Profissional de comunicação para quê?
Imagem: www.nydailynews.com

Profissional de comunicação para quê?

Quem está no mundo da comunicação há algum tempo sabe o quão desvalorizada a área é dentro de algumas empresas. Não são raras as vezes que textos e artes acabam sendo tratados com desdém e demandados como pasteis na feira. Assim, uma frase do tipo “faz aquele textinho pra minha apresentação de daqui a 15 minutos” é proferida com a mesma naturalidade de “um de carne e um de queijo, por favor”. Diante de negativas do jornalista ou designer, reclamações ou mesmo da exigência de pagamentos extras para determinadas tarefas (essa vai direto para os freelas), alguns clientes torcem o nariz e reagem como um leigo observando um quadro de Mondrian num museu: “se até meu sobrinho de 15 anos faz...”.

Ah, o sobrinho. Em geral, esse personagem é evocado nos momentos de tensão com o intuito de fazer o mais puro escárnio. O que preocupa é o fato de o pensamento por trás da ideia do “sobrinho” ser real, tão real que muitos resolvem usar seu instinto justiceiro e desempenhar as “simples” funções que caberiam ao comunicólogo com as próprias mãos, apenas para provar seu ponto – e, como veremos mais adiante, economizar alguns trocados.

O trabalho do sobrinho costuma render situações tragicômicas. Já vi um gestor que, cansado de solicitar alterações em uma arte, decidiu ele mesmo abrir um PDF de uma apresentação já pronta e inserir uma imagem de sua preferência: uma foto amadora do pôr do sol tirada dentro de um barco durante as suas férias. Nem é necessário dizer que o laranja do sol poente em nada se encaixava com a frieza azulada das imagens corporativas usadas ao longo da apresentação. Mas quando tratamos de sobrinho, o que é ruim sempre pode piorar. Até o observador menos atento conseguia notar, além da total falta de senso de enquadramento do “fotógrafo”, a imagem do próprio autor do disparo refletida em uma das janelas do barco. Designer para quê?

Quando se fala de texto, a coisa fica ainda mais engraçada. Isso porque desde que o STF extinguiu a obrigatoriedade do diploma para a prática do jornalismo, todos que se viravam bem nas redações da escola se sentiram encorajados a tentar replicar o talento há tanto engavetado no âmbito profissional. Pena que nem todos tenham o incomensurável talento literário de um mestre como o médico Tchekhov. O melhor exemplo disso foi um cliente que implorava para que escrevesse os próprios artigos, que seriam distribuídos para jornais e revistas. “Gosto muito de escrever”, justificava, tentando esconder o orgulho com que mostrava a sua independência do trabalho dos redatores. Na empresa, ao nos depararmos com o material, nos forçamos para tentar segurar o riso. Tratava-se de uma colcha de retalhos formada por frases desconexas que, a julgar pela diferença de cor e tipo de fonte, não eram mais do que um simples copy + paste da internet. Como nos trabalhos de escola. Redator para quê?

Recentemente, as redes sociais (esse ramo também costuma ser muito afetado pelo trabalho dos sobrinhos) explodiram com a truculência de um bar de São Paulo, o tradicional Quitandinha, frente à denúncia de uma cliente sobre um suposto caso de agressão, denúncia esta que viralizou na internet. Na página do estabelecimento no Facebook, em vez de ponderações do tipo “vamos averiguar o que aconteceu”, duras críticas à denunciante, num belo exemplo de imperícia ‘sobrinhesca’. Resultado: uma enxurrada de xingamentos e palavras de ordem por parte de internautas indignados, o que deteriorou bastante a imagem do bar. Gestor de mídias sociais para quê?

Tanto o caso do sobrinho-designer como no do sobrinho-redator, a coisa só não foi para frente porque havia uma empresa de comunicação intermediando o processo. Já a história do Quitandinha é um símbolo de como não contratar o profissional certo para se comunicar com o público pode gerar danos às vezes irreparáveis para a imagem da empresa.

A coisa fica ainda mais feia quando se leva em conta que o sobrinho está tirando o emprego de muita gente. Afinal de contas, contratar profissional de comunicação para que se até o sobrinho de 15 anos faz o trabalho – e muito mais barato? Aí entra um problema talvez ainda maior. Esse tipo de comportamento colabora para reduzir o já baixo valor do trabalho dos comunicólogos, que é regido pelas severas leis de mercado.

Por mais que histórias como as mencionadas nesse texto sejam repetidas diariamente (dizem que a cada incorporação do sobrinho a Alemanha faz mais um gol no Brasil), o segmento de comunicação corporativa continua desvalorizado, como se tivesse pouca importância no resultado final dos negócios. Assim, diante de um cenário de crise, os departamentos de comunicação costumam sofrer o mesmo destino trágico das férias em família na Disney: são a primeira coisa a ser cortada. Até porque, se comunicar é algo tão simples, que até o sobrinho de 15 anos faz. Gastar mais dinheiro para quê?

Ana Paula Gomes Vasconcelos

Estrategista de Comunicação de Marketing | Comunicação Corporativa, Marketing Digital

8 a

Percepção de líderes pouco informados sobre a importância do setor e de um bom profissional no comando. E, se algo não dá certo na empresa, a culpa é da Comunicação!

Katia Camata Ribeiro

Profissional de Comunicação e Marketing | Relacionamento com Cliente | Estrategista Criativa | Impulsionadora de Resultados

8 a

Parabéns Flávio pelo excelente texto e, porque não dizer, desabafo de todos nós comunicólogos. Vale lembrar também dos diminutivos, pois o sobrinho também faz o jornalzinho, muralzinho, melhor dos que estudaram anos.

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