A utilidade social de resolver pequenos problemas
Sobreviver é preciso. Trabalhar também. Dinheiro, igualmente. Há uma relação entre sobrevivência, trabalho e dinheiro. O objetivo final é a sobrevivência, o dinheiro é um meio, e o trabalho o princípio. Mas qual trabalho escolher para atingir o objetivo último?
Em geral, a maioria das pessoas não tem esse privilégio de escolher o trabalho. Apenas uma parcela muito pequena e privilegiada pode pensar em coisas como "carreira", "profissão" e "trabalho prazeroso". A maioria trabalha no que dá, naquilo que pode e consegue fazer. Carreira, profissão e prazer são secundários.
Acho que isso é extremamente necessário ter em mente para não cair em delírios do tipo "caçar de manhã, pescar a tarde, pastorear à noite e fazer crítica depois da refeição" (entendedores entenderão, rs).
Tendo em vista que a maior parte das pessoas não escolhe o trabalho, mas o trabalho escolhe elas, então, pelo menos, o mínimo de escolha racional e voluntária que se pode ter nesse processo é poder escolher um trabalho com certa utilidade social. A utilidade social do trabalho não é, naturalmente, a primeira coisa que se pensa quando se trabalha, mas ao longo de um tempo, é algo que começa a se impor sobre nós. Afinal, para quê ficar preso 8h em uma sala, fazendo atividades repetitivas, cansativas, muitas vezes inúteis, sem propósito algum, burocráticas e estafantes? Começamos a nos perguntar "para quê isso"?
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Muito trabalhos, de fato, não proporcionam nenhuma ou pouca sensação de utilidade social. São serviços repetitivos, inúteis, burocráticos e vazios, que não ajudam ninguém mais no mundo, que, ao invés de solucionar problemas, criam mais problemas, e tornam a vida própria e a vida dos outros um inferno. Qual a utilidade de um trabalho assim? O mundo está cheio deles. Eu não queria dar nome aos bois, mas não consegue sair de minha cabeça coisas como "professor de sociologia" ou "fiscal da receita federal" ou coisas assim. O que, de útil, se produz para a sociedade? Depois de um dia inteiro de tagarelice interminável e multas sobre a atividade alheia, qual a satisfação social que isso proporciona?
Eu vim do meio acadêmico. Alguns anos em universidades. Vi a vida acadêmica na área de humanas de perto. Então acho que posso falar um pouco do que vi: muitos professores infelizes. Ano após ano repetindo as mesmas teorias, para alunos que irão reproduzir o comportamento e o ciclo da pobreza e precariedade. Quase um esquema de pirâmide. Professores formando futuros professores que formarão futuros professores que formarão futuros professores... um mercado acadêmico inflacionado, um país pobre, ilusões de intelectualidade, academicismo... o luxo da ostentação intelectual em um país precário. Teses utópicas, dissertações exegéticas inócuas, pesquisas irrelevantes... anos em universidades públicas, com bolsas de estudo que levarão a lugar algum (com alguma sorte, talvez professor substituto em alguma universidade pública ou horista em uma privada).
Foi essa situação e perspectivas que me fizeram abandonar a vida acadêmica e me jogar na tecnologia. Outro mundo, outro público, outro círculo social, outras conversas, outro padrão de vida, outros assuntos... um mundo de possibilidades se abre à frente, e uma sensação incrível de utilidade social vem junto. Começa-se a perceber que se serve para algo, que há utilidade social no trabalho, que o mundo precisa de gente que mais faz do que critica, que o dinheiro é bom e traz dignidade, que é possível resolver pequenos problemas sem querer mudar o mundo todo, que fazer é mais satisfatório do que pensar.
Tenho visto inúmera pessoas mudando de vida e trabalho, porque perceberam que o quesito "utilidade social" conta muito para se ter uma vida feliz. Não é possível ser feliz sendo inútil socialmente. E por utilidade social não entendo nada muito grandioso do tipo "mudar o mundo". Não. Apenas resolver pequenos problemas do dia a dia, do trabalho: um gráfico que ninguém sabe fazer, um cano para consertar, um aplicativo para comprar e vender pão no bairro... Tudo que possa resolver pequenos problemas, e que poucas pessoas estão dispostas a fazer.