Existem Ciências Exatas?

Existem Ciências Exatas?

Se existem características que competem exclusivamente à Ciência, são estas a observação minuciosa, a interpretação dos dados, a manipulação e o experimento rigoroso para se chegar a algum resultado específico. A Ciência, como um todo, visa objetivamente prever e controlar fenômenos. Mas será que ela consegue fazer isso de forma exata?

Desde o século XVIII, o conceito de “ciências exatas” foi cunhado como forma de diferenciar aqueles estudos que tratavam seus objetos de uma forma quantitativa, com fórmulas, cálculos, estatísticas etc., dos estudos que tratavam seus objetos de uma forma mais qualitativa, conceitual e aberta.  Por ciências exatas, se entenderia, então, os estudos de Matemática, de Física, de Química e de Engenharias, já que a preocupação desses seria verificar e medir quantidades com a maior precisão possível; enquanto Filosofia, Sociologia, Antropologia e Psicologia, encontrar-se-iam entre as “ciências humanas”.

Contra essa divisão, poderíamos, de forma inocente, perguntar: mas não seriam todas as ciências pensadas e construídas por humanos? E a resposta de um matemático ou físico – com um sorriso nos lábios – seria imediata para nós: por “exatas” não se quer dizer que não seja humana, mas que seus resultados estariam fora de qualquer influência da subjetividade humana, de suas preferências e emoções; a lei da gravidade, a força de um elétron ou de um buraco negro estaria dada e presente, no universo, independentemente de sua descoberta ou não.

Embora essa noção básica não seja falsa, é importante ressaltar que ela não é de todo correta. Se começarmos a pensar que observação, interpretação dos fatos, tradução em símbolos, esquemas e fórmulas dependem da mente humana, e que não poucas vezes ela pode errar, na tradução de um fato em uma teoria, já damos um primeiro passo para entender sua falibilidade. Pensar que os instrumentos de verificação e medição também são constantemente aperfeiçoados, mostrando o que antes não era percebido, e assim provando ou não uma teoria, é outro passo. Perguntar a um cientista quantas correções e aperfeiçoamentos uma teoria teve ou porque existe a ideia de “tolerância” dentro de uma ciência “exata”, como nas Engenharias, seria um terceiro passo.

Outra questão importante de entender é que após o século XVIII muita coisa mudou no mundo da ciência. Uma delas, e uma das mais relevantes, é que foi estabelecida a ideia de corroboração. Tal termo, apesar de complicado de ser dito, é mais simples do que parece: significa que toda e qualquer teoria, seja ela construída em qualquer área do saber, é apenas “uma teoria possível sobre a realidade”. Pode haver muitas outras possíveis e tão boas quanto, mas, por enquanto, os fatos e as experiências apontam, indicam ou corroboram que uma é a mais abrangente, a melhor e a mais indicada para resolver os problemas. Num futuro próximo, nada impede que outra se coloque como melhor.

Assim, o que deve ficar claro é que hoje já não faz mais sentido usar a expressão “ciências exatas”. Se houvesse, cairíamos nos problemas acima mencionados e voltaríamos no tempo sem necessidade. Outro detalhe: não se quer dizer que a ciência seja subjetiva (dependente da vontade do cientista) e relativa (não chega a conclusões gerais e verdadeiras), mas apenas que é feita de observação, experimentação e teorias, e isso resolve problemas de uma determinada época, mas nunca para sempre. Chega um momento em que uma teoria não dá mais conta dos fatos, ou os instrumentos técnicos se aperfeiçoaram tanto, que mostram que aquela teoria antes válida agora não se sustenta mais. Nesse sentido, é importante que o cientista perceba que se o resultado de seu experimento começa a ir contra aquilo que ele acredita, que seja sincero e responsável o suficiente para rever seus conceitos, em vez de tentar a todo o custo forçar o experimento a se adequar à sua teoria.

Felipe de Lucca, Mestre em Filosofia pela USP, Pesquisador, na área de Filosofia da Ciência pela mesma Universidade e Professor titular, no Colégio de Aplicação Dr. Alfredo José Balbi, da Universidade de Taubaté e na Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Contato: luckdelucca@usp.br

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