"Fazedoras de reis"​
Glenn Close venceu um Globo de Ouro com o filme "The Wife" que põe em evidência a desigualdade entre géneros

"Fazedoras de reis"

Editorial da revista Guia da Empresária, publicada com o REGIÃO DE LEIRIA a 15 de novembro de 2018

Quando decidimos avançar com este Guia da Empresária – em vez do habitual Guia do Empresário – estávamos conscientes das pedras que íamos encontrar pelo caminho.

Decidimos ignorá-las e seguir em frente. Para trás ficaram alguns risinhos trocistas, deles e delas, a crítica mais ou menos velada de estarmos a ser parciais e a indisponibilidade de vários homens e mulheres para falarem abertamente sobre “gestão e liderança no feminino”.

O tema não agrada a muitos homens e é evitado por muitas mulheres. Por essa razão, à medida que avançávamos no trabalho, crescia a convicção de que esta era uma abordagem pertinente e útil. Hoje, se temos alguma certeza é a de que, em relação a este tema, não vamos ficar por aqui. Há um debate sério e necessário a fazer.

O país está a dar-se ao luxo de não tirar partido das competências e da capacidade de uma parte da sua população que, circunstâncias diversas, levam a que seja do sexo feminino. E uma sociedade não se pode considerar justa quando ignora metade dos seus cidadãos e despreza o que têm para dar.

O ínfimo número de mulheres que vemos em lugares de decisão e a discrepância salarial que se verifica entre os dois sexos não reflete a realidade do ensino superior, onde elas estão em maior número e são melhores alunas.

Então por que razão não chegam mais mulheres ao topo das organizações? Porque não querem? Porque se autolimitam? Porque têm medo? Porque não estão disponíveis? Tudo isso é verdade, mas a expressão que congrega todas as respostas é: porque não podem.

Não podem, porque em muitos casos é necessário que os homens se disponham a deixá-las entrar e a mudar um mundo onde eles se encontram confortavelmente instalados.

Não podem porque estão ocupadas a ser mães e cuidadoras.

Não podem porque, quando avançam, as expectativas são tão altas que elas não aguentariam falhar.

Não podem porque não encontram à sua volta a estrutura e a confiança necessárias para darem esse passo.

Não podem porque não é suposto uma mulher ambicionar um lugar de poder, mostrar o seu talento e brilhar sem que lhe colem nomes feios.

Em muitos meios e para algumas gerações as mulheres não podem ter luz própria.

Por não poderem, muitas têm feito refletir essa luz nos seus companheiros. No mundo das empresas, quantas não são as mulheres que gerem e decidem na sombra dos homens? São muitas, nós sabemos. Mas não é suposto que se diga, porque na verdade são eles que dão o rosto, que vão aos jantares e às reuniões de negócios, que recebem os prémios e discursam, são eles para tudo o que se passa à frente do pano. Mas nos bastidores são elas que orientam as contas, que compram, que pagam, que contratam, que gerem verdadeiramente.

Essas mulheres que têm o toque de ouro, mas não é suposto que se saiba, que sacrificam o seu talento e os seus sonhos em prol da manutenção de um estereótipo, que escondem a sua luz, essas mulheres são uma das razões de ser desta revista.

Ter mais mulheres assumidamente em lugares de decisão e de responsabilidade não só é justo como é bom para a economia. E todos ganham com isso.

No filme “The Wife” (“A Mulher, em português), que por estes dias está nas salas de cinema, a atriz Glenn Close veste a personagem de uma escritora que publica os seus livros com o nome do marido por não acreditar que, sendo mulher, pudesse ter sucesso. Com os livros dela, ele torna-se um autor reconhecido e amplamente aclamado, sendo-lhe atribuído o Nobel da Literatura. Ela acompanha-o à entrega do prémio em Estocolmo e, durante a cerimónia, quando o rei da Suécia lhe pergunta o que faz, ela responde: “sou uma fazedora de reis”.

Quantas mulheres, no mundo dos negócios, não poderiam dar esta resposta?

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