Fundamentos da Governança Corporativa
Artigo: Fundamentos da Governança Corporativa - Parte do PFCC - Programa de Formação e Certificação de Conselheiros da Board Academy Br
Professor: Eduardo Gomes, MBA, CCA IBGC
As pessoas no centro como estratégica corporativa, utopia ou realidade?
Segundo o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa - IBGC a governança corporativa é o “sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre sócios, conselheiros, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais stakehokders”. Entendendo demais stakeholders como um grande e heterogêneo universo de pessoas que se relacionam direta ou indiretamente com as empresas.
As empresas com forte cultura de governança corporativa e compliance oferecem ao mercado maior previsibilidade e segurança para seus investidores, conquista a confiança dos stakeholders, tem maior credibilidade e tende a zelar por sua reputação como um ativo econômico extremamente relevante.
O IBGC recomenda que sejam instituídos conselhos de administração sobretudo nas grandes empresas. Entende ainda que os conselhos consultivos, por sua vez, podem se caracterizar como um passo preliminar, considerado como transitório à efetiva implantação do conselho de administração.
O conselho de administração tem caráter deliberativo com a função de direcionar a estratégia da empresa e o conselheiro de administração tem responsabilidade fiduciária enquanto o conselheiro consultivo não tem essa mesma responsabilidade. Aos conselhos consultivos cabe uma função de apoio e direcionamento estratégico e de caráter consultivo.
Um conselho é um órgão colegiado que deve ser capaz de construir consensos virtuosos para a organização. Seus membros devem estar alinhados com o propósito e com a estratégia e devem pensar com uma visão de longo prazo. Devem conhecer substancialmente a organização e sua área de negócio e deve ser capaz de fazer perguntas provocativas que sejam úteis para alavancar seus resultados.
Aos conselheiros é também imprescindível a manutenção de uma network efetiva. A reputação de um conselheiro, bem como seu know-how são fatores decisivos para seu ingresso e permanência nesse mercado.
A jornada de desenvolvimento de uma conselheira deve ser permeada por ações e experiências que busquem prepará-la para um mundo dinâmico, imprevisível e com mudanças contínuas. Um mundo onde uma profusão de dados é produzida e informações são disseminadas em uma velocidade extrema.
Um mundo de incertezas onde grandes inovações tecnológicas convivem com situações que poderíamos classificar como pré-civilizatórias como, por exemplo, trabalhadores em situações degradantes de trabalho, caracterizadas legalmente como análogas à escravidão. Nos termos do artigo 149 do Código Penal, “são elementos que caracterizam a redução a condição análoga à de escravo: a submissão a trabalhos forçados ou a jornadas exaustivas, a sujeição a condições degradantes de trabalho e a restrição de locomoção do trabalhador”.[1]
A escolhas feitas por qualquer organização podem levá-la de um extremo ao outro e da noite para o dia fazê-la perder reputação e valor de mercado.
Recentemente acompanhamos o caso lamentável envolvendo as vinícolas da região Sul. Empresas que vinham crescendo consideravelmente nos últimos anos, ganhando mercado e se consolidando como “orgulho” nacional de um terroir único, conquistando o mercado interno e o externo.
Esse caso nos leva a refletir sobre a necessidade das empresas realmente pensarem o ESG de forma integrada, entendendo que sua sustentabilidade financeira não pode mais estar desconectada da sustentabilidade ambiental e social. Não existe resultado sustentável onde há desrespeito a princípios civilizatórios tão básicos.
Colocar as pessoas no centro das tomadas de decisão não é utopia é necessidade e estratégia. As empresas são feitas de pessoas e para pessoas, quando falamos em clientes, investidores, fornecedores, acionistas, “colaboradores”, estamos falando de pessoas.
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Em um mundo onde as informações circulam em uma velocidade extraordinária, decisões são tomadas por pessoas cada vez mais conscientes das consequências de seus atos. Investir ou não em uma empresa é uma decisão que se encontra muitas vezes na palma das mãos de um cidadão comum que pelo celular lê uma notícia catastrófica sobre uma empresa ao mesmo tempo em que acessa o aplicativo do seu banco ou corretora de investimentos.
É claro que muitas questões ideológicas e filosóficas permeiam esse tema e estamos cientes de que o seu debate é mais complexo que isso. Mas quando falamos de governança corporativa cabe ressaltar que o papel de uma conselheira, que também é uma pessoa sujeita aos seus vieses psicológicos, no exercício das suas atribuições, é presar pela transparência, pela equidade, pela prestação de contas e pela responsabilidade corporativa que são os princípios básicos. Deve estar sempre bem-informada e atenta aos pilares da governança presando pela ética e a integridade, a diversidade e a inclusão com responsabilidade social e ambiental. Ser inovadora, e estar atenta a transparência e a prestação de contas, com um olhar para o futuro.
O conselho do futuro para gerar as transformações desejadas nas organizações precisará contar com olhares diversos, com representatividade e membros capazes de compartilhar e respeitar visões diferentes em busca das transformações necessárias para que as organizações se adequem às exigências de uma sociedade em constante evolução.
Atualmente não é mais admissível uma organização na qual não há coerência ente discurso e prática. A verdadeira governança corporativa é aquela que faz parte da cultura organizacional, é genuinamente implantada de dentro para fora e não visa somente atender aos bancos, ao mercado ou a atrair investimentos.
Ajudar as organizações nessa jornada de fortalecimento de uma governança efetiva é papel das conselheiras que devem ser capazes de questionar o staus quo, praticar a escuta ativa e o engajamento com a sociedade, respeitar visões diferentes e impactar positivamente o grupo com sua experiência e conhecimentos específicos.
A cultura organizacional precisa estar clara e empreender mudanças necessárias nessa cultura para que a estratégia da organização seja atingida de forma sustentável pode se mostrar como uma decisão a ser tomada no âmbito dos conselhos.
Muitas vezes traços culturais são tão fortes e naturais na identidade das organizações que seus efeitos no dia a dia são pouco percebidos por executivos e empregados.
A naturalização dos vícios da cultura organizacional pode levar a não percepção de riscos, tais como os riscos de direitos humanos e riscos ambientais, apenas para citar dois exemplos. Nesse contexto, um olhar externo torna-se salutar para explicitar problemas e apontar soluções fora do campo de visão da organização que muitas vezes cria pontos cegos relevantes para análise e gestão de risco.
As conselheiras, sejam elas de administração, consultivas ou independentes devem estar atentas à cultura organizacional e sua influência na estratégia da empresa, em como ela se relaciona com o mercado, com seus empregados, clientes, fornecedores e stakeholders diversos. Em empresas familiares, essa questão ganha um ingrediente extra que são as relações familiares que permeiam as decisões de negócio.
Novamente falamos de pessoas e relações influenciando o dia a dia e o futuro das organizações. Uma estrutura de governança corporativa bem implantada traz segurança jurídica, força uma rotina de gestão e implanta processos estruturados capazes de explicitar e gerir riscos diversos, definir estratégia de negócio e posicionamento da organização junto aos stakeholders. Essa estrutura torna a organização mias sustentável, previsível, transparente e, consequentemente, mais atrativa e valorizada pelo mercado.
ESG não é apenas uma “sigla” é uma prática e deve ser vista de forma integrada, sistêmica, abrangente e responsável. O mundo exige mudança, a sociedade contemporânea tem pressa e assumir compromissos com a sustentabilidade das futuras gerações é um imperativo.
Colocar as pessoas no centro das decisões não é utopia, é uma escolha estratégica!
[1] BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez.