feito ao invés de surpreender. Ser consistente com nossos valores e estratégias iniciais ao invés de tentar fazer de tudo.
Evitar a estupidez é se lembrar do óbvio, do essencial. É ser paciente e fiel aos seus valores e estratégias. De certa forma, é ter o olhar direcionado para o longo prazo. É como a pessoa que todo dia vai à academia e faz seu treino sabendo que um treino perfeito não vai trazer o resultado que ela quer, mas não falhar por dias, meses e anos, sim.
Evite a estupidez.
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Espero te ver aqui mais vezes e até a próxima!
Analista de Projetos | Gerente de Projetos | Gestão de Projetos
6 mAdorei o artigo. Pra quem tá começando a cozinhar, fazer um arroz com feijão gostoso já é uns 60% do prato.