A força das ideias

A força das ideias

Acabo de ver uma discussão entre dois comentaristas no youtube em um jornal sobre comunismo. A notícia reportava a fala de um ex-presidente de que “o agronegócio é fascista”.

Um comentarista rememorou o holodomor na Ucrania por Stalin entre 32 e 33, onde a polícia política confiscava a produção agrícola de produtores rurais e impôs uma fome que matou aproximadamente 10 milhões de pessoas e que, portanto historicamente, a esquerda tem desprezo pelo agronegócio. 

O outro comentarista rebateu dizendo que desprezar o agronegócio não configura que se é comunista. 

Ora, se pula como sapo, vive na água como sapo e coaxa como sapo, então é sapo. Por que então, quando se pula como comunista, vive como comunista, prega ideias como comunista, despreza o agronegócio como comunista, defende a regulação da mídia e intervenção estatal na economia como comunista, não se é comunista?

É incrível a cegueira de algumas pessoas, ou a suposta superioridade intelectual que se prende a minúcias e filigranas pseudo-teóricas, que não percebem a obviedade das aparências. Se se parece um sapo, então por ora, é um sapo; se se parece comunista, então por ora, é comunista. Esse suposto ceticismo arrogante de obviedades para aparentar inteligência é epistemologicamente doentio (sobre isso vale a pena ler o “Lúculus” de Cícero, e sua crítica a este tipo de comportamento.) Negar a clareza da aparência da realidade é assumir que há algo por trás e invisível às aparências. É quase violentar os próprios sentidos e intuições. Se há cheiro de queimado, há fogo em algum lugar. 

A pouca, ou nula importância que o brasileiro dá às ideias (ideias é o termo correto, não ideologia), está relacionada a esta cegueira e negação das aparências mais óbvias, a esta violência dos próprios sentidos, à falta de confiança em suas próprias sensações e ideias e, consequentemente à uma transferência para figuras iluminadas para dizer o que é verdadeiro ou falso: “se eu não sei exatamente o que é isso, então aquele fulano, que deve ser mais inteligente, deve saber.”

A doutrina marxista diz que a infraestrutura econômica é o que determina a superestrutura cultural ideológica, e que esta mascara e é epifenômeno daquela. Isso posto é o cerne do materialismo: as pessoas se preocupam primeiro com suas necessidades materiais (portanto econômicas) e só depois com ideias, cultura, religião e política. 

Nada mais falso. As ideias são tão determinantes na realidade quanto as necessidades materiais (modo de produção, trabalho e economia em geral). A religião, por exemplo, tem impacto direto na vida material das pessoas (Max Weber partiu exatamente desta inversão da tese marxista para escrever sua obra mais conhecida). 

Se alguém acredita em dada ideia é provável que ela agirá conforme esta ideia. Ações partem de ideias. Ninguém age aleatoriamente. O caos praxeológico não existe. Se alguém acredita que choverá à tarde, é provável que sairá de guarda-chuva à tarde. Se alguém acredita que o agronegócio é fascista, agirá segundo esta ideia. Se alguém tem fé em ideias, agirá segundo esta fé. 

Ideias não nos dão garantia alguma futura, por isso acreditar em ideias é um ato de fé. Por isso, mesmo o materialista mais ferrenho, age conforme uma fé, sua fé de que o que importa e é real, é a matéria, e não ideias; e portanto até mesmo o materialista é um idealista enrustido.

Pensar que o pobre se preocupa somente com “a picanha e a cerveja” é falso. O pobre, senão mais que o rico, se preocupa com valores e ideias. A força de uma ideia está justamente no fato de que é uma ideia e portanto imortal. Pessoas passam, ideias ficam. O comunismo não foi somente uma ditadura soviética horrível e grotesca. O comunismo é uma ideia. Ele não morreu em 26 de Dezembro de 1991, tampouco nasceu em 1917. A esperteza do comunismo sempre foi disfarçar-se, como toda ideia, tomar para si outros nomes, penetrar em outras ideias, enxertar-se em outros troncos, transmutar-se, mas conservar a perenidade de suas ideias: estado forte, economia planificada, controle da liberdade de expressão, condenação do lucro, manipulação do povo e principalmente, a abolição da propriedade privada (vista como base da sociedade desde o direito romano).

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