Evoluindo o conceito de qualidade

Evoluindo o conceito de qualidade

Trabalhar com gestão da qualidade é algo que tenho feito desde sempre. Tentando organizar meu modelo mental e aproveitando para compartilhar um pouco do meu conhecimento, resolvi explicitar algumas ideias. Meu objetivo não é propor uma verdade única - até porque considero que estou longe de ser um guru sobre o assunto - e sim expor um pouco do que sei e contribuir para a construção de novos debates. O texto de hoje é para tentar contextualizar um pouco da história da qualidade. Futuramente vou elaborar algo sobre serviços tecnológicos, tecnologias industriais básicas, transformação digital, conforme os conteúdos vão se encaixando... Vamos lá.

O termo “qualidade” é bastante antigo e tem sofrido evoluções significativas por meio de contribuições teóricas de autores como Deming, Juran, Crosby, Feigenbaum e Ishikawa e também da evolução das teorias administrativas. Em uma definição bastante simplista a norma ABNT ISO 9000:2005 define que qualidade está associada "à capacidade de satisfazer os clientes, não se limitando apenas ao desempenho obtido, mas também ao valor percebido".

Se a percepção de valor é subjetiva ao usuário (que pertence a um local, em um determinado tempo) a definição de qualidade também. Então partindo de uma premissa de path-dependence, para que possamos entender o que priorizamos hoje e o que queremos em um futuro próximo é necessário que se faça uma retomada histórica da definição da qualidade.

Senta que lá vem história....

Bom, no princípio, lá na era feudal, a atividade produtiva era basicamente artesanal e em pequena escala. Os artesãos eram os responsáveis pelo produto e pela qualidade final (pensa nas rendeiras de Bilro aqui de Floripa). No início do século XIX, pautado pela 1ª revolução Industrial - com o aprimoramento das máquinas a vapor, tear mecânicos e toda aquelas tecnologias - a produção começa a ser desenvolvida em ambientes que já se assemelhavam às atuais indústrias. Nessa fase a qualidade passa a ser definida por meio da inspeção manual individual de cada item. A ideia aqui era verificar se algo não estava quebrado ao algo assim. Isso era qualidade.

Com o começo da industrialização em massa, iniciada no século XX - período conhecido como 2ª revolução industrial - impulsionado principalmente pelo modelo de Henry Ford, foi necessária a criação de um novo sistema para inspeção, onde um certo funcionário fiscal era responsável pela verificação de um ou mais atributos do produto a fim de garantir sua qualidade. É neste contexto que surge a racionalização/padronização do trabalho desenvolvida por Taylor, que legitima a função do inspetor de qualidade, delegando a ele a responsabilidade e autoridade pela qualidade dos produtos, por meio da fiscalização das atividades dos funcionários. A qualidade neste período tinha como objetivo obter a igualdade e uniformidade em todos os produtos com ênfase na conformidade. Esta fase prevaleceu (e eu digo que ainda prevalece em muitas industrias) por muitos anos. Observa-se que os atributos já são verificados porém ainda não há uma análise crítica das causas do problema.

Exemplo: eu sou responsável por verificar se todos os biscoitos pretos saem com recheio branco, então eu tenho que ver se tenho preto-branco-preto. De repente eles começam a chegar no pacote: preto-preto-preto. Eu aperto o botão vermelho, paro a produção, corrijo o problema e rezo para que não aconteça de novo...

Dando seguimento a história com o surgimento de novas indústrias, novas exigências dos mercados (tanto nacionais, quanto internacionais! Sim aqui a regulação do mercado já está a todo vapor) e maior necessidade de produtividade, identificou-se na aplicação de fundamentos estatísticos a oportunidade de melhoria na qualidade produzida. Neste período, Deming com base na “Carta de Controle” desenvolvida por Shewhart, iniciou a filosofia do Controle Estatístico do Processo (CEP), demonstrando a importância da observação do processo, mensuração da variabilidade e atuação nas causas de variação como técnica de melhoria contínua da qualidade. Estes métodos estatísticos continuam sendo aplicados até hoje.  

Com a introdução da automação e robótica nas indústrias, iniciada na década de 70, a qualidade está focada em sua própria garantia, onde se criam os “sistemas de qualidade”, responsáveis pelo planejamento, controle, análise, sendo direcionada para solução de problemas. Os quatro principais movimentos que compõe esta era são: a quantificação dos custos da qualidade; controle total da qualidade (TQC); técnicas de confiabilidade e; programa Zero Defeitos de Crosby. Neste período já há uma visualização da qualidade de forma mais ampla, onde entende-se necessário o envolvimento de todas as áreas da empresa para garantir a qualidade do produto. É neste momento que surgem as primeiras normas de sistema de Garantia da Qualidade a nível mundial, que mais tarde, na década de 1980, deram origem às normas internacionais ISO (sim que usamos até hoje).

E hoje?

Toda essa evolução nos traz a fase atual, a era da Gestão da Qualidade Total, tendo a qualidade, não apenas como exigência operacional e sim como estratégia (dentro dos moldes teóricos de Porter, Mintzberg e outros). Imerso nesse contexto a exposição das novas tecnologias da informação está reformulando as formas de produção. Nota-se que a dinâmica de vantagem competitiva desse cenário, já apontada na década de 50 e 60 pela teoria da contingência, está fortemente ligada à capacidade de adaptação e uso das inovações tecnológicas de forma estratégica para atender a necessidades dos seus clientes.

Entendemos que a qualidade, nesse contexto em ascensão (4ª revolução industrial, indústria 4.0, manufatura avançada, dentre outros tantos modelos) será pautada em dados obtidos por meio das tecnologias inseridas nos mais diversos processos produtivos. O uso destes será uma atividade tipicamente indutiva compreendendo análises: descritivas; diagnósticas; preditivas; e prescritivas. Neste cenário a informação e a sua partilha serão fatores diferenciadores para as empresas. Muitos afirmam que “os dados serão o petróleo de futuros negócios” assim a sua análise em tempo real e aprendizagem de máquina criarão valor comercial adicional.

💡 Uma parada para um olhar sistêmico: Percebam que o modelo de indústria modifica a sociedade e evolui o conceito de qualidade. Que modifica a indústria, e a sociedade (...) Um caminho cíclico de desenvolvimento...

Percebam que a "qualidade" tem evoluído porque a percepção do consumidor de "valor" tem se modificado. O desenvolvimento de novas tecnologias (ferramentas, processos, softwares, middleware, app ...) tem permitido que possamos entregar exatamente aquilo que o consumidor deseja. Chego ao fim com uma provocação: podemos dizer que a qualidade que entregamos hoje é superior a que era entregue no século XIX? O que você acha?

Eu como contingente que sou vou lhe responder: depende....

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