Exclusão do ICMS das bases de cálculo do PIS e da COFINS. Será que chegaremos ao fim desta novela jurídico-tributária?
Recentemente, ou melhor, não tão recente assim, como amplamente noticiado, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS nas bases de cálculo das Contribuições ao PIS e a COFINS. Em que pese a tese ser há muito tempo defendida por militantes da área do Direito Tributário, nem sempre esse foi o posicionamento do Poder Judiciário brasileiro.
Neste artigo, tentarei abordar de forma rasa, o histórico jurisprudencial brasileiro recente sobre o tema. E demonstrar que, apesar de decidida a inconstitucionalidade, essa novela ainda não está próxima do capítulo final, posto que a Receita Federal do Brasil ao final de 2018 trouxe certa tensão dramática a essa história com a publicação da Solução de Consulta Interna COSIT n° 13/2018.
Desde longa data, os contribuintes têm recorrido ao Poder Judiciário para questionar a inclusão dos valores correspondentes ao ICMS nas bases de cálculo das Contribuições ao PIS e a COFINS. O tema em diversas oportunidades fora apreciado pelo Tribunais Regionais e Tribunais Superiores (STJ e STF), ora para definir que o ICMS deveria compor as bases de cálculo das contribuições, ora para excluí-lo.
No passado, sob a vigência do antigo ICM e do extinto FINSOCIAL, o Superior Tribunal de Justiça havia firmado tese de que os valores relativos ao ICMS deveriam compor as bases de cálculo do PIS e do FINSOCIAL. Naquela oportunidade, a Corte Superior de Justiça aprovou a publicação do entendimento por meio de súmula, promulgando as súmulas 68 e 94 que enunciavam, respectivamente:
Súmula 68
A parcela relativa ao ICM inclui-se na base de cálculo do PIS.
Súmula 94
A parcela realtiva ao ICMS inclui-se na base de cálculo do FINSOCIAL
Essas teses, a meu sentir, definiram a legalidade da inclusão e prevaleceram por alguns anos. Em 2008, o Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento do Recurso Extraordinário n° 240.785/MG de Relatoria do Ministro Marco Aurélio Melo, em que o objeto era a inconstitucionalidade da inclusão dos valores de ICMS na base de cálculo da COFINS.
Aqui, talvez, começou a discussão sobre a inconstitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS cuja previsão legal tem no critério quantitativo da regra-matriz de incidência tributária, o faturamento.
Nessa oportunidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal passou a sinalizar que reconheceria a inconstitucionalidade da inclusão dos valores relativos ao ICMS na base de cálculo da COFINS. O voto do Ministro Relator Marco Aurélio, inclusive, seria o guia para a decretação de inconstitucionalidade no julgamento do Recurso Extraordinário n° 574.706/PR. Entretanto, o julgamento acabou suspenso em razão da decisão proferida na Ação Declaratória de Constitucionalidade n° 18/DF em que determinou a suspensão do julgamento das ações que envolviam o tema.
Nessa época (2008), concomitantemente, a Ministra Cármen Lúcia proferiu decisão reconhecendo a repercussão geral do tema no Recurso Extraordinário n° 574.706/PR, o qual seria, no futuro, o leading case que encerraria, teoricamente, o embate judicial sobre a inclusão ou não do ICMS nas bases de cálculo do PIS e da COFINS.
Suspenso o julgamento do Recurso Extraordinário nº 240.785/MG, o Supremo Tribunal Federal não mais se pronunciou sobre a constitucionalidade da inclusão do ICMS nas bases de cálculo do PIS/Pasep e da COFINS. Passado alguns anos, em 2014, o Supremo Tribunal Federal retomou o julgamento do no Recurso Extraordinário n° 240.785/MG e firmou, por maioria de votos, o entendimento de que a inclusão dos valores de ICMS na base de cálculo da Contribuição para a COFINS era inconstitucional. Conforme a ementa a seguir:
TRIBUTO – BASE DE INCIDÊNCIA – CUMULAÇÃO – IMPROPRIEDADE. Não bastasse a ordem natural das coisas, o arcabouço jurídico constitucional inviabiliza a tomada de valor alusivo a certo tributo como base de incidência de outro. COFINS – BASE DE INCIDÊNCIA – FATURAMENTO – ICMS. O que relativo a título de Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e a Prestação de Serviços não compõe a base de incidência da Cofins, porque estranho ao conceito de faturamento.
Nesse momento, pela primeira vez nos últimos anos, a jurisprudência brasileira se posicionava a favor da tese do contribuinte. O julgamento do Recurso Extraordinário n° 240.785/MG, apesar de não estar sujeito ao regime de repercussão geral, passou a influenciar significativamente nas decisões proferidas pelos Tribunais Regionais, em especial pelo Tribunal Regional Federal da Terceira Região (SP) que passou a decidir majoritariamente pela inconstitucionalidade da inclusão do ICMS nas bases de cálculo do PIS e da COFINS, ressalvadas algumas Turmas que continuaram aplicando o entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça.
Após alguns anos, aconteceria o julgamento do Recurso Extraordinário n° 574.706/PR, que mudaria complementar o mundo de advogados e contadores brasileiros. Na tarde do dia 15 de março de 2017, todos os olhos estavam voltados à sessão plenário do Supremo Tribunal Federal em que se julgava o Recurso Extraordinário n° 574.706/PR, sob regime de repercussão geral.
Ao final daquele dia, enfim, a tese dos contribuintes se sagrou vencedora por maioria. O Supremo Tribunal Federal havia definido, agora sob o regime de repercussão geral, que era inconstitucional a inclusão do ICMS nas bases de cálculo do PIS da COFINS.
Parecia o fim daquela saga que há anos os contribuintes se desgastavam perante os Tribunais brasileiro. Mas como diz o mais recente ditado: “só que não”. Naquele dia, a União, representada por sua Procuradoria, requereu na tribuna, durante o tempo cedido para sustentação oral, que a decisão a ser proferida tivesse seus efeitos modulados, a fim de evitar o impacto econômico-financeiro aos cofres públicos.
Essa, infelizmente, não foi a intempere que seria vivenciada pelos contribuintes após o julgamento. Em 29 de setembro de 2017, publicou-se o acórdão, surpreendendo aqueles que haviam acompanhado o julgamento, isso porque, a ementa, como escrita, parece dar a ideia de que o Supremo Tribunal Federal havia reconhecido a inconstitucionalidade da inclusão apenas da parcela do ICMS recolhida aos cofres públicos estaduais. Vejamos a ementa:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. EXCLUSÃO DO ICMS NA BASE DE CÁLCULO DO PIS E COFINS. DEFINIÇÃO DE FATURAMENTO. APURAÇÃO ESCRITURAL DO ICMS E REGIME DE NÃO CUMULATIVIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Inviável a apuração do ICMS tomando-se cada mercadoria ou serviço e a correspondente cadeia, adota-se o sistema de apuração contábil. O montante de ICMS a recolher é apurado mês a mês, considerando-se o total de créditos decorrentes de aquisições e o total de débitos gerados nas saídas de mercadorias ou serviços: análise contábil ou escritural do ICMS. 2. A análise jurídica do princípio da não cumulatividade aplicado ao ICMS há de atentar ao disposto no art. 155, § 2º, inc. I, da Constituição da República, cumprindo-se o princípio da não cumulatividade a cada operação. 3. O regime da não cumulatividade impõe concluir, conquanto se tenha a escrituração da parcela ainda a se compensar do ICMS, não se incluir todo ele na definição de faturamento aproveitado por este Supremo Tribunal Federal. O ICMS não compõe a base de cálculo para incidência do PIS e da COFINS. 3. Se o art. 3º, § 2º, inc. I, in fine, da Lei n. 9.718/1998 excluiu da base de cálculo daquelas contribuições sociais o ICMS transferido integralmente para os Estados, deve ser enfatizado que não há como se excluir a transferência parcial decorrente do regime de não cumulatividade em determinado momento da dinâmica das operações. 4. Recurso provido para excluir o ICMS da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS.
A leitura da ementa, de fato, parece autorizar o contribuinte a excluir da base de cálculo do PIS e da COFINS somente a parcela do ICMS recolhido aos Estados e ao Distrito Federal. No entanto, a nosso ver, essa definição está clara nos votos dos Ministros, o que, inclusive, gerou a oportunidade para que as partes apresentassem Embargos de Declaração questionando qual o valor de ICMS deve ser excluído das bases de cálculo do PIS e da COFINS: se o apurado e recolhido ou se o ICMS destacado em nota fiscal.
Os recursos ainda não foram julgados pelo Supremo Tribunal Federal, e portanto, não há definição acertiva daquela Corte sobre o tema. No entanto, isso não parece ser um problema para a União que, ao final de 2018, publicou através da Receita Federal do Brasil a Solução de Consulta Interna COSIT n° 13, afirmando que o Supremo Tribunal Federal definiu o ICMS a ser excluído da base de cálculo do PIS e da COFINS e que ele é o recolhido, de modo que os contribuintes vencedores em ações judiciais que não apontem expressamente o ICMS a ser excluído, devem se ater ao pronunciamento da Receita Federal do Brasil.
Como podemos ver, a novela sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS não está próxima do capítulo final. A publicação do entendimento da Receita Federal do Brasil revela outro ponto que merece atenção, os contribuintes devem buscar no Poder Judiciário não só o reconhecimento do direito à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, é importante que protestem pela definição expressa de qual valor de ICMS deve ser excluído.
A meu sentir, o posicionamento da Receita Federal do Brasil gerará novas demandas judiciais, o tema não se esgotará neste momento. A aplicação do entendimento enunciado na Solução de Consulta Interna COSIT n° 13/2018 somente aos contribuintes que obtiveram o direito à exclusão dos valores de ICMS das bases de cálculo do PIS e da COFINS sem definição de qual ICMS deve ser excluído fere o princípio da isonomia tributária.
Ao que parece, esse ponto tem sido questionado, porque alguns Tribunais Regionais (3° e 4° Regiões) têm garantido aos contribuintes a exclusão do ICMS destacado nas notas fiscais.
A novela, portanto, está longe de seu capítulo final. Enquanto isso, aguardamos ansiosos para saber qual ICMS deverá ser excluído. Ou parafraseando o dito popular: quem matou Odete Roitman?