Gestão de Ativos Operacionais, uma estratégia para a sustentabilidade dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário

Dentre os princípios fundamentais estabelecidos na Lei 11.445/2007, a universalização do acesso aos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário tem sido o mais abordado no processo de elaboração dos Planos de Saneamento Básico. No entanto, além da ampliação progressiva do acesso de todos os domicílios ocupados às estruturas de água e esgoto, o setor tem como grande desafio a sustentabilidade da prestação destes serviços, outro princípio expresso do marco legal.

Apesar da abordagem deste tema no Marco Regulatório e no Plansab, pouco tem sido discutido sobre quais os melhores caminhos para se alcançar este objetivo. Sob a ótica Econômica, os serviços são sustentáveis se há receitas, preferencialmente decorrentes de tarifas, que cubram as necessidades: de custeio, tais como energia elétrica, pessoal, produtos químicos; para renovação ou substituição de ativos operacionais; e para a remuneração do capital, no caso de fonte própria, ou do pagamento do serviço da dívida, no caso de recursos de terceiros. Tudo de modo a permitir que a operação atenda padrões de qualidade dentro de limites estabelecidos pela legislação e as metas dos contratos de programa e de concessão.

Neste contexto, as tarifas vigentes não são suficientes, na maioria das prestadoras de serviço, para cobrir estas necessidades, ficando a parcela da renovação dos ativos como última prioridade. O problema não se restringe a recursos insuficientes, mas também a inexistência de uma metodologia integrada que permita abordar tanto os aspectos de engenharia, para garantir a operação no decorrer da vida útil dos mesmos, em conjunto com os aspectos de financiabilidade destes sistemas. “Longe dos olhos, longe do coração” tem sido a descrição da abordagem do setor em relação à manutenção ou conservação destes ativos operacionais, em boa parte subterrâneos, que só desperta atenção quando estas estruturas entram em colapso.

Esta situação não ocorre somente em países em desenvolvimento, mas também em países que já venceram os desafios de universalização e já atendem a padrões de qualidade dos serviços de água e esgoto. Como exemplo, foi realizada pela Sociedade Americana de Engenharia Civil (ASCE) pesquisa sobre as infraestruturas de abastecimento de água e esgotamento sanitário dos Estados Unidos, recebendo uma classificação D-, a penúltima pior nota. Como consequência, segundo Agência Americana de Proteção do Ambiente (EPA), serão necessários investimentos na ordem de US$ 1 trilhão para adequar estes ativos aos padrões requeridos nos próximos 20 anos. A maior economia do mundo, apesar de já ter resolvido seus problemas de universalização e qualidade dos serviços está vivendo, conforme alguns especialistas apontam, a maior crise da água de sua história.

O principal fator para esse panorama nos Estados Unidos decorre da configuração do setor, no qual as empresas prestadoras de serviço são de pequeno porte, atendendo mais de 54.000 comunidades, com acesso limitado a fontes de financiamento para promoção das melhorias, além da dificuldade para os gestores e conselhos municipais entenderem as necessidades de recursos para manutenção dos sistemas, resultando em reajustes tarifários insuficientes para viabilizar planos de manutenção com vistas à confiabilidade do serviço. Logicamente que a estrutura americana já tem ativos com mais de 100 anos, no entanto, estruturas de água e esgoto com mais de 30 anos, para manterem seu funcionamento eficiente e seguro, também merecem cuidados especiais.

Fazendo um comparativo com Brasil há certa similaridade. Não há em geral no setor brasileiro, o planejamento da manutenção preventiva ou preditiva, salvo raros e bons exemplos. A política tarifária para cobrir todas as necessidades nem sempre segue análise técnica por parte de um ente regulador com experiência para regulação econômica, muito menos uma data segura de revisão tarifária que esteja, minimamente, blindada de intervenções. A população por outro lado não percebe os benefícios e nem o valor do serviço de água e esgoto, resultando em uma disposição a pagar, em geral, abaixo do que é estabelecido pela tarifa.

Fica o questionamento do melhor caminho para garantir a sustentabilidade do negócio, respeitando as necessidades dos clientes, entes reguladores e prestadores de serviços. Foi nesse contexto que surgiu no final da década de 1990 na Austrália e Nova Zelândia, em resposta a uma grave falha no setor elétrico, uma metodologia para ajudar as utilities elétricas a sair desta crise, compilada no International Infrastructure Management Manual.

Este programa de atividades para Gestão de Ativos, em inglês Asset Management, combina técnicas de gestão, finanças e engenharia aplicadas aos ativos físicos com o objetivo de garantir níveis adequados de serviços com o melhor custo benefício possível. No Brasil, de um modo em geral, a gestão desses ativos abrange muito mais o controle patrimonial do que uma estratégia de gestão para melhorar os resultados da empresa. Desta forma, basicamente consiste na elaboração do inventário e acompanhamento da sua depreciação contábil.

Este nova forma de pensar ativos propõe a mudança na abordagem da construção e implantação dos sistemas para um gerenciamento integral da vida útil destes, tanto nos aspectos operacionais como econômicos. Ou seja, ao invés de, simplesmente, depois de implantada a obra, ser feito o acompanhamento da depreciação de equipamentos ou materiais com a lógica contábil, o que na maioria das vezes não reflete a realidade do desgaste físico dos equipamentos ou materiais, a gestão sobre essas estruturas monitora e avalia as condições físicas e econômicas, estabelecendo limites aceitáveis de serviço dos mesmos. Priorizando os mais críticos para a operação é estabelecida uma estratégia econômica de renovação ou substituição. Com isso, os benefícios esperados são o aumento do ciclo da vida útil e diminuição dos custos unitários de operação e manutenção; melhor entendimento dos clientes, da agência reguladora, dos acionistas sobre a política tarifária, transparência nas decisões de investimento, e, consequentemente, melhoria do desempenho geral da companhia de forma sustentável.

O modelo propõe a elaboração do Plano de Gestão de Ativos (PGA) que responde perguntas sobre: quais os ativos existentes, qual seu estado de conservação e valor econômico residual; quais os níveis de serviço e qualidade esperados para a operação; quais os ativos críticos para garantir uma operação segura e eficiente; qual a melhor estratégia de investimento de manutenção e recuperação ou reposição e, finalmente, qual a melhor estratégia de financiamento em longo prazo.

No processo de construção do PGA são cumpridas as etapas de Elaboração de Inventário dos Ativos; Avaliação do desempenho e condições de funcionamento dos sistemas; Determinação do Ciclo de Vida do Ativo, Elaboração do acordo de Desempenho e Métricas e Determinação dos Riscos Críticos do Negócio. Nos passos seguintes, inicia-se a integração das necessidades operacionais apontadas anteriormente, com as necessidades econômicas dos sistemas, por meio da Otimização dos Orçamentos de Operação, Manutenção e de Capital, e finalizando com Elaboração das Estratégias de Financiamento para realizar o Plano de Investimento.

A partir deste panorama, fica o desafio de, no curto espaço de tempo, ampliar as discussões estratégicas em relação aos melhores caminhos para a garantia da sustentabilidade dos serviços. Neste sentido, deve-se buscar, simultaneamente, o crescimento da cobertura dos sistemas com a melhoria da gestão das estruturas existentes, o que permitirá a realização das expectativas dos consumidores e o atendimento das exigências legais que cada vez mais impactam e oneram o setor


João Luiz P.

GERENTE DE UNIDADE at A GERADORA

7 a

Excelente artigo. Leitura atraente e leve. Atual, criativo e tecnicamente perfeito.

Mario Jorge, MSc Financial Manager

Companhia de Desenvolvimento do Complexo Industrial e Portuário do Pecém - CIPP

7 a

De fato entender o ativo como gerador de beneficios futuros capaz de garantir o retorno necessário à sustentabilidade dos empreendimentos aliando a isso a visão do nivel de serviço que pode ser entregue à população a partir destes seria uma inovação. Gerir de modo a garantir a manutenção do nivel de serviços e a reposição dos ativos a partir de fatores de utilização pré determinados num plano de investimentos seria então o melhor dos mundos. Creio sinceramente que nos traria uma acreditação suficiente para que nossas tarifas fossem rediscutidas. Contudo a aceitação de tarifas justas pelo serviço ofertado seria uma incognita dado a baixa renda percapita e variaveis que dizem respeito ao conjunto das necessidades das familias. Porém, meu pai sempre me disse que não há poder de convencimento maior do que a transparência das suas ações. Abraço e parabéns pelo artigo!

Aurineide Lemos

Gerente de Mercado de Capitais na Companhia de Água e Esgoto do Ceará - Cagece

7 a

Interessante esse ponto de vista . O Teste de Impairment também é uma metodologia para avaliar a capacidade de recuperação de um ativo. Quanto à disposição da população em pagar pelos serviços de água e esgoto, acrescentaria outra variável que é o nível de confiança nas políticas públicas , talvez estas tornando-se mais amplas e transparentes possam ser melhores aceitas e terem melhores resultados . Parabéns pelo artigo .

Rafael Gouveia

Gerente Regional de Riscos N/NE - Lockton Companies

7 a

Ótimo Texto! Incrível como uma melhor ótica e gestão dá uma outra competitividade ao negócio.

Perfeito! No Brasil praticamente nao há gestão de ativos e, mesmo se houvesse, a tarifa "pública" hoje praticada não permite a sua manutenção. A solução não é privativar e sim rever todos os conceitos em relação à tarifação. Há necessidade da quebra do paradigma atual e a sensibilização da população em relação ao real valor da água e da saúde pública. Parabéns pelas palavras!

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