FRANSÉ
(Foto Janela Publicitária)

FRANSÉ

Triste a noticia da partida do Fransé.

Conheci o Francisco José da Cunha Martins (seu nome completo) em 1973 quando assumi a mídia da Norton Publicidade em Botafogo. O Fransé era uma espécie de “joia” da agência e fui apresentado a ele com pompa e circunstância pelos diretores G.A de Vasconcellos e Mario Mello.

Na realidade o Fransé “não trabalhava” na Norton, ele era uma agência falida incorporada à Norton. Fato que muito me chamou a atenção foi quando saiu o balanço daquele ano, tanto o Fransé como o G.A.de Vasconcellos apareciam como “negativos”, isto é: eram débitos. Eu nunca tinha visto pessoa física ser débito.

Se a 1ª. opinião é a que vale, eu me apaixonei pelo Fransé logo de inicio. Fransé tinha um sorriso e uma maneira cativante de falar com as pessoas, únicos. Mais tarde eu descobri que na realidade o Fransé não atendia a conta nenhuma. Ele era “adotado” pelos clientes, que o adoravam.

Uma outra característica muito curiosa que vi no Fransé era a de que ele mal sabia escrever. Ou falar. Ele se expressava por onomatopeias. Todas as suas falas eram recheadas com “Bum” , Xuá”, “Bang”, “Tchibum” e por aí ia. Mais impressionante é que além de ser engraçado ele se fazia entender muito bem.

O Fransé já tinha um histórico de agências “quebradas". Apesar de sua genialidade, ele dava um jeito de gastar muito mais do que recebia. Quando foi levado pelo Geraldo Alonso para a Norton, ele já tinha tido uma agência que atendia o Grupo Lume, do Linaldo Uchoa de Medeiros. O Grupo Lume tinha ficado imortalizado pelo fato de abrir um buracão no Centro do Rio, ali perto da Nilo Peçanha, para construir um prédio, o que nunca fez e o local passou a chamar “Buraco do Lume”. Ainda existe, fica ao lado do Edifício Garagem Menezes Cortes (virou praça). Mas independentemente disto, o Grupo Lume trouxe com o Fransé para a Norton a Imobiliária Nova York, que foi uma bela conta. Eu tinha pena do Fransé, trabalhava loucamente e não ficava com nada, pois tudo o que entrava era para amortizar a sua “captura” pelo implacável Geraldo Alonso. Vivia me pedindo dinheiro emprestado, hábito que – pelo que vi – não perdeu, quando viemos a trabalhar juntos novamente anos mais tarde na Artplan.

O Fransé era um rapaz lindão. Foi aluno do Colégio Interno São José no alto da Tijuca, berço de riquinhos do Rio de Janeiro . Era chamado lá carinhosamente de “Chico Ilha”, pois tinha suas origens na Ilha do Governador onde seu pai era fiscal da alfândega.

Casou-se com a moça mais bonita da época no Rio de Janeiro, uma descendente de libaneses louríssima de olhos imensos azuis chamada Soraya Kfuri. Ela morava num palacete na Urca e, vez por outra, eu e minha esposa íamos jantar lá a convite. Lembro-me de um drama miserável pelo qual passei. No casamento dele com a Soraya foi dada uma grande recepção em seu novo apartamento na Rua Joaquim Nabuco, num salão forrado com um imenso tapete veludíssimo branco e quando me servi de strogonoff o prato caiu e fez uma lambança no chão, quase acabando com a festa. Soraya (vestida de noiva) gritava comigo como uma verdadeira guerrilheira do Al-Fathá.

Depois da Norton fui para a Artplan e de lá para o Jornal do Brasil, onde perdi contato por muitos anos com o Fransé. Quis o destino que no inicio dos anos 90 eu fosse novamente para a Artplan, numa época em que o Fransé era presidente da Publicittá, uma agência que ficava ali em frente, na Fonte da Saudade (Lagoa). Porém as coisas (mais uma vez) não ocorreram como o Fransé gostaria e depois de vir a ser uma das maiores agências do Rio a Publicittá acabou quebrando e o Fransé foi para o desvio. Um dia eu estava passando pela recepção da Artplan e vi o Fransé sentadinho no sofá de espera com uma sacola na mão. Fiquei feliz em vê-lo e fui conversar com ele, perguntando o que ele estava fazendo. Para absoluta surpresa minha ele estava tentando vender brindes de miniaturas para serem comprados pela Petrobras (conta atendida pela Artplan). Fiquei tão chocado que pedi para ele esperar e fui conversar com os irmãos Mauricio e Lionel Chulam, sócios da Artplan, informando que ali na recepção está um possível gênio esquecido. Propus uma conversa com ele, o que os Chulans toparam e pouco depois o Fransé estava incorporado aos quadros da agência.

Como "castigo”, entretanto tive que dividir minha sala com ele, o que foi muito divertido e fatal.

Uma das características do Fransé era a de que ele ele tinha algum complexo de hipocondria. Eu tinha na minha mesa uma gaveta com aspirinas, engovs, antiácidos etc. e todos os dias o Fransé atacava minha mesa e se apossava de todos. Eu ficava louco e ele me chamava de pão duro. Um dia conversando com a esposa dele em Búzios falei sobre o assunto . Ela lhe deu uma bronca (bem dizendo, não era mais a Soraya) e falou para o Fransé passar a pagar pelos comprimidos. Então (veja só) todos os dias eu continuava a ter a minha gaveta atacada e na caixinha de remédios encontrava R$ 1,00 ou R$ 2,00. Pode? Ele não entendia que o problema não era a grana, era a aporrinhação de ter de ir à farmácia comprar os remédios (na Fonte da Saudade não existem farmácias por perto).

Como meu trabalho era captar clientes eu chegava cedo, fazia o que tinha de fazer e ia para a rua. Fransé nunca foi de acordar cedo, portanto chegava depois da 11:00hs, horário em geral compartilhado pelos demais diretores da agência. Então o Fransé me deu este sábio conselho, que eu não segui: ”Você é trouxa, sai antes dos diretores chegarem. Quando eles chegam não o vêm, você não almoça aqui e volta de tarde. Faça como eu, chegue na hora dos demais diretores e fique com eles até depois do almoço, assim eles o vêm bastante”. Sábias palavras. Com o tempo, meu “assistente” Fransé foi passando a insubstituível, até que um dia não foi bom para mim.

De fato, o Fransé era indispensável na minha “operação”. Creio que eu tinha o dom de conquistar contas, mas absolutamente nenhum em atendê-las. Então a coisa funcionava assim, eu botava a conta para dentro e o Fransé atendia. Mas com o tempo isto foi incomodando a ele. Ele – pelo que me parece – tinha rendimentos fixos, e eu sempre trabalhei na base de comissões. Portanto ele via quanto eu ganhava e achava que estava trabalhando para mim. Passou a me cobrar um “percenta” sobre as contas, o que começou a me aborrecer muito. Chegou a um nível que eu fui falar com os sócios para nos separar de salas. Ocorre que o Fransé já era naquela ocasião o “queridinho” e acabou sobrando para mim. Isto em nada abalou os sentimentos que sempre tive por ele, pois sempre gostei muito dele e mesmo depois de sair de lá continuamos amigos.

É com muita tristeza que me lembro atualmente desta boa época e do sorriso cativante do Fransé.

(Fransé faleceu nesta 4a. Feira dia 10 de Agosto de 2022)

(Foto Janela Publicitária)

Andrea Portugal

Executiva de Marketing | Gestão de Contas | Product Owner l Conteúdo | Branding | CRM | Trade | Influencer Marketing| Comunicação | Projetos de Marketing | Mídia | Eventos | Marketing de Varejo | Audiovisual

2 a

Ele era um Ser único!!! Tive o prazer de estar muitos anos perto dele. Um homem com uma história incrível! Muitos aprendizados....e um sorriso único para mim. Aliás para cada pessoa ele tinha um sorriso...

Thomaz Naves

Diretor de Marketing e Comercial Presidente da ABMN - Associação Brasileira de Marketing & Negócios

2 a

Uma perda enorme para o Mercado Publicitário Brasileiro. E um ser humano espetacular. Descanse em paz Franzé.💔

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