Farmacovigilância Ativa: um sistema proativo de caracterização da segurança dos medicamentos
A fase pré-AIM (Autorização de Introdução no Mercado) de um medicamento é de grande importância para a avaliação da sua segurança e da eficácia. No entanto, as características específicas desta fase – um diminuto número de indivíduos expostos ao medicamento em estudo associado a uma diminuição de fatores de confundimento e a uma restrição de variáveis – tornam cada vez mais claro que o perfil de segurança de um medicamento não é totalmente identificado através do processo de ensaios clínicos. Pelo que é imprescindível uma monitorização contínua da segurança dos medicamentos durante a sua fase de comercialização.
É durante a fase de pós-AIM, que, devido à utilização do medicamento em contexto de mundo real, muitas vezes por milhares ou milhões de cidadãos, existe uma maior probabilidade de detetar uma reação adversa medicamentosa (RAM) rara. Também as reações com períodos de latência prolongado, ou os efeitos indesejáveis decorrentes da utilização fora dos termos da AIM ou da exposição em subpopulações geralmente excluídas ou sub-representadas a nível dos ensaios clínicos, são passíveis de não serem detetadas durante a fase de pré-AIM, pelo que é de extrema importância a sua notificação após a comercialização efetiva do medicamento.
A notificação espontânea, pese embora seja a principal fonte de informação para os sistemas de farmacovigilância e tenha diversas vantagens associadas, como a sua simplicidade, rapidez e economicidade, apresenta limitações relacionadas principalmente com as elevadas taxas de subnotificação, que podem chegar a valores de 94% de RAM não comunicadas. A notificação espontânea pode também originar vieses nas bases de dados de farmacovigilância devido a processos de seletividade, em que o ritmo de notificação é condicionado pela novidade do medicamento e pela atenção que é dispensada pela comunicação científica e social a um problema específico de segurança.
Desta forma, a Farmacovigilância Ativa (FA) surge como uma abordagem proativa e sistemática com o intuito de monitorizar e identificar suspeitas de reações adversas, complementando assim, sempre que necessário, a notificação espontânea. Ao invés de depender inteiramente da iniciativa voluntária da notificação, a Farmacovigilância Ativa envolve a recolha ativa de dados através de métodos como o seguimento farmacoterapêutico, entrevistas com profissionais de saúde e utilizadores de medicamentos, monitorização de bases de dados, registos específicos do medicamento, entre outros.
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Assim, a FA permite identificar de forma precisa o número de suspeitas de reações adversas a um medicamento por meio de um processo contínuo e pré-organizado, algo de extrema importância quando se pretende avaliar a verdadeira incidência de RAM, especialmente as raras. Este método reveste-se de grande interesse pelo facto de permitir uma monitorização mais eficiente tanto a nível do perfil de segurança de um determinado medicamento, especialmente quando este tem uma baixa utilização em contexto do mundo real, como é o caso dos medicamentos órfãos, como na ótica do surgimento de possíveis RAM em determinados subgrupos populacionais (mulheres grávidas, neonatos, indivíduos com insuficiência hepática ou renal, entre outros), sendo que esta monitorização pode constar nos requisitos de um Plano de Gestão de Risco.
Devido à metodologia inerente à FA, existe um maior potencial para obter dados de alta qualidade, permitindo assim uma análise, caracterização e quantificação dos riscos associados aos medicamentos mais robusta, o que é fundamental para a tomada de decisões em saúde. Atendendo à forma sistemática de recolha de dados característica da FA, identifica-se ainda a possibilidade de se conseguir caracterizar as RAM com um menor número de ocorrências, quando comparado com a recolha espontânea de notificações de suspeita de RAM.
A grande vantagem dos sistemas de FA é a maior probabilidade de se conseguir detetar sinais, quando comparado com os sistemas passivos de recolha de RAM. No entanto é importante ter em consideração que, apesar das suas vantagens, a implementação de protocolos de farmacovigilância ativa como única forma de monitorização da segurança dos medicamentos não seria custo-eficiente.
Por conseguinte, a notificação espontânea e a farmacovigilância ativa devem ser vistos como métodos complementares, tendo as suas vantagens e limitações específicas, mas sendo ambas cruciais para uma eficiente monotorização do equilíbrio benefício/risco dos medicamentos, permitindo assim proteger a saúde pública.
Autora: Márcia Silva | Diretora da Direção de Gestão do Risco de Medicamentos | INFARMED, I.P.