França volta a ter lockdown de um mês na região de Paris e outros departamentos
Por Maria Paula Carvalho
PARIS - Para muitos franceses é uma sensação de “déjá-vu”, de estar revivendo uma experiência de lockdown quando todos já parecem estar cansados de restrições. Na noite desta quinta-feira (18), o governo tomou uma decisão pragmática para atenuar a epidemia de Covid-19 nos locais onde as contaminações continuam muito altas. Especialmente a região parisiense, onde foi registrado um aumento de 23% dos casos, em uma semana. E a pressão nos hospitais é grande, com os leitos de UTI praticamente esgotados.
Porém, dessa vez, é um lockdown diferente dos outros dois já vividos no país, em março e novembro passados. A idéia agora é “freiner sans enfermer”, como disse o primeiro-ministro Jean Castex, ou seja, “frear, sem trancar”.
São medidas um pouco menos rígidas. Voltam os formulários de justificativas para sair de casa pelos seguintes motivos: ir ao médico, motivo profissional, familiar imperativo, atividade física ou escolar. Porém, os franceses podem sair a até 10 km de suas residências, sem tempo máximo estipulado, para pegar um ar. Ufa! Ou seja, as atividades esportivas, ou pelo simples prazer de andar ao ar livre, são permitidas. Parques e jardins estarão abertos.
Como reforçou o primeiro-ministro, um indivíduo “se contamina menos ao ar livre do que ao se agrupar sem máscara em locais fechados”. Mas não se deve confundir essa liberdade com “ir a festas na casa de amigos ou fazer aglomerações na rua”, que seguem proibidas, reiterou Castex. Já os deslocamentos entre regiões estão proibidos, a menos por um motivo imperativo.
Toque de recolher menor e comércio fechado
As novas regras passam a valer à meia noite desta sexta-feira (19), por 4 semanas, em 16 departamentos que somam um total de 21 milhões de habitantes. Mas a partir do sábado (20), em todo o território, o toque de recolher passa de 18h para às 19 horas, até as 6h, por causa do horário de verão.
O comércio não essencial volta a fechar as portas, como ocorreu no ano passado. Somente bens de primeira necessidade serão autorizados à venda, sendo que, dessa vez, a lista inclui as livrarias. A restrição de venda se aplica ao mesmo produto, não importa onde ele esteja à venda.
As novas medidas foram necessárias porque a progressão da epidemia se acelera na França. São 30 mil novos casos por dia. O país vive uma terceira onda de Covid-19 e se aproxima dos 100 mil mortos em decorrência da doença.
A chegada da variante do Reino Unido acelerou o ritmo das contaminações. Ela já representa 75% de todos os casos no país, sendo mais contagiosa e potencialmente mais grave.
A cada dia, 330 novos pacientes dão entrada em serviços de terapia intensiva na França: 1 a cada 4 minutos. E os médicos têm observado internações de pessoas mais jovens, de boa saúde, ao contrário da primeira onda. Pacientes que, agora, também ficam mais tempo no hospital.
A situação se degrada
Até o momento, a França vinha tentando desacelerar o ritmo da epidemia com medidas como o toque de recolher, das 18h às 06h, fechamento de certos estabelecimentos que recebem público e intensificando a campanha de vacinação. Tudo isso em paralelo a uma estratégia de testar, alertar e proteger o cidadão.
Até agora, 23 departamentos já estavam em segurança reforçada, além dos lockdowns de fim de semana em Dunquerque, Pas-de-Calais e Nice. Contudo, não foi suficiente.
Em Île de France, os casos chegam a 446 por 100 mil habitantes e a pressão hospitalar é maior do que no pico da segunda onda. Na região administrativa de Haut-de-France, o número é de 381 casos por 100 mil habitantes.
Outros departamentos atingidos pelo novo lockdown são: Alpes-Maritimes (sul), Eure e Seine-Maritime, na região da Normandia.
“O tempo passou, a crise durou, mas aprendemos”
O primeiro-ministro Jean Castex disse ter "a convicção de que as medidas regionais são necessárias e que é preciso continuar com a sua coerência”. E fazer as adaptações necessárias.
Mas num ponto o governo não mexe: as escolas continuarão abertas para garantir e preservar a educação das crianças do país. As atividades esportivas dos estudantes também poderão ser retomadas.
AstraZeneca é eficaz
Até o momento, 5 milhões e 585 mil franceses já foram vacinados contra a Covid-19. Desde o início da campanha, a estratégia foi priorizar os idosos (75+) que, embora representem 1% da população, somaram 30% das mortes por Covid-19 no país.
Após ter suspendido a vacinação com o imunizante da AstraZeneca/Oxford, a França vai retomar a aplicação, após a Agência Europeia de medicamentos ter dado o “sinal verde”. Para os técnicos consultados, a vacina “é eficaz, para lutar contra formas graves da Covid-19, sem risco, não estando associada ao aumento do risco global de coágulos sanguíneos”.Diante da liberação, o próprio Jean Castex, de 55 anos, anunciou que vai se vacinar nesta sexta-feira diante dos jornalistas.
Além disso, o governo espera contar com mais vacinas, a partir de abril, para continuar com a meta de imunizar 10 milhões de pessoas, até meados do mês.
Outra estratégia é manter as transferências de pacientes em cuidados intensivos para outras regiões ou até países, com o uso de helicópteros e um TGV (train à grande vitesse) medicalizado. Até agora, 199 pacientes já foram transferidos, mas essa medida precisa ser autorizada pelas famílias, o que nem sempre acontece.
Paris não é uma região como as outras
Desde a quarta-feira (17), o presidente Emmanuel Macron já vinha comentando sobre as especificidades da região parisiense. E sobre como um confinamento de fim de semana seria difícil de impor. “É uma vida que seria impossível”, disse o chefe de Estado em uma reunião com prefeitos. A fala foi divulgada pela rádio France Bleu Paris. O chefe de Estado se mostrava preocupado com as pessoas que vivem fora de Paris e vêm à capital para trabalhar e voltam tarde para casa. "Estar ao ar livre é muito bom, pois há menos riscos”, disse Macron. “Para fazer esporte, mas não para fazer festa", reiterou o presidente.
A população já esperava por medidas híbridas, com novas restrições e talvez um relaxamento para atividades ao ar livre, como vela, equitação, pesca, golfe e caça.
Confinar Paris e a região metropolitana é uma decisão política e econômica. Um lockdown na capital francesa e seu entorno não é uma tarefa simples, pois abrange uma bacia de população onde vivem 12 milhões de pessoas. Paris também é o coração econômico e político da França.
A região de Île de France, onde está a capital, é sinônimo de poder. Dados de 2018 apontavam que ela concentrava 31% da riqueza nacional. A região ainda acolhe os ministérios e grande parte da administração pública. Porém, também é na região parisiense que está a maior oferta hospitalar. E o governo espera abrir o máximo possível de vagas, entre 300 e 500 a mais, com ajuda de clínicas particulares e operações que serão desmarcadas.