Gastos públicos: o bom senso está de volta?
Por Luís Artur NOGUEIRA*
Em meio a incontáveis demandas salariais de servidores, nos três níveis da administração pública, veio do Supremo Tribunal Federal (STF) uma demonstração de bom senso. Na segunda-feira 12, a ministra Cármen Lúcia, que tomou posse na presidência da mais alta Corte de Justiça, criticou a reivindicação do seu colega Ricardo Lewandowski por aumento salarial, por gerar “consequências graves e nefastas para o País”. A Consultoria de Orçamento do Senado Federal calcula que o impacto fiscal do reajuste de 16,36% para os integrantes do STF e da Procuradoria Geral da República (PGR) seria de R$ 4,5 bilhões por ano. “A posição da ministra Cármen Lúcia é muito bem-vinda e vai de encontro à sensação da sociedade de que o corporativismo sempre predomina”, diz Fabio Klein, economista e especialista em constas públicas da Tendências Consultoria.
O efeito cascata que haveria nos Estados levou, inclusive, os governadores a pedirem ao presidente Michel Temer que batalhasse contra o reajuste. No dia anterior à cerimônia no STF, Temer se posicionou contra o pleito de Lewandowski. “Este momento não é o momento adequado”, afirmou Temer, em entrevista ao jornal O Globo. “Eu já disse que isso daí gera uma cascata gravíssima.” Impelidos a agir, os integrantes da base aliada do governo no Senado Federal adiaram o projeto para novembro e passaram a discutir uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que restringe o impacto dos aumentos dos ministros do STF aos subsídios de tribunais superiores. “A PEC dá às assembleias legislativas a prerrogativa, que é delas, de definir, por lei, qual é o reajuste”, diz o senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), líder do governo na Casa.
Sem saída, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-PA), que era favorável ao pleito do Judiciário, retirou o assunto da pauta. “Estamos com muita dificuldade de votar esse aumento”, disse o peemedebista. A posição mais firme do presidente Temer em favor da contenção de gastos foi bem vista pelo mercado financeiro no atual contexto de ajuste nas contas públicas. No período em que era interino, o presidente autorizou reajustes para categorias que já tinham uma negociação firmada com governo Dilma Rousseff. “O que está escrito tem de ser cumprido”, argumentou Temer. “Eu tenho dito muito que é preciso cumprir aquilo que é acordado, para dar segurança jurídica.”
O mesmo rigor fiscal tem sido demonstrado pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. O caso mais emblemático dos últimos dias – a reunião com 17 governadores das regiões Norte e Nordeste –, pode ser resumido em um antigo provérbio: “Em casa onde não há pão, todos gritam e ninguém tem razão.” Mesmo cientes de que os cofres da União estão vazios, os governadores pediram a Meirelles, na terça-feira 13, um socorro financeiro de R$ 7 bilhões. Apesar das ameaças dos políticos em decretar estado de calamidade pública – a exemplo do que fez o governo do Rio de Janeiro antes dos Jogos Olímpicos –, Meirelles não tinha “pão” para oferecer e reafirmou que a prioridade é cumprir a meta de déficit de R$ 170,5 bilhões neste ano. “Nossa avaliação é de que temos que dar segurança à economia e à sociedade de que o governo vai cumprir o resultado primário de modo que a confiança volte”, afirmou o ministro.
Dizer “não” aos pleitos sem perder a governabilidade é a arte da política. O desafio mais urgente é aprovar a PEC que limita a expansão dos gastos públicos à inflação do ano anterior. Como os governadores têm forte influência em suas bancadas no Congresso Nacional, a negativa precisa ser dada com muita prudência, sem ferir suscetibilidades. “Cada vez mais os governadores vão pedir ajuda, como fez o Rio de Janeiro, e a grande incógnita é como o governo vai lidar com isso”, diz Raul Velloso, especialista em contas públicas. “É um drama para o Meirelles, que tem de contar migalhas.”
Engrossando o coro dos representantes das regiões Norte e Nordeste, os governadores do Centro-Oeste também ameaçam travar a tramitação do projeto que renegocia as dívidas dos Estados com a União. O argumento deles é que o alívio fiscal ficou muito concentrado nos entes mais ricos da federação, que estão no Sul e no Sudeste. “De fato, se somarmos os Estados do Centro-Oeste, do Norte e do Nordeste, nós chegamos a 9% do benefício concedido com a renegociação das dívidas”, diz à DINHEIRO o governador de Goiás, Marconi Perillo. “Os 91% restantes ficaram para o Sul e o Sudeste.” Com o mesmo tom de seus pares no discurso de austeridade fiscal, a secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, descarta qualquer ajuda financeira. “Não vamos reabrir nenhuma negociação com os Estados”, afirma Vescovi.
A ofensiva dos governadores chegou até a ministra Cármen Lúcia, que os recepcionou no STF. A presidente da Corte ouviu diversas reclamações sobre guerra fiscal e falta de repasses da União, que estaria descumprindo o Pacto Federativo. “A verdade é que não existe mais espaço para o governo flexibilizar o ajuste fiscal”, diz Klein, da Tendências Consultoria. Um dos mais irritados era o governador do Mato Grosso, Pedro Taques, que cobrou um maior volume de recursos do Fundo de Participação dos Estados (FPE). “Não é possível que nós tenhamos desoneração da linha branca e de veículos que melhoram a industrialização do Sul e do Sudeste em detrimento dos Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que têm diminuição dos repasses do Fundos de Participação”, afirmou Taques, se referindo à política tributária do governo Dilma Rousseff. Em casa onde não há pão...
A reportagem foi originalmente publicada na revista ISTOÉ Dinheiro em 17/09/2016
*Luís Artur Nogueira, jornalista e economista, é editor da ISTOÉ Dinheiro e palestrante de cenário econômico e político