A GERAÇÃO DESFORMATADA E A DELÍCIA DE CORRER RISCOS
O rapaz era filho de uma conhecida empresária do ramo artístico e muito chegada ao Roberto Medina . Quando ele apareceu para uma entrevista a minha primeira pergunta foi sobre suas aptidões, claro. Ele respondeu, com muita tranquilidade: “Tenho uma banda de blues chamada Os Mermãos. E toco harmônica.”
Quando comuniquei ao Roberto que o garoto começaria na segunda-feira seguinte, ele só perguntou: “Você sentiu que ele tem potencial criativo?” Respondi: “Ele tem uma banda de blues chamada Os Mermãos e toca harmônica.” Ele sorriu e confirmou: “Boa.”
Um outro enviou uma mala-direta confeccionada artesanalmente, em que se anunciava como um novo produto sendo lançado no mercado, com parte da Coleção Verão 1993 da faculdade. Citava suas qualidades como argumentos de venda. Tinha humor, estilo e uma pitada de cara de pau. Quem recebeu a mala-direta foi meu chefe na época, o Chico Abreia . Me chamou na sala dele e me mostrou. “Acho que você devia conversar com esse garoto.” Nem pensei duas vezes.
Eu mesmo fui um estudante medíocre de design na PUC antes de ingressar em um estágio e me descobrir redator. Aliás, orientado pelo inesquecível Mauro Matos, ele mesmo um arquiteto de formação e um dos melhores redatores com quem tive o privilégio de trabalhar.
Nem vou falar do estagiário mais folgado que já conheci, que além de tudo, criticava meus trabalhos, espiando indiscreto por cima dos meus ombros. Sempre achava ruins. Virou um dos maiores criativos que o Brasil já conheceu. Os outros citados acima também têm seus nomes entre os destaques da criatividade brasileira.
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Não havia controles, métricas, nenhuma segurança absoluta. Não havia, portanto, necessidade de formatar jovens talentos, em busca de atender a rígidos padrões de perfil. Muitas vezes o cliente só tinha oportunidade de ver o seu anúncio junto com o consumidor: publicado no jornal. No máximo, tinha acesso à arte-final para umas últimas correções. A confiança na equipe da agência não era um bônus, era uma necessidade. Daí, o diretor de criação podia lançar mão de uma ideia meio amalucada de um redator tão jovem como irresponsável e arriscar apresentá-la ao cliente. O risco era de todos. O risco era admissível e solidário.
Hoje a necessidade de controle absoluto, de certezas férreas, de algoritmos acurados, nos impede de investir no inesperado. A certeza traz com ela a falta de coragem, a aversão ao risco. E com essas novas práticas, perdemos os jovens profissionais desformatados que tanto bem fizeram ao nosso negócio. Mentes tortas que nos entregaram cachorros transformados em amortecedores, formigas de capacete impulsionadas por uma caixa de som e mulheres de calcinha e sutiã jogando futebol, entre outras arriscadas, loucas e brilhantes tentativas de deixar fluir ideias.
Os tempos são outros. As pessoas são outras. Entendo que as novas plataformas entregam de bandeja algumas métricas que nos denunciam, não só quem está vendo nossa mensagem, mas até onde está e em que momento clicou nosso link com o CTA. Por outro lado, ao podermos ter conhecimento prévio de onde estamos acertando ou de onde poderíamos errar, estamos nos colocando em uma caixinha acolchoada e segura, de onde talvez nunca mais tenhamos capacidade ou ousadia suficientes para escapar.
Mas, como tudo muda o tempo todo no mundo, quem sabe ainda não haja uma reviravolta e as coisas voltem a ser mais soltas e livres. Alguns colegas acreditam que estamos num rito de passagem, que logo haverá uma evolução natural e que a ideia voltará a ser valorizada e desejada. Assim, em vez de buscar profissionais com o formato exigido pelos protótipos, talvez possamos abrir as portas para outras possibilidades. Vai que aparece na entrevista para um estágio uma garota com ar desligado e jeito de louca? Ou um moleque agitado, abusado e impossível de controlar? Eu iria adorar conhecê-los. #criatividadenata #criaçãosemformato #liberdadecriativa
Sócio na Radion Web Radio
7 mO melhor do ser humano é a criatividade. Evite ser superado pela máquina 📌
CMO | Creative Direction | Branding | Growth | AI
9 mToninho, muito legal seu artigo! Hoje, algo me deu muita esperança: um curso sobre IA para líderes. O curso enfatizou a importância fundamental dos dados, mas o professor concluiu com uma mensagem animadora: com a IA, a criatividade volta a ser o fator crucial para o sucesso. A IA nos oferece uma capacidade ilimitada de produzir, mas precisa ter o olhar certo para ter um output original e realmente provocador e desformatado. Se não, é a famosa metralhadora na mão do Chimpanzé.